AGRICULTURA BRASILEIRA: DOS DEBATES TEÓRICOS AO INCENTIVO ESTATAL À MONOCULTURA

AGRICULTURA BRASILEIRA: DOS DEBATES TEÓRICOS AO INCENTIVO ESTATAL À MONOCULTURA

Rudnei de Matos

RESUMO

A indústria agrária representa desde os tempos coloniais, importante parcela da produção econômica do Brasil. O sucesso da colonização portuguesa por aqui, deve-se muito à agricultura. Isso foi possível com a junção de fatores como a necessidade de matéria-prima e derivados na Europa, e a larga disponibilidade de terra para o cultivo no Brasil. Assim, desenvolveu-se um largo campo de trabalho e produção de gêneros agropecuários, que contemporaneamente denomina-se agronegócio. A exploração da coroa por mais de três séculos contou ainda com outro elemento fundamental para o sucesso de sua empreitada extrativista: a mão de obra gratuita, conquistada a custo da escravidão dos povos nativos destas terras e africanos trazidos de outras colônias, especificamente para este fim. Tal estrutura piramidal da propriedade dos meios de produção, sobretudo da terra, criou no Brasil uma minoria de grandes proprietários produtores de gêneros para exportação. Essa realidade sobre a indústria agropecuária no Brasil, teve maior percepção dos agentes econômicos a partir da década entre a década de 1950-60, especificamente no governo de Juscelino Kubitschek. Época em que a industrialização tinha pressa em avançar e a agricultura, num caráter retardatário de sua estrutura fundiária, criava empecilhos para o desenvolvimento urbano na medida em que os preços agrícolas subiam mais que os preços da indústria. Este trabalho pretende retomar a discussão sociológica dos anos 50/60, que consagrou autores como Caio Prado Junior e Celso Furtado como grandes pensadores sociais do Brasil.

Universidade Federal de Santa Catarina, 27 de junho de 2018

INTRODUÇÃO

A temática da terra no Brasil tem fortes laços históricos. Partindo de uma colonização escravocrata (que impediu o acesso à terra dos africanos recém-chegados), a mesma política tomou para si as terras que antes pertenciam aos indígenas nativos, lançando esse segundo grupo no mesmo arranjo de miserabilidade que estaria condenado o primeiro. O mais ilógico e irracional deste caráter excludente, é que esses dois grupos somados representam mais que a metade da população do Brasil. Com isso, a propriedade da terra no país, desde as “capitanias hereditárias”, está fixada na mão de uma minoria latifundiária, há séculos.

No recente século XX, discutia-se entre os autores das Ciências Sociais questões ligadas à estrutura fundiária e sua reforma, como resolução de um impasse que herdamos do Brasil colônia. E isso não foi exclusividade do caso brasileiro. Em vários países como Alemanha, Estados Unidos e México a reforma agrária foi questão chave para o desenvolvimento econômico. Neste último, fazemos honras ao nome de Emiliano Zapata que em 1910 liderou a revolta popular pelo direito à terra em seu país.

Ora, se no passado coubera à coroa portuguesa o papel de decidir quem ficaria com qual pedaço de terra no Brasil; no presente cabe ao Estado brasileiro decidir. Considerando que o estado é administrado por setores dominantes da sociedade, fica fácil compreender os interesses de grandes segmentos econômicos em influenciar a tirar proveito da “distribuição” de terras que o estado brasileiro promoveu, ou, deveria ter promovido. Havia condições propícias para a realização e efetivação da reforma agrária no Brasil, na década de 60. Mas havia também a articulação política dos militares, influenciada pelo projeto neoliberal norte americano, que via na agricultura brasileira um problema de modernização das tecnologias, mas não um problema estrutural baseado na propriedade latifundiária.

