REFLEXÕES SOBRE A SERVIDÃO DO LAR! EM PLENO SÉCULO XXI AINDA PRECISAMOS DEFENDER O ÓBVIO

"A revolução não apenas libertou a mulher da atmosfera fechada e abafante da família, transportando-a para o vasto espaço da vida social, mas incutiu, com espantosa rapidez, o sentimento de sua ligação com a coletividade."

Alexandra Kollontai

1) Introdução

Ao discutirmos os direitos das mulheres, a divisão igualitária do trabalho doméstico é pauta urgente e fundamental. Muitas pessoas (principalmente os homens) estão tão habituadas e condicionadas ao fato de que os afazeres do lar sobram sempre para as mulheres, que por vezes tornam-se incapazes de compreender o questionamento em relação ao tema e porque é tão fundamental lutarmos para que as mulheres não sejam exploradas em seus próprios lares. Esse estar habituado(a), deve-se à sociedade patriarcal em que estamos inseridos, que impõe como obrigação das mulheres os cuidados com a casa, com os filhos e com as pessoas mais velhas da família, contribuindo significativamente para exploração da mão de obra feminina.

Quando as mulheres propõem discutir e reivindicar o direito de trabalhar menos, costumam ser silenciadas com respostas rasas e insuficientes do tipo “isso é natural, coisa de mulher”. Infelizmente, nem sempre é fácil fazer esse debate. Estabelecer um diálogo sobre o assunto com qualquer pessoa que se coloque contra o fato de que as mulheres trabalham mais do que os homens, torna-se uma tarefa (a mais) muito difícil e muitas vezes somos vencidas pelo cansaço, literalmente.

E foi justamente pensando em contribuir com as mulheres em seus debates caseiros e cotidianos, que comecei a elaboração deste texto. Será apresentado aqui alguns pontos importantes para compreendermos (e argumentarmos), a importância da divisão igualitária do trabalho doméstico e porque é válida, justa e necessária. Para muitos de nós pode parecer meio óbvio os expostos aqui, no entanto vivemos um angustiante tempo em que precisamos expor e defender o óbvio.

2) As mulheres ainda carregam a casa nas costas.

Na maioria das famílias, cuidar da casa ainda é responsabilidade das mulheres. Seja por verdadeira necessidade econômica, por influência religiosa ou por reprodução dos valores da ideologia dominante burguesa. Dentre as famílias burguesas, ainda que as donas de casa tenham empregados para auxiliar em seus afazeres, a responsabilidade de gerir o lar é da mulher. Nas famílias mais pobres, as mulheres cumprem todas as tarefas do lar sozinhas e em um número muito representativo elas são também as chefes de família. A proporção de famílias brasileiras chefiadas por mulheres passou de 22,9%, em 1995, para 38,1% nos últimos anos (IPEA - 2010). Ao analisarmos precisamente o grupo de mulheres da classe pobre, observamos com clareza o quanto é injusta e desumana a divisão do trabalho doméstico. Elas ganham menos e trabalham muito mais. E quanto menor o nível de escolaridade e maior for a quantidade de filhos, maior será a exploração.

Uma pesquisa realizada em março deste ano, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no suplemento Outras Formas de Trabalho da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, revela que “mesmo trabalhando fora, a mulher cumpria 8,2 horas a mais em obrigações domésticas que o homem também ocupado. A diferença era ainda maior entre homens e mulheres não ocupados. Nessa condição, elas trabalhavam 11,8 horas a mais que eles.”. Apesar de estar estatisticamente comprovado que as mulheres trabalham mais, quando manifestamos nossa indignação a respeito e reivindicamos trabalhar menos, ainda somos obrigadas a levantar verdadeiras barricadas em nossa defesa e combater os mais rasos argumentos.

Diante de números angustiantes como esses, torna-se necessário quebrar estruturas de pensamento misóginas e engessadas para explicar coisas óbvias. Por exemplo, o trabalho doméstico não é uma obrigação da mulher só por ser mulher! Não há nenhum dado biológico que sugira isso. Não tem nada a ver com condição física ou psicológica, nada! Trata-se de uma imposição social, estabelecida pela sociedade patriarcal em que vivemos. Onde os homens que detêm poder e prestígio ao longo dos séculos, determinam o que as mulheres devem fazer e até como devem ser, de acordo com sua moral e seus interesses econômicos e não necessariamente de acordo com o que é justo, com nossas reais necessidades ou com o que seria o ideal para nós. Ou seja, dizer que trabalho doméstico é trabalho de mulher, é reproduzir de forma autoritária e cega a lógica dessa sociedade, contribuindo para manter os homens em seus lugares de privilégios.

