VETOS E VENTANIAS: NÃO SE OLHE NO ESPELHO!!!

"Tire o seu 'ódio' do caminho

Que eu quero passar com meu 'choro'".

Meus olhos estão marejados e ardem sob os efeitos dos inúmeros coquetéis molotov que são bombardeados, cotidianamente, em minha cara de mármore e báratro. Meus olhos estão marejados, porém as lágrimas estão acostumadas com o balanço de minhas pálpebras que imitam redes estiradas na varanda, ao desdém da caatinga esfolada pelo sol causticante. As lágrimas não caem e, talvez por isso, a dor não desacostuma a tilintar um chorinho no meu peito de poeta.

No meu peito de poeta toca gemidos inexprimíveis de um chorinho que se confunde ao samba: água e vinho. Tem aqui um chorinho que é samba. Um samba que nasceu nos fundos das senzalas e mucambos, no alivio da morte e cansaço que vivia a capoeirar ao derredor da negritude vassala. Esse samba é do preto-velho que rasgou na epiderme de seus dias pesarosos, em louvor aos espíritos d'África e do Salvador, tatuagens de sangue.

No meu peito de poeta têm inúmeras tatuagens de sangue, milhares de tatuagens de sangue, milhões, infinitas tatuagens de sangue. Essas tatuagens são as minhas tribos, as minhas caras e bocas, as minhas estórias, a minha verdade escancarada, a minha sina, a minha guarida no meu próprio barco em desmonte e desvelo por rotas sem bússolas. As minhas tatuagens dormem à sombra de meus cabelos desarrazoados.

Acima do meu peito de poeta tem um coqueiro que se reveste de deus-dará. Meus cabelos desarrazoados balbuciam hosanas ao fatalismo. Meus cabelos black-powers escondem um coco ferido ao meio, estilhaçado por pensamentos e pelo julgo que fixam rígidos para que eu cavalgue, mula resignada, por grandes sertões: veredas.

-[...]A linha mudou, a massa quer respeito à família, ninguém quer perseguir minoria nenhuma. E nós não queremos que dinheiro público seja usado dessa maneira. Não é a minha linha. Vocês sabem que não é minha linha.

Haverá de ficar tudo uniforme e gostoso. Arrancarão os nossos cabelos black-powers, limparão os riscos das tatuagens e engolirão os brincos que, outrora, eram estrelas-cadentes no imaginário social. Arrancarão a nossa própria pele, arrancarão a nossa cor e arrancarão, por fim, nossos peitos de poetas. E aí:

- Quem quiser vir aqui fazer sexo com uma mulher, fique à vontade.

Vetos e ventanias alardem a minha casa que insiste em deixar as portas e janelas abertas à espera do amor e de um tempo de finezas. Um tempo em que costuraremos, juntos, um manto de valores contrastados e sorriremos ao estirá-lo sobre a mesa em que tomaremos café-preto, cálice-vivo e pão-do-esquecimento. Permitiremos, vez ou outra, retirá-lo da mesa, nos dias de tempestade para nos blindar contra os raios que racham a república do sonho.

Por enquanto, por favor, não nos olhemos no espelho!

Italo Samuel Wyatt
Enviado por Italo Samuel Wyatt em 28/04/2019
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