Brumadinho e a externalização de custos

A tragédia de Brumadinho repete, três anos depois, a tragédia de Mariana. E as duas repetem muitas outras tragédias parecidas que ocorrem pelo terceiro mundo. Tais tragédias são um exemplo didático do conceito de externalização de custos.

Externalizar custos é transferir para fora de um processo produtivo os custos de produção, visando baratear o produto final. Este “fora” quer dizer o meio ambiente, as condições de vida das populações pobres dos países pobres onde estas tragédias costumam acontecer, a corrupção de autoridades, o afrouxamento de leis, o enfraquecimento de instituições e de governos democráticos...

O processo produtivo pode ser, por exemplo: um processo industrial, a fabricação de um computador no México para ser exportado a preço barato para os EUA; a produção de minério de ferro barato, uma commodity para o mercado mundial, como é o caso de Mariana e Brumadinho; a produção de grãos (soja, milho, etc.) a preço barato, outra commodity, como é o caso da agricultura no Brasil e em outros países.

Os custos que são externalizados são o preço da mão de obra (os salários são aviltantes), os custos previdenciários e a saúde dos trabalhadores, os custos com medidas de segurança e prevenção de acidentes e catástrofes induzidos e naturais, os cuidados com o meio ambiente, incluindo-se aí a conservação de solos férteis, a prevenção de doenças endêmicas e a qualidade da água.

Estes são só alguns exemplos mais evidentes, os custos vão muito além, difícil contabilizá-los todos. No caso de Brumadinho, para baratear o preço do minério produzido e assim construir uma barragem de rejeito mais barata e sem a devida segurança, quais são os custos que vão ser transferidos para a população e o país? É uma cadeia de custos imensa. Até hoje se discute qual a relação da epidemia de febre amarela que começou no Sudeste do Brasil em 2016 com a tragédia de Mariana no final de 2015. E qual o impacto social e econômico ao longo da região ribeirinha impactada pelos rejeitos derramados.

A externalização de custos é uma nefasta prática de grandes empresas e corporações transnacionais em todo o mundo. No caso do minério de ferro, as transnacionais controlam seu preço baixo, não conseguiram criar um cartel como para o petróleo, que tem preços altos graças à cartelização. A distribuição de jazidas de ferro pelo mundo, as singularidades da prospecção, lavra e beneficiamento do minério inviabilizam a formação de um cartel. Por isso o preço do minério de ferro é relativamente barato, e a prática da externalização de custos é decisiva para isso. Exportamos o minério por preços aviltantes, para depois importarmos máquinas, navios, equipamentos por preços escorchantes.

Este arranjo perverso só subsiste graças à conivência de governos e de autoridades. Brumadinho repete-se após a lição de Mariana. Mas leis que foram então propostas para minimizar o risco de novas tragédias não foram aprovadas, pois no congresso existem os políticos a mando das corporações empenhadas em externalizar os custos. E falta firmeza dos governos e dos políticos dignos para contrapor-se a eles.

Uma possível solução seria colocar o país em rumos defendidos por Celso Furtado há mais de cinquenta anos: o Brasil é suficientemente grande, populoso e dotado de recursos que o credenciam para ser mais autônomo em relação ao mercado mundial. Se houvesse inclusão social, e econômica, da imensa população excluída do país, a economia atingiria níveis que permitiriam que ela fosse menos vulnerável aos interesses e às volatilidades transnacionais.

São estes interesses que, no afã de baratear os custos das matérias primas que produzimos, ensejam tragédias como as de Brumadinho e Mariana.

Publicado no blog http://perrengasprincesinas.blogspot.com/ em 29/01/2019.