CONDIÇÕES FAVORÁVEL OU CONDIÇÕES FAVORÁVEIS?

Prólogo

Não faz muito tempo escrevi e publiquei no Recanto das Letras um texto intitulado “HISTÓRIAS DE MEU TEMPO DE CASERNA”. Naquela ocasião escrevi num papel qualquer, encontrado na minha mesa de trabalho, símbolos como um desenho rudimentar, malfeito, normalmente sem forma e ilegível.

Isso mesmo. Fiz os rabiscos, tais quais as garatujas que as crianças fazem na tentativa de representar o mundo que as rodeiam há algum tempo. Depois de publicado vi que faltaram outros acontecimentos que ocorreram comigo durante o meu tempo de caserna.

EXPLICANDO O TEMA OU QUESTÃO ORA PROPOSTA

O tema deste atual texto – CONDIÇÕES FAVORÁVEL OU CONDIÇÕES FAVORÁVEIS? – Em forma de uma questão, na verdade não é difícil de responder. Estou me referindo às possíveis formas de flexionar um verbo para que ele concorde com o sujeito que está acompanhando. Veja agora como se faz a concordância verbal em diversos casos (Não vou me estender sobre o assunto porque no mercado e na ‘web’ há renomados escritores com excelentes trabalhos sobre o caso em comento):

SUJEITO SIMPLES – um único núcleo

O verbo vai concordar com o núcleo do sujeito em número e em pessoa, observe os exemplos abaixo:

O menino JOGOU a bola – o menino é ele, terceira pessoa do singular, portanto, o verbo concorda com essa condição.

As crianças SAÍRAM da sala – as crianças são elas, terceira pessoa do plural, portanto, o verbo também concorda.

SUJEITO COLETIVO – um núcleo de sujeito, mas que representa várias pessoas.

Nesse caso, o verbo vai permanecer no singular, como nos seguintes exemplos abaixo:

A multidão FOI às ruas – a palavra “multidão” representa uma grande quantidade de pessoas, mas está no singular, por isso, o verbo fica na terceira pessoa do singular.

O cardume CAIU na rede – a palavra “cardume” é o coletivo (grande quantidade) de peixes, mas está no singular, por isso, o verbo fica na terceira pessoa do singular.

O LATIM CONTINUA VIVO, MAS É PRECISO CAUTELA AO USAR

o Latim é conhecido como uma língua morta, visto que não é utilizado como língua oficial de nenhum país (com exceção do Vaticano), mas o legado de nossa língua-mãe está presente em diversas circunstâncias de nosso dia a dia. Podemos afirmar que o Latim continua vivo até porque os juristas utilizam em demasia esse idioma de onde se originou nosso riquíssimo vocabulário português.

É de bom grado eu avisar que o emprego do idioma Português com o Latim obedece às mesmas regras de sintaxe de concordâncias: verbal, nominal e verbo-nominal. Explico isso porque a expressão latina “sine qua non” tem sido usada por muitos falantes e escritores de forma errada no mais básico do básico de um idioma que é a concordância entre o sujeito e o verbo empregado.

“Sine qua non” ou “conditio sine qua non” é uma expressão que se originou do termo legal em latim que pode ser traduzido como “sem a/o qual não pode ser”. Refere-se a uma ação cuja condição ou ingrediente é indispensável e essencial. Não é demais ensinar que o plural de “sine qua non” é “sine quibus non”. Este é o cerne deste meu texto!

MISTURANDO EXPRESSÃO LATINA COM PORTUGUÊS

Agora vou entrar firme e forte no tema proposto, mas antes vou escrever um pouco sobre os famosos brocados latinos mais utilizados na área jurídica. Os brocardos jurídicos, também chamados de axiomas ou de máximas jurídicas, constituem um pensamento sintetizado em uma única sentença, que expressa uma conclusão reconhecida como verdade consolidada. Há brocados longos e curtos, alguns muito utilizados até hoje pela beleza de sua finalidade. Eis alguns exemplos bastante utilizados em Sentenças ou Acórdãos:

“Sine qua non” – Refere-se a uma ação cuja condição ou ingrediente é indispensável e essencial; condição favorável.

“Ex nunc” – Os efeitos NÃO RETROAGEM, valendo somente a partir da data da decisão tomada.

“Ex tunc” – Os efeitos SÃO RETROATIVOS à época da origem dos fatos a ele relacionados.

De grande valia no processo civil é o brocardo “nihil factum dabo tibi ius” (dá-me os fatos que te darei o direito). Utilizando-o, o juiz pode fazer Justiça no caso que lhe é submetido, mesmo que a Petição Inicial não haja sido bem fundamentada e/ou esteja em desacordo com o artigo 282, do Código de Processo Civil Brasileiro – (CPCB).

Quando alguns Acórdãos e documentos assemelhados são embasados, invocados em Latim, assumem um caráter solene e convincente, transmitem a força de conclusão transmitida por sabedoria milenar.

Existem brocados que perderam sua utilidade por não serem reconhecidos como verdades absolutas. Por exemplo, “testis unus, testis nullus” (uma testemunha não faz prova). Na verdade, uma testemunha pode, com depoimento convincente corroborada com outras provas, ser prova suficiente para a procedência de uma ação civil ou penal e até de uma possível condenação.

UMA SAUDOSA LEMBRANÇA

Na Universidade Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ) havia um universitário nordestino, de baixa estatura (1,60 m), calvo (eufemismo de careca), com uma avantajada cabeça e feições que iam além do que se entende por aberração.

O nome de batismo desse futuro bacharel até que era pomposo e bonito: Wilson Muniz Pereira. Não demorou muito para uma colega de sala extremamente feminil, maldosa e graciosamente, lhe colocar o apelido de “aberratio ictus”, ou seja, erro na execução, hipótese prevista no artigo 73 do Código Penal Brasileiro.