Com o advento do golpe de 1964, as políticas públicas criadas para a agricultura vão na contramão do que propunham os economistas como Celso Furtado, e teóricos sociais como Caio Prado Junior. Pretendemos, de modo geral, recuperar a discussão teórica em torno da questão agrária e analisar os efeitos destas contribuições na construção dos programas de planejamento oficial. O objetivo específico deste trabalho é, portanto, entender qual o grau de comprometimento que os governos militares tiveram com a agricultura brasileira. O caráter econômico da modernização prevista nos planos oficiais e o quanto isso impactou na vida de milhares produtores rurais, também serão analisados. Bem como, o apoio financeiro do Estado (por meio de crédito) a latifundiários produtores da cana de açúcar com o programa “Proálcool”, em 1979. Contextualizando no século XXI, faremos uma breve exposição sobre os dados de produção de etanol e açúcar, originários da monocultura da cana de açúcar.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO NA DÉCADA DE 1960

O início dos anos 60 no Brasil, foi marcado por ampla discussão sobre os rumos da economia. Seguindo, aliás, uma tendência da década anterior fortemente influenciada pelo impulso desenvolvimentista do governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).

O Brasil dos anos 60 contava com a população ainda majoritariamente agrícola. O processo de industrialização nacional iniciado durante a “Era Vargas”, não havia ainda se expandido para todo o território. A agricultura apresentava na visão de Celso Furtado um empecilho ao desenvolvimento industrial, dado os preços de produtos alimentícios que subiam mais que os preços dos produtos da indústria. Como fica claro em trabalho do autor de 1964:

É sabido que a produção agrícola ligada ao mercado interno tem respondido com notória lentidão ao impulso da demanda gerada pelo desenvolvimento industrial. (...) os preços dos produtos industriais cresceram menos que os produtos agrícolas destinados ao mercado interno, o que indica que a classe capitalista industrial teve de transferir para os interesses ligados ao latifúndio parte dos lucros que auferia. (...) a estrutura agrária anacrônica como um obstáculo ao desenvolvimento deixou de ser suposição para transformar-se em evidência gritante. *

*Furtado, Celso. A pré-revolução brasileira, p. 31-2

As duas alternativas surgidas no período (1960-1964) apontavam ou para associação com o capital internacional, que financiaria a continuidade do processo de industrialização e, consequentemente, a manutenção da situação de dependência (agora não mais de produtos acabados ou bens de capital, no todo ou em parte já substituídos) mas de uma dependência financeira, que continuaria amarrando os destinos do país às decisões externas; ou a formação do próprio estímulo, sobretudo por intermédio da ampliação do mercado interno e a ação do Estado, que permitiriam, em âmbito interno, a formação da poupança e da infraestrutura necessárias ao investimento (NETO 1997, p. 51).

CELSO FURTADO E O DESENVOLVIMENTO DO NORDESTE

O reconhecimento oficial da área que conhecemos atualmente como Nordeste aconteceu somente no século XX. A palavra “nordeste” foi cunhada pelo então presidente Epitácio Pessoa (1919-1922), para designar o semiárido brasileiro. Carecia de atenção específica essa região do Brasil por suas condições climáticas desfavoráveis. A primeira seca na região é registrada em 1583 (SOUZA, 2017, p. 41-9). Com estas características distintas do restante do país, em especial o Centro-Sul, é que o Nordeste brasileiro via-se ficando para trás no processo desenvolvimento econômico que o país passara no século XX. Esse “atraso” do ponto de vista econômico, é relatado por Fernando Gabeira em viagem pela região de 1994: “[...]O atraso dessa região não é só de informações. Do ponto de vista social, há milhares de pessoas vivendo como no tempo de Antônio Conselheiro, que há cem anos entrava em Canudos”.

Na década de 1960, a questão do subdesenvolvimento do Nordeste chamara atenção do então presidente, Juscelino Kubitschek. Assessorado pelo economista Celso Furtado, o governo de JK continuou a fortalecer a estratégia de criação de órgãos federais, iniciado por Nilo Peçanha (1909), para enfrentar não somente as secas, mas o problema do subdesenvolvimento da região como um todo. Neste contexto, assim como Vargas fundou o Banco do Nordeste do Brasil (1952), JK criava a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste, ou seja, a SUDENE em 1959 (SOUZA,2017, p. 108).

