O FINAL (IN)FELIZ DOS CONTOS DE FADAS ….
Era uma vez uma jovem e bela donzela, filha de um rico comerciante, que vivia em sua grande casa com as roupas sujas e esfarrapadas… como assim? rica e com roupas esfarrapadas? não faz sentido! Espere… sim, porque seu pai ficou viúvo e se casou com outra mulher tendo ele, logo em seguida, falecido também. Assim, sua jovem filha, cujo nome era Cinderela, ficou apenas com a sua madrasta , que, como o próprio nome sugere, era muito má….drasta! Sucumbia de uma das piores pragas da humanidade, a inveja, por causa da beleza radiante da menina que foi-se tornando cada vez mais bela. Uma perfeição física que espelhava também sua beleza da alma. Isso corroía a madrasta, porque à ela nunca se igualaria, muito menos suas duas horrorosas filhas. Assim, Cinderela passou a ter uma vida de escrava em sua própria casa. Fazia todo o serviço sem reclamar, mas sua beleza ainda assim incomodava a invejosa rainha que sabia ser esse o bem maior que possuía … por que? porque esta seria a ferramenta mais importante na época para poder um dia encontrar, quiçá, um belo príncipe que a quisesse desposar e num castelo para sempre feliz reinar.
Uma bela história inofensiva para crianças, jovens e adolescentes de todas as idades e pelos quatro cantos do mundo que, por diversas gerações, inclusive a minha, foi ouvida e admirada. Não conheço ao longo de toda minha vida uma criança que não tivesse, ou não tenha lido o livro ou assistido a animação, original ou copiada, e não a tivesse incorporado em seus sonhos secretos. Eu fui uma delas. Não poderia escapar.
Somos crianças inocentes e, mais tarde, como pais, somos desatentos. Não conseguimos perceber as sutilezas nas entrelinhas de uma romântica história de um conto de fadas. Vão dizer… mas eram outros tempos. Sim, a história se desenrola nos tempos da monarquia, e lá existiam, realmente, princesas, reis e rainhas…. Mas eu sou do tempo em que já tínhamos carros nas ruas, telefones e grandes companhias. Nada disso havia. Então porque o efeito atemporal de Cinderela, “La Gatta Cenerentolla” ? E quais são, afinal, os sinais perigosos que ela perpetuou e ainda perpetua, visto haverem sempre versões e mais versões deste conto, até mesmo nos dias de hoje com tanta tecnologia. Outros cenários, mas a história continua viva.
A animação do Walt Disney foi inspirada no conto de fadas de Charles Perrault, de 1697, Séc XVII, contando com uma versão ainda mais antiga, na China, e uma dos Irmãos Grimm, sem a fada madrinha. Quatro séculos! É muito tempo!
Não há mal que comece, mesmo sendo ele o mais sutil de todos, que um dia não vire uma avalanche de desastres. Na primeira oportunidade, na primeira brecha, ele sairá como uma larva de um vulcão rancoroso irrompendo sem misericórdia em labaredas ferventes, aniquilando a sociedade. Os elementos dessa sutil história de fadas, assim como tantas outras de príncipes, princesas e rainhas, trazem um mal ocultado, possível e aceito até em séculos passados, mas assustador pelo tempo que foi perpetuado. O mesmo mal que faz o remédio, antes, benéfico, mas que, se por um tempo demasiado for tomado, pior ainda se com a validade vencida, acaba por se transformar em veneno, pois ninguém se importou em ver a posologia ou a data no lacre.
Assim é uma história. Seus elementos, seus sinais, todas trazem um recado e, mesmo se inofensivo no passado, com o tempo apodrece, expira, vira veneno. Confesso que ainda sinto o estrago. Na minha geração, por exemplo, princesas nunca seríamos, mas quem não sonhou com um príncipe encantado? E não bastava ser belo, tinha também que ser rico. E não bastava sermos princesas, mesmo sem nunca o podermos ser, tínhamos que ser belas também. E as mais belas por sinal, pois outras belas haviam, mas para o príncipe escolher, pois à ele era o que cabia, tinha que ser uma beleza ímpar. Talvez… sim, acrescentemos o mesmo que Cinderela tinha… doçura! Uma subserviência, uma delicadeza de donzela , uma alma pura. Nos vestiríamos de rosa como as pétalas de uma flor, cuja beleza efêmera e inerte é tão frágil quanto à incerteza da espera de alguém que a decida colher um dia. Para isso, aceitemos os males e sacrifícios com um sorriso nos lábios, cantaremos com os pássaros e com o que mais pudermos inventar nos porões da vida.
