Como lograr um povo e um país
Não é tão difícil lograr um país e todo seu povo, basta ter à mão os meios necessários para tanto. Às vezes o cidadão será logrado de bom grado, até ajudará no logro de outros cidadãos. Este cidadão ao mesmo tempo logrado e logrador ambiciona usufruir também dos privilégios do logro.
Mas vamos ao que interessa: o que é preciso para lograr o cidadão comum? Primeiro é preciso um bom número de homens ditos públicos, mas que há muito tempo deixaram de sê-lo. Não têm mais escrúpulos nem princípios éticos, não sabem mais o que seja o espírito público. São políticos, juristas, empresários, pelegos, militares, funcionários. Homens que decidem sobre as leis, os cargos públicos, o uso do dinheiro do país, os rumos a seguir.
Depois, é preciso controlar as informações, isto também é essencial. Vivemos a era da informação. TVs, rádios, jornais, revistas, as mídias sociais devem ser capazes de divulgar somente informações que reforçam o logro, e esconder aquelas que poderiam despertar os logrados.
Terceiro, é preciso que o sistema educacional mantenha os logrados na infantilidade cívica. É mais certo que se tenha sucesso em lograr os analfabetos políticos, incapazes do senso crítico e da autonomia.
Estes são os três ingredientes essenciais para o logro: dirigentes corrompidos, mídia facciosa e mentirosa, povo civicamente infantilizado. Há, claro, muitos outros ingredientes que adicionam requintes ao logro. É preciso ter aliados externos poderosos, eles auxiliam com recursos financeiros, com tecnologia de arapongagem e inteligência, com a farsa das declarações de reconhecimento de uma sórdida diplomacia. É bom que o país logrado tenha o que oferecer em troca a estes poderosos aliados externos. Petróleo, minérios estratégicos, farta água potável, vastos solos agricultáveis, a Floresta Amazônica, um mercado de duzentos milhões de consumidores, o controle geopolítico da América do Sul e do Atlântico Sul, uma enorme extensão de mares territoriais deverão bastar para saciar a sanha desses vorazes aliados externos.
Convém também firmar uma sólida rede nacional de comparsas que controlam a economia do país. São os grandes banqueiros, especuladores, empresários, proprietários de terras, que vivem dos juros da dívida pública e da exploração do trabalho, decidem sobre os investimentos, os empregos, e assim podem sabotar a economia do país, se isto é conveniente para, por exemplo, deflagrar golpes e derrubar governos democraticamente eleitos, se estes se opõem ao grande logro.
Convém também pesquisar sempre as técnicas mais sofisticadas para cooptar os oportunistas que apoiam o logro, e que são conscientes dele. E para engambelar aqueles que apoiam o logro iludidos, acreditando que ele é a salvação da pátria. Estes, coitados, são a maioria. São os logrados que julgam que são os cidadãos exemplares, que finalmente deixaram de ser ignorados, e agora são paladinos da cidadania. Exibem as cores da bandeira sem noção que estão a serviço do loteamento do país para a rapinagem internacional.
Estes logrados acreditam que agora a boa índole inerente de políticos, autoridades, patrões vai resolver os problemas do país. E consuma-se assim o logro.