Cabe aqui lembrar o quanto algumas religiões reforçam isso e colaboram abertamente para a consolidação do patriarcado. Ouvimos constantemente a colocação “a mulher tem que servir ao homem, isso está na bíblia”, usada como desculpa para que mulheres continuem trabalhando feito burros de carga em suas casas.

Quando conseguimos compreender que a imposição do trabalho doméstico ao destino das mulheres, não é uma consequência biológica e muito menos a “vontade de Deus”, logo constatamos que existe uma exploração da mão de obra feminina pela economia capitalista, que é injusta e precisamos lutar contra isso.

3) A carga é mais pesada do que parece.

A princípio precisamos desmistificar a simplicidade do trabalho doméstico. Trabalhar em casa é tão pesado e desgastante quanto trabalhar fora. O trabalho doméstico é chamado de trabalho improdutivo, porque não gera receita para o capital. Apesar do patriarcado levar uma imensa vantagem com essa exploração, nenhuma grande companhia especificamente ganha com esse trabalho, no entanto o prejuízo existe e acaba sendo basicamente das mulheres, afinal a maior parte desse trabalho recai sobre nós e pagamos caro com nossa saúde.

Esse trabalho extra que as mulheres fazem desde muito cedo, traz enorme prejuízo para suas vidas. Torna-se fundamental lembrar que a jornada de trabalho doméstico das mulheres não começa somente com o casamento ou quando saímos de casa para fazer faculdade, como acontece com a muitos homens. Para nós mulheres essa jornada começa muito cedo no âmbito familiar. Quanto mais baixa a renda e piores as condições de vida, mais cedo se inicia a jornada doméstica e a servidão do lar. Para as meninas pobres periféricas, começa-se “ajudar a mãe” ainda na infância. E esse ajudar vai tornando-se obrigação à medida que a menina cresce. Não raro nessas famílias, garotas com 10,12, 13 anos já são pequenas donas de casa. Uma questão de sobrevivência, econômica e social.

Geralmente essa obrigação recai sobre a irmã mais velha e raramente sobre o irmão, mesmo que ele seja o primogênito. Trata-se claramente de uma questão de gênero. A maioria dos meninos das famílias pobres também desfrutam, assim como meninos de famílias ricas, do privilégio de poder aproveitar seu tempo livre para melhorar os estudos, para brincar e até mesmo descansar. Enquanto que as meninas são incumbidas do desafio de conciliar estudo, trabalho doméstico e cuidado com irmãos desde cedo, tendo parte de seu precioso tempo de vida roubado por essa servidão injusta e cruel. E não se trata de um tempo qualquer, de uma simples hora/relógio. É um tempo de infância, de adolescência, de juventude que nunca mais vai voltar. Um tempo impossível de ser ressarcido.

Portanto, sempre que se fala em “o trabalho doméstico que recai sobre as mulheres”, devemos lembrar que para as mulheres de origem pobre, essa jornada começou muito cedo, bem antes da jornada da maioria dos homens. No Brasil, uma mulher de 30 anos que vem da classe pobre, provavelmente já conta uma jornada de trabalho doméstico de no mínimo 20 anos. Tempo de trabalho não remunerado, não reconhecido e não contabilizado para fins previdenciários.

Quando partimos para análise da presença da mulher no campo de trabalho produtivo, ou seja, o trabalho remunerado assalariado, observamos que as desigualdades e injustiças se multiplicam. Alexandra Kollontai coloca a questão brilhantemente, “O capitalismo carregou sobre os ombros da mulher trabalhadora um fardo que a esmaga; a converteu em operária, sem aliviá-la de seus cuidados de dona de casa e mãe. Portanto, a mulher se esgota como consequência dessa tripla e insuportável carga que, com frequência, ela expressa com gritos de dor e lágrimas.”

