O ESPELHO DE OBSIDIANA (I)
O ESPELHO DE OBSIDIANA (I)
DIZ O FOLCLORE QUE esse espelho protege, quem nele se reflete, de pensamentos e hábitos nocivos. Essa pedra suprime energias carregadas de tensões, desarmonia, raiva, ódio, avareza, medo e ressentimentos.
MULTIDÕES DE PESSOAS, nas décadas de sessenta/setenta se olharam no espelho coletivo de uma sociedade repressiva e carente de tudo. Como não havia saída possível para suas almas represadas dentro do espaço capsular da família e da escola, elas saíram às ruas em protesto contra a exclusão.
SUAS VIDAS NADA PODIAM contra a evidência das pessoas da propaganda que consumiam artigos de luxo, carros do ano, hotéis em praias paradisíacas, casas de praia, executivos milionários. Ainda havia homens e mulheres nessa época, mas, a sociedade de consumo já investia muito na sexualidade homogênea da massificação.
AS PESSOAS QUERIAM viver o Aqui Agora, mesmo sabendo que não poderiam vivê-lo. Sentiam que estavam a perder o tempo perdido que Proust reivindicava Em Busca do Tempo Perdido. O tempo atual está carregado (magnetizado) de passado, como diria o filósofo Walter Benjamim.
AS PESSOAS NASCEM enxertadas de vida presente de vida passada. Benjamim reivindicava, assim como aquelas pessoas, uma “aura” para suas vidas, para sua arte. Reivindicavam uma singularidade sem a qual estariam definitivamente padronizadas.
VONTADE DE VIVER não significa vida, mas sem ela, vontade, a vida não é possível nem como possibilidade. O caminho “revolucionário” era o único a se oferecer naquele momento nas décadas que sobreviveram à história do século passado. A revolução russa de 1917 era um marco que prometia igualdade de condições e a volta do paraíso perdido com a ascensão do famigerado proletariado.
O PENSAMENTO REVOLUCIONÁRIO era remédio para todos os males. A revolução era a senhora Panaceia, deusa da cura para tudo e todos os males sociais. Aquelas multidões carentes meteram na mente que essa ficção para jovens alienados de grêmios estudantis, não era apenas ficção, mas uma realidade a conquistar.
DESEJAVAM FAZER EXPLODIR a história e todas as suas conquistas civilizatórias. Desejavam uma ficção demente, maníaca, alucinada. Mas... era a única coisa que tinham em mãos. A única prancha na qual se fazer valer para não afundar no pessimismo consumista dos desvalidos pela falta recursos educacionais, econômicos e financeiros.
OS DONOS MILIONÁRIOS da riqueza das nações olhavam de longe com satisfação, essa inquietação das massas juvenis. Afinal, essas legiões do povaréu eram candidatas a consumidores como qualquer outra criatura sem personalidade ou singularidade: o trabalhador pagador de impostos, máquina automatizada pelo cartão de ponto.
COMO PODERIA SER revolucionário da revolução soviética de 1917 os jovens brasileiros que na década de 1960 eram nada mais nada menos do que subprodutos da escória da produção industrializada americana ???
COMO PODERIA SER revolucionária a sociedade brasileira recém advinda da cultura da Casa Grande e Senzalas ??? Como poderia a sociedade sem classes existir e se estabelecer enquanto “dever indefectível” da dialética histórica ??? Ninguém nunca disse a esses jovens que a utopia revolucionária era uma cria da ideologia mais genocida que houve ou haverá. Ela buscava nada mais que o estabelecimento da Senzala definitiva.