O novo órgão, que existe até os dias de hoje, desempenhou papel importante na compreensão de que, o Nordeste necessitara de condições diferenciadas do restante do país para que se desenvolvesse. Celso Furtado, vendo além do seu tempo, desenvolveu seu trabalho como primeiro presidente da SUDENE. E este seu belo trabalho, foi brutalmente interrompido com o advento do golpe, como veremos mais à frente.

AS CRÍTICAS DE CAIO PRADO JR. AO LATIFÚNDIO E AOS “RESTOS FEUDAIS”

Caio Prado Junior, nasceu em São Paulo, onde fez seus estudos secundários no colégio São Luiz. Formou-se em Direito ainda em 1928, e obteve em 1956, a Livre Docência com a sua tese “Diretrizes para uma política econômica brasileira”. Deputado estadual por São Paulo em 1947, teve seu mandato cassado em consequência da “ilegalidade” do Partido Comunista do Brasil, na época. Recebeu o título de Intelectual do Ano em 1966 pela publicação do seu livro A Revolução Brasileira.

Em artigos publicados originalmente na Revista Brasiliense nos anos que precederam o golpe de 1964, posteriormente reunidos em seu livro A Questão Agrária; o autor nos explica porque o agronegócio encontrou no Brasil solo fértil:

Os sucessos da exploração agrária se devem no Brasil, em primeiro lugar, à larga disponibilidade de terras em cuja apropriação não concorreu com o número relativamente reduzido dos empreendedores da exploração agrária no país, e que se tornaria sua classe dominante, nenhum outro contingente da população. E aí está outro fator que tornou possível o grande êxito desta empreitada: disponibilidade de força de trabalho, fornecida aos grandes proprietários pela massa da população rural que se formou e constituiu, precisamente para este fim de proporcionar mão de obra, pela incorporação de indígenas, pelo tráfico africano, pelo afluxo migratório dos últimos anos. Força de trabalho de baixo custo relativo, porque mesmo quando juridicamente livre, era premiada por um mercado de trabalho cujo abastecimento não sofria a eventual concorrência de outras alternativas de ocupação para os trabalhadores. O virtual monopólio da terra, concentrada nas mãos de uma minoria de grandes proprietários, obriga a massa trabalhadora a buscar ocupação e sustento junto a esses mesmos proprietários, empregando-se a serviço deles. *

*Caio Prado Junior. A Questão Agrária, p. 26-9

As condições de vida do trabalhador rural no século XX, eram, portanto, de péssimas qualidades. Como fica claro no trabalho do autor, quando discorre sobre a remuneração desta classe:

O que fixa e determina a remuneração do trabalho, nas condições atuais da nossa economia rural, é o equilíbrio do mercado da mão de obra, a saber, a relação de oferta e procura que nele se verifica. Oferta e procura essas que não se modificarão enquanto permanecerem as condições vigentes em que a massa de trabalhadores rurais não encontra outra alternativa de ocupação que na cessão de sua força de trabalho a uma reduzida classe de grandes proprietários e fazendeiros que monopolizam de fato, a maior e melhor parte da terra disponíveis. **

E quando discorda de autores como Paul Singer (1961) e Celso Furtado (1964), Caio Prado nos mostra porque uma sociedade baseada na escravidão não pode ser denominada, de forma gentil, como feudal:

Mas uma economia de base escravista não se confunde com economia feudal, e as relações de produção são distintas. (...) com a abolição legal da escravidão, era natural que as classes dominantes e senhoras dos meios de produção, inclusive e sobretudo a terra, procurassem se aproveitar da tradição escravista ainda muito próxima e viva, para o fim de intensificar a exploração do trabalhador ***

Para o autor, a economia brasileira precisava concluir o processo de industrialização sem que a agricultura representasse um entrave. O problema central era de que, o latifúndio pressionava os preços dos produtos agrícolas a subirem mais que os preços dos produtos industriais, gerando assim uma transferência de renda da indústria nacional (tentando se expandir) para o latifúndio agropecuário (já completamente expandido em todo o território). A solução destas questões de desenvolvimento econômico, para o autor, seria uma ampla reforma da estrutura agrária. A fim de aumentar a produção de gêneros alimentícios, fornecendo a base de suporte para que a indústria pudesse se desenvolver em todo o país.