Por hora a intensão deste texto é dar visibilidade para a árdua jornada de trabalho invisível que as mulheres cumprem nas suas casas diariamente. No entanto, devemos ter sempre em mente que ao entrar no mercado de trabalho remunerado para competir de maneira desigual com os homens, essas mulheres que começaram a trabalhar muito cedo, em casa, já carregam em seus corpos as marcas e o peso de anos de trabalho gratuito, oriundos da servidão do lar.

4) O prejuízo é visível na saúde.

Uma vez reconhecida a exploração da mão de obra feminina em casa, logo observamos os prejuízos que essa exploração nos causa ao longo da vida. Afinal, esse trabalho excedente nos rouba um tempo muito valioso de vida, de infância e juventude, de horas de estudos, horas de lazer, além de provocar um desgaste precoce da nossa saúde. É comum, encontramos dentre as mulheres que começaram sua jornada de trabalho ainda na infância, aquelas que já aos 30 anos apresentam sérios problemas de saúde, muitos deles relacionados a doenças osteomusculares, ansiedade e depressão.

No artigo “Risco Osteomuscular Relacionado ao Trabalho Doméstico”, os autores apresentam dados muito interessantes para analisarmos:

“...são profissionais (trabalhadores domésticos) sob alto risco ocupacional para o desenvolvimento de problemas de saúde, especialmente agravos do sistema musculoesquelético. O trabalho doméstico envolve grande esforço físico e utiliza diversos equipamentos que implicam em posturas e manejos que podem ter várias consequências sobre o sistema osteomuscular.”

O trabalho doméstico é um trabalho intenso, pesado e insalubre. A maior parte das tarefas domésticas exige movimentos antiergonômicos e repetitivos como ante-flexão e torção de coluna, levantamento de cargas, sobrecarga muscular, fadiga mental e trabalho dinâmico prolongado em ortostatismo dos membros inferiores (que significa ficar muito tempo em pé). Pesquisas que relacionam doenças ao trabalho doméstico, revelam que várias delas são causadas pelo excesso das tarefas do lar, como por exemplo, Doença Osteomuscular Relacionada ao Trabalho (DORT), comum entre pessoas que gastam muito tempo de suas vidas com tarefas domésticas.

“A propósito, a principal ferramenta de trabalho de quem atua no ramo da limpeza doméstica é o próprio corpo que, por assim ser, desgasta-se pelo uso como qualquer outra ferramenta. Portanto, é comum trabalhadores do lar queixarem-se de dores lombares ou nas pernas e de inchaço nos membros inferiores.”

Oras, se as mulheres exercem uma carga a mais trabalho doméstico, logo estão mais propensas a desenvolver essas doenças. As trabalhadoras domésticas remuneradas, tendem a apresentar tais doenças muito mais cedo, afinal exercem jornadas intensas desse tipo de trabalho dentro e fora de casa.

“São transtornos do humor e as DORTs, manifestados por ansiedade, tristeza, frustração, bem como por dores cotidianas, lesões, disfunções e incapacidades mioarticulares derivados da alienação mental, da falta de informação quanto a aplicação de movimentos, de posturas corporais adequadas e do uso correto de ferramentas e outros equipamentos, fatores esses que se encontram ausentes nas atividades laborais de uma trabalhadora doméstica.”

As observações apresentadas no artigo ajudam a compreender o quanto o trabalho doméstico torna-se um prejuízo incalculável para a saúde da mulher que na maior parte das famílias, “carrega a casa nas costas”.

5) O peso extra da maternidade e do cuidar.

Além do trabalho com a casa, coloca-se nessa conta de excesso de trabalho o cuidado com filhos, com pessoas mais velhas e doentes da família que recai prioritariamente sobre as mulheres. Apesar de compreenderem 40% da força global de trabalho formal, em média, as mulheres desempenham duas a dez vezes mais tarefas domésticas e de cuidado do que os homens, o que leva a uma dupla ou mesmo tripla jornada de trabalho.

Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2010, mostram que a mãe com filhos dedica 25,9 horas semanais aos cuidados coma casa, contra 15,5 horas dos homens com filhos. Observa-se que dentre as mulheres de baixa renda, existe uma significativa diferença na quantidade de horas de trabalho quando comparadas as que tem filhos e com as que não tem. Quanto mais filhos, mais trabalho, mais sobrecarga, menos compreensão por parte do companheiro (quando há um companheiro). Mesmo quando o pai é presente e se dispõe ajudar, normalmente fica com as tarefas mais leves, como brincar com a criança ou levar para escola e para passear. A dureza da rotina diária com alimentação, banho, idas ao posto de saúde, dever de casa, tolerância as birras, manhas e indisciplina, ainda fica por conta das mães.

A maternidade é um fardo pesado e quem encara sozinha na maior parte das circunstâncias ao longo da vida do filho, são as mulheres. Não podemos esquecer que filho cresce e as mulheres são cobradas por essa responsabilidade a vida toda. E por se tratar de um capítulo à parte na vida da mulher e uma questão complexa com vários itens a serem refletidos e debatidos, tratarei especificamente das dores da maternidade em outro texto.

A mesma pesquisa realizada pelo IBGE, mencionada acima, revela que a discrepância entre trabalho realizado por homens e mulheres é menor quando o assunto é o cuidado com os parentes, porém as mulheres ainda ficam com a maior parte do tempo gasto com essa tarefa.

6) Carga Emocional, o peso incalculável.

Outro ponto muito importante a ressaltar, é o fator Carga Emocional, que também recai sobre nós. Trata-se de uma parte do trabalho doméstico que envolve planejamento, organização, tomada de decisões, que nos faz ter que pensar em tudo. Ter que encontrar soluções para os problemas do cotidiano e até mesmo dar respostas para as questões mais simples, como ter que dizer onde estão as coisas a todo momento, uma vez que procurar até encontrar é um desafio impossível para a maioria dos homens. E mesmo quando o companheiro (ou filhos) se dispõe a contribuir com o trabalho doméstico, somos nós que temos que delegar as tarefas, supervisionar e ainda cobrar exaustivamente por tarefas não realizadas, ou pior, ter que concluir tarefas incompletas. Um trabalho exaustivo e invisível responsável pelo aumento significativo do estresse na vida das mulheres.

O fator Carga Emocional foi brilhantemente abordado pela ilustradora francesa Emma Clint, em seu quadrinho intitulado “Era só pedir”. Na história são apresentadas diversas situações cotidianas em que as mulheres se sobrecarregam emocionalmente com os afazeres relacionados com o organizar, planejar e executar. Emma demonstra que a mulher é sempre a chefe do projeto "gestão da casa" e o homem o “agente executor”. Enquanto os homens só executam, as mulheres organizam e executam, ou seja, fazem a maior parte do trabalho que exige carga emocional.

7) Mesmo com “ajuda”, o fardo ainda pesa.

Imagino que a essa altura do texto, pode haver alguém pensando “na minha casa não é bem assim”, “meu companheiro me ajuda”, “eu gosto de fazer tarefas em casa”. Bem, primeiro é preciso deixar claro a diferença entre ajudar e contribuir com a parte que lhe cabe. Para que não haja exploração, as tarefas domésticas devem ser divididas igualitariamente e cada um deve fazer a sua parte, não como um favor, mas como cumprimento de seu dever enquanto morador. Claro que essa divisão vai variar de acordo com o número de membros da família, tempo disponível e classe social. Famílias com mais recursos financeiros, tendem a promover uma divisão menos injusta, uma vez que podem bancar o trabalho de um (a) diarista esporadicamente. Existem pessoas que dizem se sentir bem realizando as tarefas repetitivas e maçantes do lar, mas isso não deve ser desculpa para que essas pessoas sejam exploradas.

Em 2016 o Instituto Promundo lançou o primeiro relatório Situação da Paternidade no Brasil, que revelou dados muito interessantes em relação a participação masculina em relação ao trabalho doméstico e cuidados com os filhos, além de mostrar o quanto a percepção de cuidados é diferente entre homens e mulheres. Ao responder sobre de que modo acontece a sua participação no trabalho doméstico, os entrevistados deram as seguintes respostas: “Realizar consertos na casa” (88%); “Pagar as contas” (76%); “Fazer compras” (69%); “Limpar a casa” (49%); “Limpar o banheiro” (49%); “Fazer comida” (45%) e “Lavar roupas” (38%).

