Lutas de interesses
No mundo, não há uma batalha do bem contra o mal. O que sempre existiram foram lutas de interesses. Mas o velho (e ainda usado) argumento de que as forças do bem vivem em luta contra as do mal têm iludido milhões e alimentado os interesses de quem está em posição de poder. Por causa dessa mentira- que não resiste a uma reflexão mais acurada - promovem-se guerras, atacam-se inocentes e segregam os que seriam "do mal".
Será que alguém ainda lembra do "brilhante" George W.Bush que, aproveitando-se da comoção dos ataques de 11 de setembro ordenados pela Al Qaeda de Bin Laden, fez inúmeros discursos dizendo que se precisava lutar contra o mal? Manipulando os americanos, que se sentiam ameaçados e vulneráveis, Bush foi contra as leis da ONU e promoveu guerras contra o Afeganistão e o Iraque, usando a desculpa de que o ditador Sadam Hussein - que governava o Iraque na época - teria um arsenal de armas químicas. Estas guerras sacrificaram um número enorme de vidas e depois, provou-se que Bush mentira. As armas químicas nunca foram encontradas.
Da mesma forma que muitos americanos viam o Islã como o mal, os extremistas islâmicos pregavam que o Ocidente era o "grande Satã" e líderes de grupos terroristas recrutavam jovens, convencendo-os a sacrificar suas vidas na Jihad (guerra santa) contra os infiéis.
Também não podemos esquecer a Inquisição, o horror da caça às bruxas, episódios como o das bruxas de Salem e as Cruzadas - que pretendia resgatar Jerusalém dos muçulmanos. Tudo que contrariasse os interesses da Igreja era coisa do diabo. Nestes serviços divinos, uma quantidade incontável de vidas se perdeu em fogueiras e muito sangue foi derramado.
A Guerra Fria, surgida depois da 2.ª Guerra Mundial, dividiu o mundo em países capitalistas e os comunistas ou socialistas. Para estes últimos, o capitalismo era o mal, por ser contra as classes trabalhadoras. Já os países que seguiam uma economia de mercado pregavam que os países que eram socialistas (ou comunistas) representavam tudo que fosse errado e uma ameaça à segurança mundial. Quem sempre se beneficiou disso foram os políticos poderosos, que pregavam que o inimigo era o de fora, o diferente. Isso foi usado por muitos para manipular as classes populares.
No Brasil, estamos vivenciando um problema resultante do crescimento da religião evangélica: muitos militantes cristãos têm discriminado e atacado seguidores de religiões de origem africana. Os ataques podem ser apenas verbais. Mas são frequentes os ataques físicos e até a invasão de terreiros de umbanda e candomblé.
Nem todos os evangélicos são intolerantes e radicais, mas sabemos que não é raro haver os que dizem que tudo que não é da religião deles é do diabo, do mal e que Satanás estaria espreitando tudo que fazemos para aproveitar qualquer brecha para entrar em nossas vidas. Muitos evangélicos não vão ao cinema, não dançam, evitam beber refrigerante e não ouvem músicas que não sejam hinos. Alguns dizem que músicas de rock são demoníacas (como se qualquer inspiração artística fosse guiada por Satanás).
Porém, o problema maior mesmo é a perseguição não-oficial contra quem segue crenças afro. Nas escolas, têm aumentado os casos de bullying contra crianças que afirmam seguir a umbanda ou candomblé. Elas sofrem de ataques verbais, sendo chamadas de macumbeiras, a agressões físicas. E ainda dizem que somos um estado laico.
O que tudo que foi exposto nos mostra? Que a tendência de ver o diferente como do mal só alimenta a ignorância e a intolerância. Temos sido condicionados a ver as pessoas, culturas e nações de forma limitada, sem ir além da superfície. Isso nos impede de ver as coisas como um todo. Nós ficamos a vê-las apenas por um aspecto. Entender o mundo como uma luta do bem contra o mal só promove desentendimentos desnecessários, guerras, conflitos e mortes.