Conforme vimos na primeira parte deste trabalho, havia de fato, na década de 60, um debate produtivo sobre o desenvolvimento do Brasil. Autores preocupados com o desenvolvimento regional, como Celso Furtado; ou mais li-

** Ibid., p. 67-8

-gados ao combate no latifúndio no campo, como Caio Prado; nos deram suas contribuições sociológicas que foram muito importantes na época, mas em razão do golpe de 1964 acabaram sendo “deixadas de lado”. Passaremos agora ao estudo do caráter econômico golpista, e como essa tomada de poder foi interpretada posteriormente por autores das Ciências Sociais.

O GOLPE DE 64 E SEU CARÁTER ECONÔMICO

Conforme visto anteriormente, a questão da reforma agrária estava em alta nas discussões da primeira metade dos anos 60. A partir de agora, analisaremos as conclusões dos autores no período pós-golpe; suas análises sobre as motivações da tomada de poder; e quem apoiou esta ação “nacionalista” de “defesa da pátria”.

Florestan Fernandes, em trabalho de 1974, chama a atenção para o que caracterizou como dupla articulação (interna e externa), decisiva na instauração do regime militar:

A dupla articulação impõe a conciliação e a harmonização de interesses díspares (tanto em termos de acomodação de setores econômicos internos quanto em termos de acomodação da economia capitalista dependente às economias centrais); e, pior que isso, acarreta um estado de conciliação permanente de tais interesses entre si. Forma-se assim, um bloqueio que não pode ser superado e que do ponto de vista da transformação capitalista, torna o agente econômico da economia dependente demasiado impotente para enfrentar as exigências da situação de dependência. *

Também analisando o período, Caio Prado Jr, na nota prévia à segunda edição de seu livro A Questão Agrária, de 1979, fala sobre o que estimulou a tomada de poder:

*Florestan Fernandes. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica, p. 223.

É de notar preliminarmente que entre os fatores que estimularam o golpe, (...) encontram-se precisamente o crescente interesse que então começava a despertar a questão agrária e os primeiros sintomas de séria pressão popular no sentido da efetivação de medidas tendentes à reforma de nossas estruturas agrárias e relações de trabalho no campo. *

As análises teóricas posteriores ao golpe de 1964, reforçam o caráter intervencionista dos Estados Unidos, dando suporte aos militares no poder no Brasil. Um autor contemporâneo, Marcus Dezemone, em trabalho publicado pela Revista Brasileira de História em 2016, nos dá mais informações sobre a efetiva colaboração dos Estados Unidos na implantação de políticas neoliberais, por meio da ação dos militares no poder:

A abertura de arquivos estadunidenses, disponibilizando ao público documentos classificados como “confidenciais” ou “secretos”, cujo acesso não era permitido até então, possibilitou revisitar fatos conhecidos, mas descritos sob outro ponto de vista, além de esclarecer aspectos obscuros diante dos quais pairavam dúvidas consideráveis. (...) O que a análise da documentação e demais evidências revelam é a preocupação com o que se poderia chamar de “cubanização” da América do Sul e em especial do seu maior país. Evitá-la era um elemento estratégico da política hemisférica dos Estados Unidos e parece ter encontrado forte acolhida nos meios conservadores brasileiros. **

Em trabalho de 2017, publicado pelo Senado Federal, o autor Francisco Ésio de Souza aponta os interesses econômicos/políticos dos Estados Unidos com o golpe militar no Brasil, interesses esses que passavam pela paralização do trabalho desenvolvido por Celso Furtado na SUDENE:

Desgraçadamente, o idealista [Celso Furtado], não teve a oportunidade de ver suas premissas desenvolvimentistas acontecerem no tempo por ele imaginado. Sendo fácil compreender que os interesses geopolíticos fizeram com que os Estados Unidos colaborassem para interromper esse processo desenvolvimentista que a SUDENE havia deflagrado na região Nordeste, em 1959, e a freado com o advento do golpe militar de 1964. ***

*Caio Prado Júnior. A Questão Agrária, p.7

** Marcus Dezemone. A questão agrária, o governo Goulart e o golpe de 1964 meio século depois

***Francisco Ésio de Oliveira. O nordeste brasileiro, p. 110.

Agora que já analisamos o papel econômico que o golpe militar pretendeu executar, iremos verificar nos planos de ação e planejamento do governo, o papel cada vez mais reduzido das questões de reforma na estrutura agrária, que se levadas ao debate, encontrariam fundamentação teórica dos autores.

