HISTÓRIAS DE MEU TEMPO DE CASERNA
Prólogo
Todos nós, principalmente aqueles que serviram à Pátria em qualquer uma das três Forças Armadas (Exército, Marinha ou Aeronáutica) vivenciou, conhece ou já ouviu alguma história de Caserna.
Algumas dessas histórias se perpetuam, criam raízes no folclore dos militares. Outras nem tanto, pois se perdem no tempo ou são alteradas a tal ponto de perderem a essência de sua gênese.
UMA EXPLICAÇÃO OPOTUNA E NECESSÁRIA
Como sabemos o conjunto de lendas, de provérbios, de encenações e festas, sempre concentra, em seu fundo, uma sabedoria de conteúdo moral.
As principais lendas e ritos do folclore brasileiro mais famosos são: o do Saci-Pererê, da Iara, do Bumba meu boi, do Lobisomem e da Mula sem cabeça. Nos quartéis (Casernas) há uma similaridade com essas lendas como:
O Capitão que falava sorrindo. O Sargento de três pernas. O Cabo autoridade. O Soldado que conversava com a foto da namorada. Ah! Esse último exemplo é ótimo para o introito deste meu texto.
Eu tenho condições de contar dezenas de histórias engraçadas ocorridas com militares e até comigo mesmo. Afinal, servi à Pátria por mais de 32 longos anos.
É claro que há quem sirva à Pátria por longo tempo, muitos anos, e quando vai para a reserva verifica que não deixou algo substancial, marcante, útil e necessário por ocasião de sua permanência durante o serviço ativo.
Empáfia à parte, não foi o meu caso. Tanto é que recebi há algum tempo um honroso e primoroso elogio de quem me conheceu em Brasília. São palavras desse companheiro de caserna:
“Lembro-me, com saudade, de nossas peladas de futebol de salão na SQN 102. Tempo bom que não volta mais. Quando você fez a Página Eletrônica da PMB mostrou que é uma pessoa dedicada e pela competência deixou marcas indeléveis de um laborioso e profícuo trabalho. Vale acrescentar que na PMB havia uma Seção de Informática, mas coube ao zeloso Infante a tarefa-desafio.” (SIC) – Gonçalves.
NÃO SOU TÃO VAIDOSO! MAS VALE A PENA LEMBRAR
Depois que fui para a reserva os Analistas de Sistemas da PMB e do EME fizeram algumas adaptações e melhorias substanciais e relevantes na página.
É lógico que futuramente outras alterações poderão ser implementadas à "Home Page", pelos atuais e outros gerenciadores da página da PMB na internet, sempre que se fizerem necessárias e de acordo com as normas do EME, mas até a data atual ela está no ar ("Web") com seus módulos, rotinas e sub-rotinas originárias.
Atualmente, hospedada pelo Estado-Maior do Exército, a "Home Page" da PMB, ainda hoje, muito simples, está (é) operante e muito útil e necessária à Força Terrestre, mormente para os militares em missão no exterior e com a pretensão de quando voltarem servirem em Brasília/DF.
O SOLDADO QUE CONVERSAVA COM A FOTO DA NAMORADA
Certa ocasião, o sargento Henrique do quarto ao lado do alojamento dos soldados, percebendo que Gustavo (soldado de seu Grupo de Combate (GC)) estava conversando com algo que parecia uma foto, disse:
– Enquanto você estiver falando com a foto, tudo bem! Quando ela responder, aí você deverá se preocupar! Não quero e não posso aceitar doidos no meu GC manipulando C-4 (É uma variedade comum de explosivo plástico conhecido também como C Composição. É 1,34 vezes mais potente do que a TNT.).
HISTÓRIAS EM QUE SOU O PERSONAGEM PRINCIPAL
CORONEL OU CIDADÃO? EIS A QUESTÃO!
Essa história do soldado que conversava com a foto foi e ainda é excelente! Tão excelente que me fez lembrar de um incidente ocorrido comigo.
À época eu servia lotado na Seção de Comunicação Social, no Centro de Estudos de Pessoal (CEP), sito no Rio de Janeiro-Leme. Entre outras funções eu era o responsável pela triagem dos visitantes que adentrassem ao quartel por quaisquer motivos.
Eu me encontrava sentado lendo um documento recém-impresso quando um senhor muito bem vestido, aparentando mais de sessenta anos de idade, postou-se diante de mim com as mãos na cintura feito um açucareiro. Levantei-me e falei: “Pois não senhor. Bom dia. O que deseja?” – Ele disse: Eu quero falar com Guelfi.
Ora, quem fala com tanta intimidade o nome do Coronel Comandante da Organização Militar (OM) certamente era alguém de patente igual ou superior (Talvez um General da Reserva, um Desembargador, um Juiz etc.). Tratava-se, provavelmente de uma autoridade que não precisaria ser identificada pela postura apresentada.
À época eu era 2º Ten e me dirigi a um meu auxiliar dizendo claramente: "Cabo... Conduza o cidadão até o Senhor Comandante". O visitante empertigou-se, incrédulo olhou-me de viés e empostando a voz disse evidenciando sua vaidade e autoafirmação:
"Cidadão não... Tenente. Eu sou Coronel!". – Lembrei-me depressa! A vaidade tão comum à espécie humana, foi a causa da tragédia de Narciso na mitologia grega, se encontra entre os 7 pecados capitais e é merecedora de análises e ensaios de comportamento. A vaidade foi descoberta pela publicidade como poderosa ferramenta da psicologia.