Quanto à madrasta intrusa e suas filhas, deveriam por certo serem evitadas. Em minha época, quando criança, realmente, divórcios ainda eram raros. Portanto essa figura, como intrusa, era facilmente aceita e incorporada. Um recado que servia como remédio ainda. Mas penso no seu papel hoje, Aprendemos, com o passar do tempo, que podemos ser felizes sempre e criamos mais oportunidades do que tínhamos. Por isso, para que teimarmos num casamento falido quando se descobre com o tempo que o limão com leite não combina, como muitas vezes acontece à um casal que azeda naturalmente? Mesmo que tentemos fazer um doce com ele, depois veremos que o açúcar nos deixou diabéticos… melhor seguirmos caminhos diferentes, caso contrário, morreremos. Vem então, a possibilidade de um novo casamento e se no anterior nasceram rebentos, estes certamente conhecerão uma madrasta que poderá ser uma ameaça, pois o mesmo recado continua sendo dado. Pronto, esta influência já virou um grande veneno, pois não reflete o avanço das possibilidades que hoje temos, de se fazer novas combinações de ingredientes para uma receita mais saudável. Quanto às horrorosas filhas dessa madrasta, desajeitadas e egoístas, impossível fazer seus pés caberem num sapatinho de cristal tão fino, sobram, ficam sempre de fora, elas e seus “pezinhos”. Tristes figuras fizeram os personagens feios das histórias, nunca tiveram nela um bom lugar. Os gordinhos até se safavam, por serem simpáticos, tornavam-se engraçados. Mais um veneno, um pesado fardo para quem a genética não contribuiu nessa estética física de um padrão desalmado. Não vou nem entrar nas questões da falta de presença de outras raças… logo para nós que somos tão misturados.
Pinçamos, então, em resumo, os dois grandes valores deste conto de fada surreal para as nossas vidas. Os dois elementos que determinaram o “felizes para sempre” na história. Quem salvou Cinderela dos maus tratos? O príncipe bondoso? Não, mas somente a sua beleza, a grande qualidade que tinha, que, aliada à sua doçura, conquistou entre tantas outras no baile o desejo do príncipe de fazer dela sua rainha. Quanto ao segundo elemento, como não podia deixar de ser, pois a posse e os títulos eram a maior conquista em tais séculos, foi a riqueza, sem dúvida, pois sem castelo, o príncipe viraria sapo e o final feliz nem começaria.
Já que insistem em que a história se mantenha, pelo menos, temos a obrigação de dizer às crianças que, sim, elas podem vê-la, por curiosidade apenas, mas os recados nela contidos, hoje, são venenos. Precisamos dizer aos nossos filhos, que essa história foi escrita com uma visão muito atrasada e, que por isso, é equivocada, pois hoje sabemos não ser a maneira mais correta e sincera de viver no mundo, às claras. Porque, acreditem, estamos, contrariamente aos que os retrógrados dizem, evoluindo!! Por mais que encontremos barreiras, jamais iremos para trás. Estaremos sempre seguindo o aprendizado de nossas experiências passadas, destruindo conceitos que só nos atrapalharam e buscando viver com mais verdade sobre nós próprios. Que beleza não é padrão mais de escolha, já foi um dia, primordial, depois passou à pôr apenas a mesa, dizia Vinícius em seu poema, mas, hoje, ela caminha livre, mais complexa, mais inteira. O que é bonito para mim, pode não ser para você. O importante é conhecer bem o outro, conhecendo melhor a si mesmo e o resto é por conta do destino. Que riqueza, não traz mesmo alegria. Acredite, é verdade, das mais verdadeiras. Pobreza também não. O bom é ter equilíbrio. Pois não compromete, nem falta. Que ser dócil e vestir rosa é pura fantasia. Nossos anseios continuarão lá dentro e estarão sempre reagindo por nós. Que ser menino, menina, o que for, o mais importante é aprender e buscar sempre melhorias internas e externas para não depender de ninguém. O trabalho é muito individual e personalizado. É saber que erraremos sempre… mas não temos jamais o direito de maltratar ou de nos deixarmos ser maltratados. Que hoje Cinderela, não aceitaria aquele papel. Procuraria um(a) advogado(a), Ou ela própria iria estudar. Ficar parada, sofrendo, jamais! Não casaria com um príncipe que ela conheceu em um só dia. E ficaria desconfiada se seria realmente uma boa escolha para ela um playboy herdeiro, que num baile resolvesse escolher uma mulher para se casar. Em outras palavras, que você, menino ou menina, deve entender que seus papéis não podem ser traçados previamente, muito menos por histórias tão ultrapassadas, sejam de fadas ou até da bíblia, mas que sim, os exemplos reais é que são verdadeiramente importantes e não importa a vestimenta que usem, só eles te mostrarão o caminho. Que o livre-arbítrio é o que temos de certo. Está marcado, indelével, na nossa digital provando que nenhuma história inventada será igual à nossa. Se for, é plágio, portanto, mentira. Ninguém poderá viver a tua história, pois você é o autor e o ator principal. Nela você poderá pôr fantasias, com certeza, pois elas trazem sonhos, te faz voar e enxergar mais coisas, mas você não precisa trocar de roupa para ir ao baile, nem fingir ser outra pessoa, pois o final feliz é eterno. É aquele que se prende no agora.