O Futuro
Tempo humano.
A NASA (sigla em inglês da Administração Nacional da Aeronáutica e do Espaço do governo dos Estados Unidos da América) rastreia asteroides com chances de colidir com a Terra. Há um desses corpos celestes, chamado de Apophis, que poderá chegar bem perto da Terra em 2036. Em caso de colisão, o tempo humano desapareceria, o futuro morreria.
A poesia não falaria mais de flores e amores, a música não mais embalaria a emoção da alma, o riso seria suprimido... Tudo acabaria no sem sentido de existir, porque os anseios se dissolveriam na poeira do impacto indesejado.
O tempo físico, esse permanecerá. As noites e os dias, as chuvas, as tempestades, a expansão das galáxias, o infinito movimento que faz a grandeza eterna desse universo ser e transformar-se, tudo isso continuará como sempre foi, apesar da ausência dos homens, de suas criações, sentimentos e desejos.
Dentro desse universo físico incomensurável e imperecível, o homem criou outro universo colossal e deu grandeza admirável à vida ao inventar o tempo humano (passado, presente e futuro). O futuro como sendo aquele sonho da perpetuação e aperfeiçoamento da vida humana, que busca o bom, o belo e espera o paraíso da igualdade, liberdade e fraternidade para todos, como na promessa teórica da Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948): “Artigo 1º — Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”.
O futuro, que nasce desse ideal de grandeza do homem, é um sentimento vigoroso que faz surgir tantos outros valores capazes de privilegiar o homem como espécie sublime do reino animal. O futuro é, assim, um desejo, é o norte que aponta a direção de nossa caminhada.
Considerando isso, que o futuro é uma construção realizada a partir da vontade livre dos “iguais em dignidade e em direitos”, o risco de sua destruição depende mais da ausência de qualidade da estrutura organizacional da sociedade e menos dos corpos celestes que vagam no espaço sideral.
A última grande catástrofe provocada por um asteroide aqui na Terra foi há 65 milhões de anos, o que causou o desaparecimento dos grandes animais como os dinossauros. Naquele tempo não havia futuro.
O futuro nasceu em algum momento da história dos homens quando na cultura social foi se desenvolvendo o desejo do bem--estar para todos os indivíduos. E isso é novo na história da humanidade. Vale lembrar que somente 1776, com a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, o compromisso do futuro de “todos os homens” foi lembrado:
Consideramos estas verdades por si mesmo evidentes, que todos os homens são criados iguais, sendo-lhes conferidos pelo seu Criador certos Direitos inalienáveis, entre os quais se contam a Vida, a Liberdade e a busca da Felicidade.
Outro compromisso com o futuro aconteceu quando os representantes do povo francês, na assembleia nacional de 1789, instituíram a Declaração do Homem e do Cidadão: “Artigo 1º — Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum”.
Esse futuro tão desejado pelo mundo moderno ainda não conseguiu ganhar a devida substância de modo a alcançar “todos os homens”, como idealizado nas declarações de direito já citadas. E, por isso, o futuro corre o grande risco de desaparecer, independentemente de choques de asteroides.
Em algum momento, nessas tentativas de organizar o social, a utopia, o sonho da grandeza humana, perdeu sua força de referência. A técnica agora é levada ao centro das atenções e de modo tão radical que não se deixa regular pelos valores éticos. A ganância consumista e o desperdício estão gerando graves problemas sociais. Nesse modelo de desenvolvimento econômico, o crescimento quantitativo da economia logo extrapolará as fronteiras ecológicas da Terra. O desastre social se estabelecerá e o futuro não acontecerá.
É preciso, contudo, garantir o futuro e o passo mais firme para isso é possibilitar que cada pessoa construa em si uma vontade de aventurar, de querer realizar sonhos, nos limites dos recursos materiais de nosso espaço.