As eternas crises da América Latina
As notícias desta semana mostram a revolta de boa parte da população chilena, com protestos por todo o país, toque de recolher imposto pelo governo que fala em estado de guerra, mortes e destruição nas ruas e etc... . E isso no Chile, que muitos até há pouco apontavam como um paraíso latino-americano, a exceção em um continente continuamente conturbado por crises econômicas, sociais e políticas. E discutem o que pode ter dado errado no maior exemplo de aplicação de políticas econômicas liberais no continente, o que deveria ser garantia de sucesso mas mostra agora uma face nem tão brilhante assim, da mesma forma que ocorreu na Argentina de Macri. E voltam à baila às discussões sobre ideologias à esquerda e à direita, com exemplos de fracassos em ambos os lados. Até a pouco tempo atrás a direita apontava para a Venezuela e garantia que sua falha era intrínseca às ideologias de esquerda, e batendo no peito afirmava a inegável vitória dos regimes liberais na obtenção do tão almejado desenvolvimento nacional (convenientemente se esquecendo que o anterior predomínio de governos de esquerda na região era uma consequência do fracasso dos governos de orientação liberal anteriores). Mas agora, com os fracassos igualmente inegáveis da Argentina e do Chile, nenhum dos lados pode mais cantar vitória e ambos ficam sem razão, o que ao invés de amainar vai somente acirrar ainda mais as divisões e o sectarismo entre os simpatizantes de cada um dos dois campos.
Contudo, os problemas no Chile (e também na Venezuela, no Brasil, na Argentina e etc...) vão muito além da análise simplista de ter sido adotada uma política de esquerda ou direita, socialista ou neoliberal. A questão é bem mais profunda do que a orientação ideológica deste ou daquele governo. O problema da América Latina é que esta região como um todo não consegue compreender como funciona uma economia moderna. E por moderna entenda-se o que se pratica nos países europeus ocidentais e nas suas principais colônias - EUA, Canadá e Austrália - desde o século XVIII pelo menos, e nos países asiáticos desde o Século XX: Uma economia focada na inovação.
Os europeus ocidentais, norte-americanos, canadenses, japoneses, chineses, sul-coreanos e até australianos são sociedades focadas na criação de novos produtos das mais diversas áreas, da indústria automobilística ao entretenimento, passando pela eletrônica, o marketing, a música e etc..., sempre visando competir no mercado mundial e não apenas abastecer seus mercados internos. Isso já era claro quando os países mais avançados do velho continente partiram para a conquista de colônias não apenas para explorar os seus recursos naturais como fizeram portugueses e espanhóis, mas principalmente para obter mercados cativos para a venda de seus produtos manufaturados. E ficou ainda mais claro quando primeiro o Japão e depois a Coréia do Sul, a China e agora a Índia focaram suas estratégias de desenvolvimento na industrialização, criando empresas locais e buscando avidamente os mercados mundiais para seus produtos industriais por todos os meios possíveis e imagináveis (incluindo acordos comerciais, subsídios, moeda artificialmente desvalorizada e etc...). Por isso o grosso do que estes países produzem em termos de bens industriais ou serviços possui elevado nível de agregação de valor e exige o emprego de grande quantidade de mão de obra altamente especializada, como projetistas, engenheiros e cientistas, mas também músicos, escritores, produtores, roteiristas, advogados e etc..., todos com nível de remuneração compatível com a elevada renda per-capita possível de ser alcançada em economias organizadas desta forma.
Já aqui na América Latina a sociedade sempre buscou algum produto simples e fácil de extrair da natureza usando um mínimo de mão de obra com pouca especialização, e ingenuamente pretende-se que seus países possam viver exclusivamente deste tipo de produto. Quem não se lembra dos famosos ciclos econômicos brasileiros, sempre focados na produção de bens primários (pau-brasil, ouro, açúcar, café, minérios e etc...). A própria palavra inovação provoca reações de estranhamento ou mesmo de repulsa em nosso continente (basta ver como as sociedades latino-americanas tendem a ser conservadoras). Por isso temos hoje no Brasil o café, a soja e o minério de ferro (e agora a ilusão do petróleo do pré-sal), na Argentina a carne e a soja, no Chile o cobre, outros minerais, alguns produtos agrícolas e o pescado, na Venezuela basicamente o petróleo, em Cuba o açúcar e o tabaco e por aí vai, em praticamente todos os países, sejam os governos de qualquer espectro político que forem. Mas este tipo de produto não necessita de inovação (a exploração deles pode até ser, mas aí simplesmente se importam os equipamentos das indústrias de outros países) e utiliza apenas peões e operadores de máquinas com um mínimo de treinamento e os salários mais baixos possíveis. Mesmo quando se implantam indústrias elas ou são de baixo nível tecnológico (como fabricantes embalagens, material de construção civil e etc...), ou são basicamente empresas estrangeiras, que instalam suas fábricas nos países da América Latina mas fazem pouco ou nenhum desenvolvimento local e enviam a maior parte do lucro para suas matrizes estrangeiras. Nem sequer existem políticas industriais na maior parte destes países.
É isso que mantém as economias latino-americanas em nível tão mais baixo de produtividade do que a dos países mais desenvolvidos ou que estão em desenvolvimento acelerado, e consequentemente a renda nacional per-capita nesta região permanece sempre muito longe da alcançada nas nações de sucesso. Mas como as elites nestes países não aceitam ficar para trás de suas congêneres européias, norte-americanas e asiáticas em termos de rendimentos, acabam criando por diversos caminhos (exploração da mão de obra, rentismo, monopólios dos bens e serviços nos mercados locais, etc...) formas de continuar sempre a extrair a maior parte da riqueza gerada em cada país para seus próprios bolsos, levando à elevada concentração de renda típica da região, à quase impossibilidade de melhoria das condições de vida das camadas mais baixas da população e consequentemente à elevada insatisfação social, que se manifesta nas crises políticas intermitentes, na elevada criminalidade e nas recorrentes revoltas populares por motivos que são aparentemente triviais mas que na verdade funcionam apenas como estopins para demonstrações de níveis de insatisfação muito mais profundos.
Infelizmente, no entanto, por razões históricas e culturais, as sociedades latino-americanas se mostraram e ainda se mostram totalmente incapazes de compreender a importância da questão da inovação na economia, e vão sempre continuar a buscar soluções mágicas para resolver seus problemas por caminhos inviáveis, do socialismo moreno da Venezuela chavista ao direitismo tacanho do Brasil bolsonarista, passando pela gangorra peronista-liberalista da Argentina e o liberalismo excludente do Chile, sem jamais sair da sua situação de sub-desenvolvimento. Ou buscarão atrair para cá estrangeiros que venham fazer os investimentos que não querem se dar ao trabalho de fazer e instalar suas modernas fábricas que produzem os bens mais sofisticados e valiosos que tanto almejam, esquecendo que ninguém coloca dinheiro em algum lugar se não espera retirar ainda mais dinheiro depois. E com isso no máximo conseguirão executar os típicos voos de galinha, como os do Brasil durante o regime militar e na era Lula ou o do Chile até alguns anos atrás, mas que sempre terminarão em aterrissagens abruptas e desastradas na realidade de sociedades que não conseguiram fazer a transição mental da idade moderna para a contemporânea e ainda estão presas ao espírito extrativista dos primeiros colonizadores portugueses e espanhóis que por aqui aportaram nos séculos XV e XVI, o qual ao que parece jamais conseguirão superar.