Alfabetizar não é brincadeira!

Semana passada foi publicada na coluna "Ideias" da Revista Bula, o texto com o título "Maurício de Sousa alfabetizou mais e melhor que Paulo Freire". O texto circulou no e-mail de alunos da pós graduação da faculdade de educação da USP e as opiniões foram divididas sobre se valeria a pena ou não, construir uma resposta ao autor da matéria, Ademir Luiz. Alguns alunos, mediante a superficialidade das questões apontadas por Ademir acharam melhor que seu texto fosse ignorado, outros, se mostraram favoráveis a uma resposta, mesmo porque consideram que parte dos problemas que o Brasil vive, se deve ao fato de termos minimizado questões no passado e não termos dada a elas, a devida importância.

Em sua matéria, como tem se tornado bastante comum no contexto atual, o conhecimento crítico é banalizado e mais do que isso é tido como algo negativo, nefasto, maléfico. Não poucas vezes temos presenciado a negação de caminhos que levam ao pensamento crítico, por isso, as escolas, os professores, as universidades, os filósofos, tem sido entendidos como meios que desvirtuam crianças e adultos levando-os para o "mal caminho". Oras, por que esse receio tão grande do conhecimento? Por que essa luta tão dura contra professores, escolas e universidades? O que estaria por trás deste receio? Primeiramente é bom lembrar que essa negação ao conhecimento não é algo novo, a mesma história foi vivenciada em épocas de Ditadura no Brasil. Não eram aceitos professores que problematizavam o sistema e projetos que levavam ao conhecimento crítico foram extintos sem nenhuma cerimônia. Entre eles podemos citar por exemplo, os famosos Ginásios Vocacionais, que tinham como projeto uma educação pública integral e de qualidade. Ademir Luiz destaca em seu texto que Maurício de Sousa alfabetizou mais e melhor que Paulo Freire e que graças ao conservadorismo das famosas histórias da Turma da Monica, a sociedade tem se mostrado mais alerta aos setores progressistas.

São inúmeros os equívocos do colunista da revista Bula, primeiro porque nomeia o pensamento freiriano de método, segundo, porque ignora a importância que tem este pensador no mundo e terceiro, porque banaliza completamente os caminhos percorridos no processo de alfabetização. Qualquer educador sabe o quanto é complexo alfabetizar, ação que leva tempo e exige rigorosidade e planejamento. Para Ademir, bastou deixar algumas revistas da Turma da Monica soltas por aí que foi suficiente não somente para ensinar crianças a lerem, como despertou-as para que hoje se mostrem mais atentas a essa teimosa diversidade que insiste em aparecer. Para Ademir Luiz foi inócua essa tentativa dos setores progressistas em querer mudar os rumos das histórias de Maurício de Sousa, sugerindo que ele inserisse conteúdos como as pautas identitárias em seu texto. Ademir Luiz felicita Maurício de Sousa pelo fato dele não ter colocado um Papa Capim demarcador de terras indígenas, um Jeremias defensor da igualdade racial ou a Mônica como personagem lutadora da igualdade social.

Encontramos fácil outros erros na matéria de Ademir, como relacionar o problema da educação a Paulo Freire e reforçar o estigma de que são de má qualidade as escolas públicas do Brasil. Sabemos que o problema educacional no país está relacionado a democratização do acesso ao ensino e muito mais pautado na desigualdade social que propriamente nas escolas públicas, apesar de sabermos o quanto as escolas também acabam por refletir em seu cotidiano a desigualdade. Ainda assim, ao contrário do que defende o colunista, as escolas são hoje, um dos principais equipamentos existentes para a classe popular. Reforçar o estigma da escola como ruim em nada ajuda a elevar a qualidade da educação, apenas reforça o falso conceito de que tudo que é público é ruim.

Que pensamento é este que Ademir Luiz tenta difundir? Basta lermos qualquer uma das obras de Paulo Freire para sabermos que os argumentos do colunista não se fundamentam em verdades. Como exemplo, tomemos alguns capítulos de um dos livros mais citados no mundo, Pedagogia da Autonomia em que Freire destaca os pontos necessários a quem pretende ser professor, entre eles que ensinar exige rigorosidade metódica, pesquisa, respeito aos saberes dos educandos, criticidade, ética, estética, risco, aceitação do novo, rejeição a qualquer forma de discriminação, reconhecimento e assunção da identidade cultural, consciência do ser inacabado que somos, reconhecimento de nossos condicionantes, respeito a autonomia dos educandos, curiosidade, alegria, esperança, generosidade, comprometimento, liberdade, autoridade, saber escutar, disponibilidade para o diálogo e querer bem aos educandos. Que pessoa que ama seu país e seu povo teria interesse em desmerecer um educador como Paulo Freire? Fiquemos atentos a leituras como essa de Ademir Luiz, ele segue um dos princípios apontados pela professora Sylvia Iasulaitis da Universidade Federal de São Carlos na produção de Fake News. Ademir escreve com o propósito de ser convincente e segue a linha da desconstrução da reputação de conceitos e pessoas que buscam o olhar crítico da realidade. Não sabemos exatamente quem está por trás deste viés de concepção, uma única certeza temos, não é a favor de pessoas que pensam de forma livre e crítica e que defendem uma sociedade mais justa e plural. Viva a educação brasileira, viva os professores brasileiros e viva Paulo Freire!

Texto produzido para a Rádio 9 de Julho, veiculado em 20/02/19 em áudio/comentário.