Ah! Um detalhe interessante que merece registro: Esse feio universitário apelidado de “aberratio ictus” e outros dois colegas foram aprovados na primeira tentativa para frequentarem o Estágio Profissional de Advocacia na Ordem dos Advogados do Brasil – (OAB/RJ), com duração de 460 (quatrocentos e sessenta horas), de julho de 1992 a julho de 1994.

O estágio funcionou com apenas 30 (trinta) universitários! Infelizmente a linda colega autora do apelido, que na intimidade se dirigia a Wilson apenas pelas iniciais “aí” de “aberratio ictus” não foi aprovada no difícil e concorridíssimo certame.

O EPISÓDIO QUE EU NÃO HAVIA CONTADO POR ESCRITO

O Psicólogo, Major antigo, quase Tenente-Coronel; vaidoso, convencido, pretensioso; espargindo no ambiente um perfume almiscarado, dirigindo-se a mim disse entredentes como se estivesse acometido de uma dor renal ou biliar insuportável.

– Wilson: O chefe disse para você dar uma olhada nesse relatório para identificar possíveis erros gramaticais. Provavelmente você não encontrará nada que desabone este relatório.

À época eu era 1º Sargento e exercia a função de Chefe da Seção de Expediente da Divisão de Pesquisas. Esse nome pomposo era apenas um eufemismo. Na verdade, eu era o chefe dos faxineiros, isto é, uma equipe composta por um Cabo e três Soldados. Minha missão principal era fiscalizar o trabalho de limpeza e manutenção nos banheiros masculino e feminino da aludida Divisão de Pesquisas da Organização Militar.

Como função extra, por ser estudante de Ciências Jurídicas e Sociais (Direito) na Universidade Federal do Rio de Janeiro – (UFRJ) e gostar de estudar o idioma português fui designado para analisar e corrigir (se fosse o caso) os relatórios, ofícios, convites, mensagens e outros documentos antes de serem despachados com o Comandante da OM para a respectiva assinatura e expedição.

Sem me deixar impressionar pelo orgulho vão ou soberba gritante do Major levantei-me e prestei minha continência perguntando qual tempo eu teria para analisar as cinco páginas do relatório com capa de papel A4 acetinado.

– Como sei que você tem outros documentos para analisar serei condescendente. Você dispõe de trinta minutos. Ao concluir a revisão leve o documento até minha sala.”. Disse a “autoridade” cofiando com os dedos da mão esquerda o bigode rombudo e com a mão direita o cabelo achamorrado.

Antes dos trinta minutos concedidos para eu fazer a análise do relatório fui à sala do Major. De cabeça baixa, urdindo, provavelmente, um novo parecer ele não me ouvir bater na porta que estava aberta. Bati novamente e desta vez ele me ouviu. Entrei e ao lhe entregar o documento ouvi a pergunta que já esperava.

– E aí Sargento? Muitos erros? – O Major perguntou e ele mesmo respondeu asseverando: “Creio que não”!

– Não senhor. Esse é um dos poucos relatórios que não me deu quase trabalho. Tudo perfeito, mas ao misturar uma expressão em Latim com o Idioma Português o senhor cometeu um deslize. Não corrigi esse parágrafo antes de conversar com o senhor sobre o detalhe observado.

– Mostre e me explique isso Wilson. – Senti que precisava me acautelar na explicação. O Major parecia impaciente, nervoso, confuso (atarantado).

– Aqui neste período quando o senhor escreveu: “O testando, na ocasião do teste, apresentou condições “sine qua non” para frequentar o curso de paraquedismo... “... Veja que o senhor escreveu “condições” no plural, mas usou o brocado em Latim “sine qua non” no singular. A solução é: Ou o senhor pluraliza a expressão em Latim ou deixa no singular a palavra “condições”.

– Existe o plural de “sine qua non”? Nunca ouvi falar nisso e todo mundo usa apenas dessa forma! – Agora o Major estava de pé, com os dois braços cruzados sobre o tórax, demonstrando estar em alerta, protegendo-se de um possível ataque verborrágico.

– Sim senhor! Existe sim e a frase ficaria muito elegante, correta e diferente da forma que se segue: “O testando, na ocasião do teste, apresentou condições “sine quibus non” para frequentar o curso de paraquedismo... “. Mas, como já falei o senhor poderá, caso queira, usar a frase: O testando, na ocasião do teste, apresentou condição “sine qua non” para frequentar o curso de paraquedismo... “. Sendo a primeira opção: Condições favoráveis e a segunda opção: Condição favorável.

– Onde está escrito esse plural de “sine qua non”? Ora, me formei na AMAN, cursei a EsAO e no momento estou me preparando para fazer a ECEME e nunca aprendi isso... – Pedi licença e fui até minha sala buscar minha Gramática Latina – Napoleão Mendes de Almeida que trata de forma clara e didática a estrutura e o funcionamento dessa língua (Latim) e estabelece correspondência com a sintaxe da Língua Portuguesa.

CONCLUSÃO

Depois desse episódio o Major que estava a cinco promoções na minha frente, pois eu era apenas um 1º Sargento, que me olhava de esguelha ou soslaio e me via com exacerbado ceticismo, passou a NÃO MAIS me enxergar com desdém.

Daquele momento em diante, isto é, "Ex nunc", o competente e inteligentíssimo Major Psicólogo passou a me enxergar com os olhos da amizade segundo a utilidade, o respeito e a admiração. Nesta conclusão quero enfatizar a cautela que deve ter os profissionais, assim como – falantes, escritores e assemelhados – ao fazer uso de expressões de outros idiomas (quaisquer idiomas) com o idioma Português.