E O CARNAVAL CHEGOU. NÃO PRA MIM
E O CARNAVAL CHEGOU. NÃO PRA MIM
Mais uma vez o carnaval chegou... estive me guardando pra ele. Fiz cinquenta e nove anos agora em fevereiro (23), nascido no Rio de Janeiro, capital mundial do carnaval.
Segundo minha mãe, nasci quando a escola de samba Império Serrano passava pelo Hospital Central da Aeronáutica no Rio Comprido, fazendo com que a enfermeira, no trabalho de parto, deixasse cair a bandeja cirúrgica por estar sambando.
Tenho me guardado há mais de cinquenta anos pra quando o carnaval chegasse. Me guardo, me preservo, me cuido, torço, trabalho, me engano, mas ele não chega. Nesses mais de meio século de existência não chegou.
Entretanto, neste ano de 2019 em particular, além de não ter chegado pra mim, aconteceu o inesperado: fiquei só vendo, sabendo, sentindo, escutando sem poder falar, porém, ainda podendo escrever.
A lama que meu país lindo, pujante, de povo alegre, inocente, servil e ignorante se afundou, se igualou à de Brumadinho. Entrou numa escuridão que talvez dure quatro anos. Espero que não... espero ver e sentir o brilho e o calor do sol antes, mas não me iludo.
Por enquanto, o que tenho visto é a mediocridade, a ignorância e o ódio prevalecerem, a ponto de pessoas (de bem?) comemorarem a morte de uma criança, apenas por questões políticas e ideológicas, questões essas que a grande maioria delas sequer sabem o que significam ou minimamente conhecem a história que as criaram.
Como sempre, o carnaval chegou pra muita gente, a despeito de qualquer situação política, econômica e social que esteja prevalecendo, afinal somos um povo feliz e próspero, mesmo com toda miséria, desgraças e tragédias que ocorram ou venham acontecer.
Vejo muita gente cantando, sambando, pulando e festejando, vendo as pernas de louça da moça que passa e não se pode pegar, desejando seu beijo molhado de maracujá.
A grande maioria são alienados de nascença. Cresceram e permaneceram à margem da realidade do seu país e do seu povo, doutrinados e acomodados por uma classe média ressentida pelo complexo de vira latas que lhes atormentam e insiste em lembrar que são eternos colonizados, a despeito de suas soberbas, arrogâncias e pseudo autoridades.
Outros são trabalhadores, gente de bem que, como disse uma pessoa que muito prezo, querem desafogar suas mágoas e mazelas como uma forma de, momentaneamente, esquece-las até a quarta feira de cinzas. Respondem com alegria àqueles que lhes ofendem, humilham, pisam, pensando que vão ser aturados, mesmo que de forma efêmera e com samba no pé.
E aí me dá uma tristeza no meu peito, feito um despeito de eu não ter como lutar. E eu que não creio, peço a Deus por minha gente, é gente humilde, que vontade de chorar.
Marco Antônio Abreu Florentino
https://youtu.be/bXqfDZIa7_U
(Quando o Carnaval Chegar - Chico Buarque)