Ao comparar as respostas das mulheres com as de seus companheiros, os dados surpreendem. Apenas 10% das mulheres relataram que os homens participavam do cuidado com os filhos, 14% que lavam roupa e 13% que fazem comida. Em relação ao cuidado com os filhos, segundo as mulheres, a principal atividade desempenhada pelos homens é “brincar” (72%), seguida por “trocar fraldas” (42%). Esse mesmo relatório mostrou que quanto maior a renda média de um país, menor é essa desigualdade na divisão de trabalho.

Já as respostas relacionadas à igualdade de gênero, também causam espanto e repulsa. Na visão dos homens, tarefas domésticas ainda são obrigação das mulheres. De acordo com o relatório,54% dos homens concordam totalmente com a afirmação que “O papel mais importante da mulher é cuidar da casa e cozinhar para a sua família”; mantenha a casa em ordem; 53% acreditam que “A mulher é a principal responsável por manter um bom casamento”; 43% concordam que “O homem pode até ajudar; mas quem deve ser responsável por cuidar da casa é a mulher” e 63,8% concordam totalmente ou parcialmente que “Os homens devem ser a cabeça da casa".

É possível observar em algumas famílias, sobretudo, nas de classe média, que os homens têm participado um pouco mais das atividades domésticas, mas infelizmente esse número ainda é baixo. Um estudo comparado através dos dados do PNUD e da ECLAC37 mostrou que no período de 10 anos, entre 2001 e 2011, os homens aumentaram apenas 8 minutos no tempo despendido no trabalho de cuidado e doméstico. Portanto, quando aquele amigo pró-feminista tentar contra argumentar dizendo “eu comecei a lavar louça” ou “não são todos os homens”, ele está certo. Realmente, não são todos os homens que não fazem a parte que lhe cabem, porém ainda são a maioria.

O uso desse argumento "eu não sou como os outros", usado para colocar a postura individual para minimizar o absurdo da exploração social da mão de obra gratuita feminina, é uma maneira de contribuir descaradamente com o discurso opressor do patriarcado. Em vez de ficar na defensiva, tentando desmerecer a revolta feminina, esses moços que se consideram não exploradores, desconstruídos e pró-feministas, deveriam no mínimo ouvir, apoiar e dar voz as nossas reinvindicações e protestos. O tempo que perdem tentando se defender diante das reinvindicações das mulheres, poderiam usar para elevar a consciência de outros homens em relação ao tema tratado aqui. Ou seja, não adianta o moço fazer “sua parte” enquanto o amigo, o vizinho, o irmão, o chefe da firma, ainda não fazem a parte deles. Meio óbvio, não? Enfim, eu disse que falaria do óbvio.

8) Os caminhos árduos da luta.

Quanto mais informações obtemos sobre os impactos da servidão doméstica na vida de uma mulher, mais claro fica o quanto é impossível negar a urgência de se debater a questão e principalmente buscar meios de reverter a situação. Uma pessoa que nega que as mulheres trabalham mais e que sofrem mais com esse excesso de trabalho, ou é muito ignorante ou muito perversa, de modo que reconhece a exploração e compactua com ela.

A divisão igualitária do trabalho doméstico assim como do cuidado com filhos e parentes, traz benefícios não só para as mulheres, mas para a sociedade como um todo. Quando os homens se responsabilizam de forma igualitária pelo trabalho doméstico abrem espaço para que as mulheres também desenvolvam habilidades profissionais. “Existem evidências claras sobre o impacto positivo do envolvimento do homem no cuidado, especialmente para a saúde materno-infantil, desenvolvimento cognitivo da criança, empoderamento da mulher, além de apresentar consequências positivas para a saúde e bem-estar dos próprios homens.”, diz o relatório do Instituto Promundo.

Diante desta realidade que se coloca para nós mulheres, a indignação e revolta mediante a exploração sofrida e constatada tende a aumentar à medida que elevamos a consciência sobre nossa condição. Sendo assim, dois caminhos se abrem diante de nós, o da submissão e compactuação com essa lógica nefasta de exploração do nosso trabalho ou o caminho da luta contra as opressões que recaem sobre nós. Sendo este último, um caminho árduo e difícil que exige um nível de resistência incalculável.