PLANO DE AÇÃO ECONÔMICO DO GOVERNO (1964-1966)

O plano, alinhado aos ideais liberais que norteavam a ação golpista, inicia-se afirmando o respeito às leis de mercado, mas pregando a necessidade da presença governamental para melhorar a distribuição de renda e da riqueza dentro desse mesmo mercado (NETO,1997, p.127). Nota-se que a discussão sobre reforma, vai dando espaço a uma discussão cética sobre educação, tributação da terra e sobretudo, o que será por muito tempo sinônimo de política agrícola, melhoria do sistema de crédito rural:

Já que uma reforma agrária de sentido tradicional não pode remediar a queda de produto derivado do declínio da produtividade do trabalho e do solo, segue-se que o tipo de reforma que o País deve realizar não pode apenas considerar a redistribuição em termos do imóvel rural. Terá de incorporar a esse processo de mudança econômica/social elevado conteúdo de política agrícola, traduzindo em medidas tais como educação, novos esquemas de tributação da terra, organização cooperativa e melhoria do sistema de crédito rural. *

PROGRAMA ESTRATÉGICO DE DESENVOLVIMENTO (1967-1970)

Este programa traz como objetivos fundamentais para a política econômica, a aceleração do desenvolvimento e a contenção da inflação, procurando identificar os principais fatores causadores da inflação e da estagnação do crescimento. A questão da reforma agrária só aparecerá mais à frente, quando se colocará a necessidade (dentro da política agrícola governamental), de estabelecer melhor organização do meio rural, o que se pretende alcançar por meio de “processos democráticos de reforma agrária” e instalação de “colônias auto administráveis”. **

*BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, p. 15

** BRASIL. Ministério do Planejamento e Coordenação Geral, p. 17

METAS E BASES PARA A AÇÃO DO GOVERNO (1970-1973)

Com a morte do presidente Costa e Silva, assume a presidência o general Emilio Garrastazu Médici. O plano, Metas e Bases Para a Ação do Governo, elaborado por esta gestão, estará agora mais preocupado com o progresso social e a distribuição de renda, uma vez que se encontrara a pleno vapor o chamado “milagre brasileiro” e a inflação fora baixada a patamares mais civilizados (NETO,1997, p.131). Para o setor agrícola, o plano pretende promover:

Na década de 70, um movimento renovador, de profundidade no setor agrícola. Isso significará, principalmente, dotar a agricultura brasileira de um sistema de apoio, financeiro e fiscal, capaz de produzir a transformação tecnológica e o fortalecimento acelerado de uma agricultura de mercado, sensível aos estímulos de preços; (...) transformar o Brasil em importante explorador de carne e outros produtos agrícolas não tradicionais. *

I PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (1972-1974)

Ainda no governo Médici, é tornado público o I PND, mais abrangente e complexo que o Metas e Bases. Embalado pelo sucesso do “milagre brasileiro”, o I PND traz como seus principais objetivos: colocar o Brasil na categoria dos países desenvolvidos (no espaço de uma geração); duplicar a renda per capita (comparada a de 1969); expandir a economia garantindo taxas de crescimento da ordem de 8% a 10% anuais*.

