Ideologia de gênero: uma luta implacável do “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”
Não é novidade de ninguém, que desde o ano de 2014, existe uma luta travada entre “cidadãos de bens” contra a “ideologia de gênero” que segundo eles, vem “destruindo a educação das crianças”. Todavia, o que se percebe é: a maioria não sabe o que é ideologia de gênero, o que acaba por resultar em certa naturalização e normatização de um discurso demonizador de algo que muita gente nem sabe do que se trata. É preciso nesse sentido, deixar todos a par dos significados que norteiam tal expressão.
Primeiramente, afinal, o que é ideologia?
O termo ideologia possui vários significados, podendo ter sentido como algo “forte” ou “fraco”. Em um significado neutro, ideologia significa um conjunto de valores e crenças que orientam um grupo na sociedade. Na perspectiva de Marx, querendo ou não o mais utilizado, principalmente nos estudos críticos do discurso, ideologia terá como conceito uma falsa consciência de poder, de dominação de uma classe. Já o termo gênero se relaciona a um problema sócio histórico que vivenciamos há muito tempo, que é a desigualdade de sexo, a dominação de gênero e a opressão a mulheres. O conceito nos leva a uma reflexão que as desigualdades estão relacionadas a algo cultural e não biológico.
Nesse contexto, o termo ganha força em meados de 1970 com os movimentos feministas que visavam a desnaturalizar as relações de desigualdade existentes entre os sexos. É importante salientar que gênero não é sexo, sexualidade ou orientação sexual. Os conceitos se diferem e muito. Todavia, quando se pensa em sexualidade, se pensa também em uma construção social, do que é certo ou errado fazer com o que se sente. O gênero nesse sentido luta para que o engendramento das coisas que são “só de mulheres” e das coisas que são “só de homens”, se desnaturalizem, pois essa divisão causa desigualdades que desemborcam nas relações sócios culturais das pessoas. Nossa cultura determina o que é homem ou mulher desde o nascimento, sendo impossível que se altere isso, se legitimando por meio do discurso religioso, por exemplo. O gênero vai de encontro a isso.
Afinal, o que é ideologia de gênero?
Ideologia de gênero, pensado como Marx seria o machismo, o sexismo, a misoginia e heterrossexismo. Ideologia de gênero, segundo Rogério Junqueira, seria um processo de naturalização de processos de subordinação das mulheres além das relações de machismo, o sexismo, misoginia, heterrossexismo e homofobia. Com o crescimento dos movimentos feministas, esse conceito de ideologia de gênero adentrou todos os campos institucionais e virou pauta de várias discussões desde 1970. Infelizmente, de forma concomitante cresceu-se também um ativismo religioso reacionário, fundamentalista e conservador que começou a lutar e a denunciar uma “ideologia de gênero” que estaria “sujando a moral da sociedade”.
A igreja, ao passo de uma secularização da sociedade, teve de agir de algum modo para conseguir seus fiéis, nesse caso, Satánas não fora um inimigo suficiente para deixar os cristãos nas igrejas, tendo que criar uma aversão à ideologia de gênero. Segundo os estudos de Rogério Junqueira (2017, p. 47), trata-se de uma “invenção católica que emergiu sob os desígnios do Pontifício Conselho para a Família e de conferências episcopais, entre meados dos anos de 1990 e início dos 2000”
Para a professora Dra. Maria Eulina:
Assim, a chamada “ideologia do gênero” é “denunciada como uma forma de ‘doutrinação neototalitária’, de raiz marxista e ateia (...) camuflada em discursos sobre emancipação, liberdade e igualdade (...) uma imposição do imperialismo cultural dos Estados Unidos da América, da ONU, da União Europeia e das agências e corporações transnacionais dominadas por ‘lobbies gays’, feministas, juntamente com defensores do multiculturalismo e do politicamente correto, extremistas ambientalistas, neomarxistas e outros pós-modernos” (p. 49-50).
Na verdade, o primeiro conceito pensado pelo grupo feminista, apenas luta por uma igualdade de direito. Existem duas ideologias, uma pensada pela igreja, que demoniza tudo que não faz parte de seus dogmas. A outra, pensada de forma social onde se vê um posicionamento politico de luta diária para a desnaturalização, desnormatização dos engendramentos que tanto sufocam os que estão dentro de uma minoria desassistida pelo Estado.
Agora basta você decidir: de qual lado você está: do lado da ideologia de gênero que leva em consideração as diferenças de cada um e luta por um mundo mais igual, ou daqueles que a todo instante tenta reiterar posições que não possibilitam um desenvolvimento saudável das relações sociais? Aqui não se nega o fator biológico na formação do cidadão, mas não se podem desconsiderar as relações culturais como algo neutro no processo de formação do individuo.