Cultura de vira-lata, uma ideia que escraviza
"É cultural", diz o cidadão de baixa renda ao presenciar alguém furando fila.
"É cultural", diz o advogado ao tomar conhecimento das novas denúncias de corrupção.
"É cultural", diz o ricaço do Morumbi a sua visita estrangeira quando ambos avistam a favela de Paraisópolis.
"É cultural", dizem todos ao presenciarem qualquer atitude condenável dos cidadãos brasileiros.
Melhor explicação não há: todos os problemas brasileiros podem ser reduzidos à cultura luso-brasileira, e isso é tudo... Claro está que tal ideia trata-se de uma simplificação da realidade que funciona como sentença condenatória de todo um povo, pois quando se usa essa justificação cultural invisibilizam-se as causas reais dos nossos problemas: má distribuição de renda, educação ruim, baixos investimentos em educação e moradia, dívida pública, especulação financeira, especulação imobiliária, baixos salários, desemprego, carga tributária que recai quase inteiramente sobre os mais pobres etc.
Graças ao "é cultural" todas as injustiças sociais, desvios de dinheiro, favorecimentos políticos às elites nacionais e estrangeiras são ignorados e todos os nossos problemas podem ser atribuídos a uma formação cultural supostamente determinista e perniciosa.
Fomos ou não fomos imbecilizados graças a livros como o Raízes do Brasil? Penso que sim, que Jessé Souza está correto ao criticar o novo racismo que substituiu o racismo científico no Brasil e que pode ser batizado de "culturalismo de vira-lata" (ou cultura de vira-lata), já que agora é a nossa formação cultural que justifica a escravização do povo pelas elites nacionais e estrangeiras, e não mais a cor da pele.