Lugar de fala: uma interdição do discurso
Rotineiramente esse foi o ano em que a sociedade brasileira seriamente mais ouviu falar sobre o Lugar de fala. “Se você não é homossexual não fale disso”, “se não é feminista não fale sobre aquilo” e, assim seguiram-se as interdições discursivas do sujeito social. Quando se fala de lugar de fala, é notório que se volte a Michael Foucault (1987) e sua obra A ordem do discurso, onde ele faz alguns apontamentos sobre essa realidade material da coisa pronunciada. Todos sabem que discurso não é língua (gem), mas se utiliza dela para se fazer presente em sociedade. Discurso, segundo Foucault é uma inquietação, uma realidade material da coisa pronunciada, nela esta imbuída de várias vozes.
Alguns discursos são legitimados em sociedade para que eles sejam ditos por algumas pessoas. E para tanto observam algumas regras para serem aceitos. Foucault afirma que, “ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer a certas exigências ou se não for, de início, qualificado para fazê-lo”. O discurso não é apenas uma tomada simples de posição; todo discurso permeia por questões históricas, ideológicas e sociais para serem enunciados. Já que todo discurso se inserem em relações ideológicas e lugar histórico social, algumas questões devem ser respondidas, e Foucault as faz da seguinte forma: “quem fala? Quem, no conjunto de todos os indivíduos-que-falam, está autorizado a ter esta espécie de linguagem? Quem é seu titular? Quem recebe dela sua singularidade, seus encantos e de quem, em troca, recebe, senão sua garantia, pelo menos a presunção de que é verdadeira? Qual é o estatuto dos indivíduos que têm - e apenas eles - o direito regulamentar ou tradicional, juridicamente definido ou espontaneamente aceito, de proferir semelhante discurso?" (Foucault, 1972).
Nesse contexto, o lugar de fala revela a posição e a situação do sujeito discursivo da fala para assim creditar seriedade em sua enunciação. Sendo assim, o lugar de fala está inserido no arcabouço dos discursos interditados ou excluídos pronunciados por Michael Foucault. Para ele os interditados: “sabe-se bem que não se tem direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa. Tabu do objeto, ritual da circunstância, direito privilegiado ou exclusivo do sujeito que fala: temos aí o jogo de três tipos de interdições que se cruzam, se reforçam ou se compensam, formando uma grade complexa que não cessa de se modificar. Notaria apenas que em nossos dias, as regiões onde a grade é mais cerrada (...) são as regiões da sexualidade e da política...” (Foucault, 1996)
Foucault nunca deixou seus conceitos se encerrarem em si, as lacunas são passiveis de questionamentos, e para tanto, é de suma importância e com equilíbrio que o lugar de fala de alguns grupos da sociedade seja respeitados e legitimados. Falo dos homossexuais, das mulheres, dos negros, das vastas minorias silenciadas pela sociedade patriarcal que por vezes legitimou lugares de falas que apenas silenciaram e culminaram na prática de violências físicas e simbólicas presentes em nossa sociedade. Esse é um convite a todos que tomem por direito e lei geral seus lugares de falas, que interditem aqueles que um dia os calaram, e que se calem quando o espaço de vivência não lhe disser respeito.