Não obstante, muitas mulheres mesmo tendo sua consciência elevada para a situação de exploração em que se encontram, preferem simplesmente cumprir o papel imposto e se submeter ao domínio do patriarcado, como colocou Simone de Beauvoir em 1940, “muitas mulheres renunciarão a tentar esse esforço de preferência a consumir-se nele”. Por se tratar de um caminho que já está estabelecido e não se exige muito, apenas que obedeça e sofra em silêncio de preferência pra não incomodar o seu “senhor”, o “patrão”. Entretanto, para nossa esperança muitas mulheres simplesmente não se conformam e lutam cotidianamente por uma condição melhor.

Uma das primeiras formas de lutar contra essa exploração é propor a divisão igualitária do trabalho em casa. Essa é a primeira revolução a ser conquistada. No entanto, isso não é algo fácil e simples, pois dependendo do contexto em que cada mulher está inserida, precisará lutar contra uma série de fatores contrários à esta proposta. Seja sua condição social precária, a margem e alheia a qualquer mínimo avanço de ordem moral. Seja o pai, irmão, namorado, ou marido conservador e assumidamente machista que não está disposto a tirar o prato da mesa e colocar na pia; seja a família extremamente religiosa que vai dizer que o trabalho doméstico é obrigação da mulher; ou as amigas que vão desencorajá-la a não tentar mudar “a ordem natural das coisas” ou até dizer que a mulher que não faz o “seu papel” acaba sozinha, naturalizando a exploração doméstica associando-a a incapacidade de manter um relacionamento amoroso; a mídia burguesa que para consolidar a lógica de exploração, não cansa de dar exemplos de quantas mulheres famosas (burguesas) conseguem trabalhar fora e trabalhar em casa e “dar conta do recado” e que isso é sinônimo de competência; sendo que a mesma mídia vai repetir de diversas formas, através de discursos diretos em programas de auditório ou do discurso indireto das novelas, que para um casal progredir é preciso alguns sacrifícios e isso significa a mulher se submeter e trabalhar mais; o senso comum calcado na ideologia dominante burguesa vai afirmar que trabalho doméstico é coisa de mulher e pronto; enfim, são muitos os que não se opõe a escravização da mulher pelo trabalho doméstico e fazem um esforço para desencorajar qualquer mulher que busque a sua libertação. Afinal estamos falando de uma numerosa mão de obra que trabalha de graça e contribui significativamente para a manutenção da economia capitalista. Quem se importa?

Imaginem se todo esse trabalho fosse custeado pelo Estado, através de restaurantes, lavanderias, creches e asilos de tempo integral, tudo gratuito e público. Quanto custaria, tirar das costas das mulheres ao menos uma parte de todo o trabalho relacionado a manutenção da vida? Será que o patriarcado está disposto a pagar o quanto nos deve por todo esse trabalho que realizamos gratuitamente em casa? Claro que não. Na lógica capitalista burguesa em que vivemos, é melhor e mais barato escravizar as mulheres. E acreditem que não se mede esforços para fazer com que nós acreditemos e aceitemos essa escravidão.

A luta por políticas públicas que interfiram diretamente na injusta divisão do trabalho doméstico não remunerado, e que pode aliviar o peso jogado nas costas das mulheres, deveria ser uma luta de todos! Afinal, quem ganha com a diminuição da sobrecarga das mulheres é a própria sociedade. Basta olharmos para os exemplos das mulheres que ao longo da nossa história, foram destaques nas mais diversas áreas da ciência. Mulheres que tiveram o privilégio de não serem escravizadas no lar e puderam contribuir significativamente com o chamado trabalho produtivo, promovendo avanços sociais e econômicos em diversos setores. Retirar das costas das mulheres a carga extra que elas carregam, é permitir que haja tempo e espaço em suas vidas para que possam ser tornar sujeitos de sua própria história. Portanto, a sociedade precisa ter um projeto econômico e político para que a mulher seja emancipada e livre. As mulheres não precisam de nada além do que o reconhecimento de sua humanidade, de tempo livre para si mesmas e emprego que lhes paguem justamente pela sua força produtiva.

Propor a divisão igualitária em casa é o primeiro passo, mas ainda assim não resolve nosso problema. Ao mesmo tempo que é importante ter coragem e força para enfrentar tudo isso sob um aspecto íntimo e pessoal, é preciso compreender também que essa não é uma luta individual, trata-se de uma luta coletiva, pois a questão é de ordem social. A opressão e exploração da mão de obra feminina não começou hoje, vem de longa data. A luta pelos direitos e emancipação das mulheres, faz parte de uma longa jornada em busca de uma real e radical transformação social.