Infelizmente ainda vivemos em tempos de “amai a si próprio sobre todas as coisas.”. Mas não me deixei intimidar pelo olhar que mais parecia o tiro de um FAL 7.62 mm. Incontinenti, sem pensar por um segundo sequer, num ato puramente reflexo, retruquei prestando uma exemplar continência dizendo: "Desculpe-me Coronel. Eu não sabia que o senhor havia perdido a cidadania!".
Ora, sabemos que a perda da cidadania no mundo moderno é como matar a alma político-social de uma pessoa. Ou arrancar da pessoa humana aqueles direitos consagrados na nacionalidade plena — deveres, direitos e obrigações — inerente à vida política e cívica do país-pátria em que vive.
Claro que o tal Coronel da Reserva (R/1) surpreendido pela minha reação instantânea, provavelmente atrevida, disse que iria falar com o Comandante sobre o meu modo de atender o público externo (visitantes e assemelhados).
Entendo, salvo outro juízo, não haver ofendido o cidadão que, por empáfia comprovada preferia ser chamado de Coronel e não de cidadão. Essa história ainda hoje reverbera no Centro de Estudos de Pessoal (CEP) e noutras Organizações Militares porque entrou para o anedotário de Caserna.
ACONTECEU NO 31º BI Mtz – CAMPINA GRANDE, PB
Uma equipe composta por um Cabo e três Soldados deveria ser apresentada ao Posto de Saúde da Cidade para auxiliar na vacinação contra a paralisia infantil. O Capitão S/1 da OM foi chamado a fim de escolher um sargento para confeccionar (bater) o ofício que apresentaria os militares designados. O Comandante rascunhou o ofício e coube a mim (à época 2º Sargento) dar prosseguimento ao feito.
Recebi o rascunho e como fazia com todos os documentos antes de datilografar (àquela época não havia computador na OM e eu usava uma máquina Olivetti Linea 98) fazia uma varredura à procura de lapsos para corrigir antes de confeccionar o documento e desse modo evitar rasuras.
UMA EXPLICAÇÃO OU ENSINAMENTO OPORTUNO
Hoje sabemos que se faz uso da vírgula (com parcimônia) para separar o sujeito oracional do predicado em uma frase. Essa comedida utilização é considerada correta. Todavia, isso poderá prejudicar a compreensão da frase ou do parágrafo. Eu ainda prefiro NÃO SEPARAR o sujeito do predicado!
Eis alguns exemplos de separação do sujeito oracional do predicado: “Quem ama, cuida.” – “Quem não faz, leva.” – “Quem sabe, ensina.”. Existem incontáveis outros exemplos do gênero em nossa paisagem linguística, tanto em ditos populares quanto na obra de autores clássicos.
O uso da vírgula entre esses verbos – sendo o primeiro parte do sujeito oracional e o segundo, parte do predicado – é tão consagrado que a maioria dos falantes acharia estranho pronunciar as frases acima sem uma pausa no meio. Mas, repito porque sou recalcitrante: Particularmente prefiro NÃO SEPARAR o sujeito do predicado!
Mas não foi esse o erro do Senhor Comandante ao rascunhar o ofício para eu “bater”. O bem-apessoado militar de características indígenas, até no nome (Tupinambá), rascunhou, entre outros pequenos deslizes, a palavra paralisia com “z”!
Circundei o erro com lápis de cor vermelho-vivo, fiz as demais pequenas correções e entendi que tudo estava de acordo com o meu entendimento e o de renomados gramáticos da época.
Qual não foi o meu espanto ao ser chamado para explicar ao Comandante o porquê de eu ter “bagunçado” o seu esmerado rascunho.
– Quem lhe autorizou a modificar o meu rascunho Sargento? – Perguntou-me o Comandante com olhar de águia.
– Napoleão Mendes de Almeida. – Respondi sem pensar.
– Quem é esse cara? – Gritou o Comandante mordendo o lábio inferior e amiudando os olhos oblíquos.
Napoleão Mendes de Almeida falecido em 1998 foi um gramático, filólogo e professor brasileiro de português e latim. – Respondi com a voz sumida, mas com muita segurança: “Trata-se de um gramático da língua portuguesa!”.
– Não quero saber de conversa fiada! Pegue o dicionário!
– Mas a dúvida não é minha ... – Com um murro na mesa e um grito tonitruante o Comandante falou: “Pegue o dicionário Sargento e veja como está escrito a palavra paralisia!”.
Abri o dicionário na supramencionada palavra e ao mostrar ao Comandante ele com a pele do rosto entre acinzentada e pálida disse com a voz trêmula num misto de ódio, decepção e estupor: “Este dicionário está desatualizado!”.
CONCLUSÃO
“Ordinário, marche!” é um comando usado para o deslocamento de tropas. Não gosto e nunca gostei desse comando. Sempre aprendi que ordinário é um adjetivo, que dependendo do contexto, pode ter diversos significados. Na maior parte dos casos, ordinário qualifica aquilo que é habitual, comum, corriqueiro, aquilo que está na ordem usual das coisas.
Também pode designar algo que apresenta má qualidade, ruim, de pouco preço, chulo. Ordinário é também aquilo que não tem destaque, que é medíocre, vulgar.
No sentido figurado, ordinário é aquele indivíduo que é mau caráter, mal-educado, obsceno, com maus instintos. Repito! Não gosto, mas na área militar, “ordinário” é uma interjeição, usada como voz de comando para que as tropas marchem a passo regular, frequente.
Certa vez o Soldado Honorato – soteropolitano arretado – arvorado (Exercia as funções de Cabo) sem concluir o CFC e que por isso a todos dizia ser "autoridade" e "extremamente inteligente" (Seria?), perguntou-me:
“Sargento... Agora com a inclusão do segmento feminino nos quartéis como será o comando para elas marcharem? Seria: Ordinárias, marchem!?