Embora admitindo que o processo de desenvolvimento seja acionado pelos setores diretamente produtivos, indústria e agricultura, e que desníveis de crescimento entre os dois possam ocasionar problemas ao processo como um todo, este é o primeiro plano a não acusar problemas estruturais na agricultura, nem apontar seu caráter retardatário. Outro ponto importante é o fato de a expressão reforma agrária ser completamente abolida do texto (NETO, 1997, p. 132)

*BRASIL. Metas e bases para a ação do governo, p. 89

**BRASIL. Presidência da República. I PND. 1972

II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO (1975-1979)

Em virtude das profundas alterações ocorridas no cenário econômico internacional, tendo como referencial a crise do petróleo, e na estrutura produtiva nacional, com o esgotamento do chamado “milagre”, este segundo PND em muito se diferencia dos planos anteriores. Sendo assim, tais os objetivos fundamentais do plano:

1º) manter o crescimento acelerado dos últimos anos;

2º) reafirmar a política gradualista de contenção da inflação;

3º) manter em relativo equilíbrio o balanço de pagamentos;

4º) realizar política de melhoria da distribuição de renda;

5º) preservar a ordem social e política;

6º) realizar o desenvolvimento sem deterioração da qualidade de vida e devastação dos recursos naturais*.

O PROÁLCOOL EM 1979 E O APOIO ESTATAL À MONOCULTURA

O que percebemos a partir deste II PND, é o impacto das crises econômicas sobrepondo-se a qualquer outro aspecto relevante ao planejamento oficial do governo. A crise do petróleo em 1973 e repetidamente em 1979, faz o governo lançar o programa de incentivo à produção do etanol (Proálcool, em 1979) a fim de amenizar a dependência exclusiva que a sociedade brasileira moderna têm do petróleo. O apoio ao cultivo da cana de açúcar, pode aparentemente, parecer inofensivo. Mas os estudos científicos comprovam nas palavras de autores como Darcy Ribeiro e Silvio Romeiro, que a monocultura é prejudicial à qualidade de vida dos trabalhadores rurais. Primeiro porque a monocultura exige grande quantidade de terra disponível para o cultivo, e o desgaste do solo é imenso; e segundo, porque a exploração estritamente mercantil da monocultura em detrimento de culturas alimentícias, faz pressão sobre os preços dos alimentos, encarecendo o custo de vida no campo, até então, relativamente baixo. A fim de ilustrar esse momento de transformação no campo, com a chegada da monocultura da

*BRASIL. Presidência da República. II PND (1975), p. 28

Cana de açúcar, por exemplo, trazemos aqui o relato de um pequeno produtor da cidade de Água Comprida (MG):

No meu ponto de vista, antes da chegada da cana aqui na nossa região, a população rural estava mais ligada ao campo, aí a oferta de alimentação era maior e, com isso, os preços na cidade eram melhores. Agora que estão arrendando a zona rural para o plantio de cana, isso mudou. Aquele pequeno produtor que produzia seu sustento e vendia a sobra na cidade, agora com o arrendamento ele precisa é comprar porque parou de produzir sua alimentação. A fartura não é mais de alimento, mas de dinheiro no bolso. (Entrevista com pequeno agricultor G, Água Comprida, 12 mai. 2010)*

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o correr deste trabalho procuramos recuperar (em partes), o debate sociológico dos anos 1950/60 que concluía em grande parte dos textos e dos autores, para a realização da reforma agrária como forma de dinamizar a produção agrícola, dar direito a terra a brasileiros historicamente marginalizados, e sobretudo, contribuir para o desenvolvimento da indústria nacional, gerando a poupança e a infraestrutura necessárias ao investimento capitalista.

No desenvolver das pesquisas, conseguimos encontrar provas teóricas da participação e colaboração estadunidense na tomada de poder no Brasil. Provas essas, muito bem lembradas pelo autor Marcus Dezemone (2016), estão surgindo ao conhecimento público. E com o reconhecimento oficial, porém constrangido, da Casa Branca, que dá o tom violento e urgente do tema.

Por razões de tempo hábil para a pesquisa, não pudemos analisar neste trabalho como essas relações do campo brasileiro estão em simbiose com relações sociais nos campos da Colômbia, do Peru, do Paraguai, dentre outros países latino-americanos que têm em comum a mesma matriz extrativista, oriunda da colonização. Inclusive, respondendo a uma pergunta do professor Jaques Mick em sala, sobre qual seria (ou deveria ser) o olhar do sociólogo do sul do Brasil para uma interpretação sociológica do Brasil como um todo? Bom, caríssimo professor, acredito que uma das vertentes de atuação dos sociólogos aqui do sul do Brasil, em especial de Florianópolis, deve ser um olhar em conjunto com a América Latina. Até mesmo pela nossa posição espacial, que

nos coloca no coração do Mercosul, dando a Florianópolis o título de capital deste mercado. Mas deixamos aqui esse fio solto, para uma eventual pesquisa futura sobre as relações sociais e econômicas que se reproduzem na agricultura da América Latina, face ao neoliberalismo.

