REFLEXÕES SOBRE A ABOLIÇÃO
Os 130 anos da Lei Áurea, que determinou a abolição oficial da escravatura no Brasil, trazem uma excelente oportunidade para refletirmos sobre a situação do negro em nosso país.
Conforme apontam importantes estudos sociólogos, e, recentemente, foi demonstrado de maneira brilhante no desfile da Escola de Samba Paraíso do Tuiuti, a escravidão é o principal fator que moldou a sociedade brasileira e, infelizmente, ainda se faz bastante presente em nosso cotidiano.
Enquanto o Estado Alemão já promoveu uma espécie de autocrítica pelo nazismo e na Índia há várias políticas que buscam minimizar os efeitos milenares do sistema de castas; no Brasil, os três séculos de escravidão ainda representam uma questão controversa.
Qualquer tipo de reparação histórica à população negra, como as cotas raciais em universidades e concursos públicos, ainda sofre bastante resistência de parcela considerável da população.
De acordo com o sociólogo Jessé Souza, a origem do Brasil não está em uma suposta herança portuguesa, mas no sistema escravocrata, baseado na dicotomia senhor versus escravo.
Após a abolição da escravatura, os ex-cativos foram jogados nas ruas à própria sorte.
Consequentemente, as favelas se constituíram em novas senzalas.
O antigo “ódio ao escravo” se transformou automaticamente em “ódio ao pobre”.
Dados estatísticos e constatações empíricas confirmam a tese de que, na prática, a escravidão ainda não acabou no Brasil.
Ela está entre nós, no quartinho de empregada, no elevador de serviço, na precarização do trabalho e nos indivíduos que bateram panela pela deposição de um governo, não por seus equívocos políticos, mas por causa da implantação de medidas que buscaram amenizar o sofrimento dos setores mais pobres da população.
Se o coxinha de hoje tivesse vivido no século 19, ia dizer que o discurso favorável a Abolição é "mimimi" de "esquerdopata".
Mesmo não legitimado juridicamente, como nas leis Jim Crow e no Apartheid, que vigoraram nos Estados Unidos e na África da Sul, respectivamente, no Brasil se desenvolveu uma forma velada de preconceito racial.
Por meio de supostos eufemismos como “moreninho”, “jambo” e "mulato", a origem étnica de um indivíduo é escamoteada, como se fosse desonroso ser qualificado como negro.
Em nosso dia-a-dia, é comum ouvirmos expressões como “o negro, quando não suja na entrada, suja na saída”, “serviço de preto” ou “fulano é um negro de alma branca”.
Na escola básica frequentemente estudantes negros vivem situações constrangedoras e são tratados com indiferença por colegas e professores.
Já no ensino superior, apesar de representarem metade de população brasileira, os negros são menos de 5% do corpo discente.
Nos meios de comunicação de massa, os negros geralmente estão associados a estereótipos como a “mulata sensual” ou o “negro malandro”; e a profissões consideradas socialmente inferiores, como empregadas domésticas e jardineiros.
Não obstante, os negros (principalmente os moradores de comunidades carentes), são as maiores vítimas de violência policial (“todo camburão tem um pouco de navio negreiro”, diz uma música da banda O Rappa).
Portanto, é possível concluir que a verdadeira libertação do negro (e da sociedade brasileira como um todo) ainda é um processo longo e inacabado.