O REAL PROPÓSITO DA CONDUÇÃO COERCITIVA
Prólogo
O artigo 260 do Código de Processo Penal preceitua que “se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença”.
O ENTENDIMENTO DA RESPEITÁVEL ENTIDADE OAB
A Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, por seus representantes legais, afirma: "A condução coercitiva durante a fase investigativa, ainda que decretada pela autoridade judiciária competente, viola os preceitos fundamentais da imparcialidade, do direito ao silêncio, do “nemo tenetur se detegere” (o direito de não produzir prova contra si mesmo), do princípio do sistema penal acusatório, do devido processo legal, da paridade de armas, da ampla defesa e do contraditório... ".
“... É incabível a determinação de sua condução forçada durante a fase de inquérito, pois se trata de medida cautelar que deve ser somente utilizada na fase judicial, se necessário... ”, afirma ainda a OAB.
Segundo entendimento dos representantes da OAB e outros renomados juristas, a norma prevê a condução coercitiva do acusado para fins de realização de interrogatório e outros atos no âmbito do processo judicial, mas a regra tem sido interpretada em contrariedade com os ditames constitucionais ao se permitir a sua utilização para a constituição de atos no curso da investigação criminal.
Sustentam ainda os representantes da OAB que a medida tem sido sistematicamente adotada sem a observância da premissa do próprio artigo 260 do CPP, ou seja, sem que o cidadão haja descumprido anterior intimação.
O DIREITO DE IR E VIR É CONSTITUCIONAL
A liberdade de locomoção, sem dúvidas, figura entre os direitos fundamentais mais básicos, dada a sua estreita relação com o princípio da dignidade da pessoa humana, epicentro axiológico das constituições contemporâneas. Esse direito de ir e vir é garantido pela atual constituição brasileira, mas a condução coercitiva é uma espécie de detenção, pois há uma inegável restrição da liberdade de alguém, que se vê cerceado em sua liberdade de ir e vir.
Diante disto, é trivial que o direito de ir e vir só poderá ser restringido em função de norma autorizadora que apresente conformidade com o ordenamento constitucional e princípios que o norteiam. A própria Constituição Federal, inclusive, prevê o “habeas corpus” como uma garantia específica para os casos de lesão ou ameaça à liberdade de locomoção.
Dentre as formas de restrição à liberdade de locomoção previstas no arcabouço jurídico pátrio figura a condução coercitiva, que nada mais é do que um meio conferido à autoridade para fazer comparecer aquele que injustificadamente desatendeu a sua intimação, e cuja presença é essencial para o curso da persecução penal.
O REAL PROPÓSITO DA CONDUÇÃO COERCITIVA
Todos sabemos que: Coerção é o ato de induzir, coagir, reprimir, coibir, pressionar ou compelir alguém a fazer algo pela força, intimidação ou ameaça. Trata-se de tratamento desumano, humilhante e degradante! Portanto, salvo outro juízo, no meu entendimento, quando essa coerção é praticada - mesmo que não seja - com rufar de tambores, pirotecnia e mídia presente caracteriza o extremado abuso da autoridade coatora.
Ademais, a todo e qualquer alvo da Justiça Penal garante-se o direito ao silêncio, de não produzir prova contra si mesmo, de ter assistência de um defensor dativo, público ou contratado, dentre outros. Diante disso posso perguntar: Qual o real propósito da condução coercitiva?
Ora, se a pessoa conduzida à força poderá permanecer em silêncio para não produzir provas contra si mesmo é válido compreender que o real propósito da condução coercitiva é escrachar, desmoralizar, humilhar, aterrorizar o conduzido e apenas suspeito do cometimento de crime.
Houve muita perda de tempo. Gastou-se tinta e papel. Empregaram-se muitos servidores nessa empreitada ou quiproquó, mas felizmente, depois de muitas humilhações sofridas e danos irreversíveis causados a pessoas criminosas condenadas e outras inocentadas, depois do devido processo legal, o Supremo Tribunal Federal – STF decidiu ontem (14/06/2018) pela inconstitucionalidade da condução coercitiva.
Eis um exemplo antigo (ano de 1616) e emblemático (simbólico) de coação (coerção): Quando Galileu Galilei (físico, matemático, astrônomo e filósofo florentino) teve problemas com a inquisição e abjurou a teoria heliocêntrica de Nicolau Copérnico não o fez por convicção, mas por forte coerção (coação) do tribunal da inquisição. Após um julgamento longo e atribulado Galileu foi condenado a abjurar publicamente as suas ideias e à prisão por tempo indefinido.
CONCLUSÃO
Isso mesmo. A condução coercitiva é inconstitucional e incompatível ao Estado Democrático de Direito. A força-tarefa da operação “Lava Jato” vinha usando e abusando das conduções coercitivas desde 2014. A mais célebre foi a que obrigou o ex-presidente Lula a depor na Polícia Federal (galpão do aeroporto), em março de 2016, embora ele não houvesse sido intimado ou se negado a depor (assim se pronunciou a defesa do atual condenado e recluso Lula).
Em escrito anterior eu já havia emitido minha opinião sobre os excessos dos “homens de preto” da "Lava Jato". Agora o STF encerrou a polêmica de uma vez por todas. Todavia, a PF e outras autoridades poderão fazer, e certamente farão (essa é a minha funesta profecia), uso abusivo das prisões temporárias em substituição às humilhantes conduções coercitivas.
Vou mais longe nessa medonha profecia: Além das prisões temporárias que vão substituir as conduções coercitivas, desde já consideradas inconstitucionais, as autoridades abusivas e coatoras vão continuar fazendo o uso indevido de algemas na contramão do que preestabelece a SUMULA VINCULANTE nº 11, DO STF, de agosto de 2008.
Não se nega aqui que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva seja um criminoso, mas a condução coercitiva visava (visa), mormente se nesse comprovado abuso houver propaganda midiática pela mídia sempre ávida por escândalos, humilhar o (a) conduzido (a).
É claro que as conduções coercitivas para interrogar suspeitos não violam a garantia do direito ao silêncio previsto na Constituição Federal, que autoriza investigados a não prestarem depoimento ou produzirem provas contra si. Assim sendo posso asseverar sem receio de errar: A condução coercitiva é ineficaz do ponto de vista processual porque o conduzido poderá exercer o direito de permanecer em silêncio!
Enfim, entendo, salvo outra respeitável compreensão, que essa condução coercitiva em forma de extremada ESPETACULARIZAÇÃO sobremodo a de caráter humilhante ou degradante visa escrachar, desmoralizar, aterrorizar o conduzido e apenas suspeito do cometimento de crime. ESSE É O REAL PROPÓSITO DA ABUSIVA CONDUÇÃO COERCITIVA!
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NOTAS REFERENCIADAS
– Imprensa falada, escrita e televisiva;
– Textos avulsos, livres para consulta, da Imprensa Brasileira;
– Assertivas do autor que devem ser consideradas circunstanciais e imparciais.