Moagem de Cana-de-açúcar e Produção de Açúcar e Etanol – Safra 2017/2018

Estados Cana-de-açúcar Açúcar Etanol (mil m³)

mil toneladas mil toneladas Anidro Hidratado Total

Região Centro-Sul Espírito Santo 2.381 127 80 11 90

Goiás 70.622 2.235 1.323 3.295 4.618

Mato Grosso 16.134 411 539 960 1.499

Mato Grosso do Sul 46.940 1.492 878 1.754 2.632

Minas Gerais 64.886 4.237 1.067 1.642 2.708

Paraná 37.047 2.921 570 699 1.269

Rio de Janeiro 1.062 35 0 46 46

Rio Grande do Sul 45 0 0 2 2

Santa Catarina 0 0 0 0 0

São Paulo 357.142 24.591 5.963 7.260 13.223

Região Norte-Nordeste Acre 0 0 0 0 0

Alagoas 13.734 1.072 219 112 331

Amapá 0 0 0 0 0

Amazonas 222 12 0 5 5

Bahia 3.540 160 75 106 181

Ceará 0 0 0 0 0

Maranhão 2.220 23 143 20 163

Pará 977 46 43 8 52

Paraíba 5.900 159 184 187 370

Pernambuco 10.863 757 92 229 321

Piauí 850 63 20 1 20

Rio Grande do Norte 2.516 161 32 45 77

Rondônia 78 0 0 4 4

Roraima 0 0 0 0 0

Sergipe 1.719 96 24 46 70

Tocantins 2.188 0 116 61 176

Região Centro-Sul 596.260 36.048 10.419 15.669 26.088

Região Norte-Nordeste 44.806 2.548 947 823 1.771

Brasil 641.066 38.596 11.366 16.492 27.859

Moagem de cana-de-açúcar e produção de açúcar e etanol – safra 2016/2017

Estados Cana-de-açúcar Açúcar Etanol (mil m³)

mil toneladas mil toneladas Anidro Hidratado Total

Região Centro-Sul Espírito Santo 1.351 64 51 9 60

Goiás 67.630 2.102 1.313 3.072 4.384

Mato Grosso 16.343 398 524 696 1.221

Mato Grosso do Sul 50.292 1.735 807 1.902 2.709

Minas Gerais 63.516 3.993 1.193 1.448 2.641

Paraná 40.417 3.060 616 739 1.355

Rio de Janeiro 1.553 29 0 82 82

Rio Grande do Sul 46 0 0 3 3

Santa Catarina 0 0 0 0 0

São Paulo 365.990 24.248 6.151 7.046 13.197

Região Norte-Nordeste Acre 64 0 0 4 4

Alagoas 16.031 1.446 276 107 383

Amapá 0 0 0 0 0

Amazonas 261 14 0 5 5

Bahia 2.367 125 56 50 106

Ceará 74 0 0 5 5

Maranhão 1.842 12 110 18 127

Pará 718 30 29 4 33

Paraíba 4.856 187 139 145 284

Pernambuco 11.826 1.004 132 203 335

Piauí 761 55 21 0 22

Rio Grande do Norte 1.975 125 33 29 61

Rondônia 137 0 0 9 9

Roraima 0 0 0 0 0

Sergipe 1.706 110 23 43 66

Tocantins 2.087 0 117 45 162

Região Centro-Sul 607.137 35.628 10.655 14.996 25.651

Região Norte-Nordeste 44.704 3.107 934 669 1.603

Brasil 651.841 38.734 11.589 15.665 27.254

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Rudnei Matos
Enviado por Rudnei Matos em 26/06/2018
Reeditado em 29/06/2018
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