9) Considerações finais.

Nossas batalhas travadas na esfera da vida privada, são importantes e nos fortalecem. Mas é na luta junto aos movimentos sociais que vamos, de fato, reverter essa situação. Por isso é tão importante para nós mulheres estarmos inteiradas das questões políticas colocadas e dos movimentos que impulsionam a luta das mulheres. A existência de políticas públicas que tirem da mulher o fardo injusto do trabalho extra é uma bandeira que precisa ser defendida.

Sair do casulo doméstico e se juntar aos movimentos sociais, é um passo fundamental a ser dado, para que cada mulher que em seu processo de elevação da consciência perceba que não está sozinha, que somos muitas e podemos ir juntas, rumo a libertação. Tarefa das mais difíceis, afinal quantas de nós consegue deixar a faxina pra depois, a roupa batendo na máquina, a criança sob os cuidados de alguém, para poder se ausentar de casa e participar de algum tipo de encontro político? Quantas de nós conseguem ter força física ou psicológica depois de jornadas duplas, triplas e se engajar nas atividades políticas de seu bairro, de sua comunidade? Poucas, infelizmente! E justamente por sermos poucas a ter tais condições, precisamos lutar para não cairmos no comodismo burguês do “comigo não acontece, então está tudo certo” ou “minha vida está na paz, não temos esse problema em casa”. Esse pensamento individualista/burguês, precisa ser derrotado, junto com a exploração da mão de obra feminina, se quisermos ter algum avanço nessa questão. O caminho é pensar em todas, pensar no coletivo e não no próprio umbigo.

O trabalho doméstico, assim como a injusta posição da mulher no mercado de trabalho, nos rouba um tempo e energia preciosos e necessários para a luta pelos nossos direitos. Quebrar a rotina, casa-trabalho-casa, é um passo importante para o avanço de nossa luta. Um passo para fora da cercania que nos aprisiona e nos escraviza. Ficar isolada em casa, sofrendo sozinha é justamente o que o patriarcado quer que façamos e é por isso que precisamos “sair de casa”. Sair do confinamento da servidão doméstica e assumir o nosso direito ao espaço público e político.

A revolução começa em nós e se consolida nas ruas.

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REFERÊNCIAS:

KOLLONTAI, Alexandra, 1872-1952. A Família e o Comunismo. 1ª ed. São Paulo: Edições ISKA,2013.

BEAUVOIR, Simone, 1908-1986.O Segundo Sexo, tradução Sérgio Milliet. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,2009.

MULHERES DEDICAM QUASE O DOBRO DO TEMPO DOS HOMENS EM TAREFAS DOMÉSTICA. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/24267-mulheres-dedicam-quase-o-dobro-do-tempo-dos-homens-em-tarefas-domesticas> Acesso em : 08 jun. 2019

RISCO OSTEOMUSCULAR RELACIONADO AO TRABALHO DOMÉSTICO. Disponível em: <http://www.rmmg.org/artigo/detalhes/2354> Acesso em: 08 jun. 2019.

TRABALHO EMOCIONAL E COMO ELE SOBRECARREGA AS MULHERES. Disponível em: <https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/05/01/O-que-%C3%A9-%E2%80%98trabalho-emocional%E2%80%99.-E-como-ele-sobrecarrega-as-mulheres > Acesso em : 08 jun. 2019.

QUADRINHO EXPLICA PORQUE AS MULHERES ESTÃO TÃO CANSADAS. Disponível em: <https://www.geledes.org.br/quadrinho-explica-por-que-as-mulheres-se-sentem-tao-cansadas/ >.Acesso em : 08 jun. 2019.

RELATÓRIO DAS SITUAÇÃO DA PATERNIDADE NO BRASIL. Disponível em: <https://promundo.org.br/2016/11/22/promundo-lanca-primeiro-relatorio-situacao-da-paternidade-no-brasil/> Acesso em : 09 jun. 2019.

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Karina Guedes
Enviado por Karina Guedes em 13/06/2019
Reeditado em 09/11/2023
Código do texto: T6672009
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