VESTÍGIOS DO DIA (3ª PARTE)
Esta é a última parte deste estudo da obra do autor Kazuo Ishiguro, “Vestígios do dia”, adaptado para o cinema, para compreendermos um pouco mais sobre o mecanismo de ação de uma contaminação social chamada corrupção.
- “Não fazemos injustiça aos judeus ao dizer que a revelação de Cristo é algo incompreensível e odioso para eles. Embora aparentemente tenha nascido judeu, ele personifica a negação da natureza sagrada deles, algo que os judeus têm mais consciência do que nós. Ao demonstrar a grande diferença entre nós, europeus, e os judeus, não pretendemos de modo algum que o preconceito religioso com sua perigosa influência resolva a questão, porque a percepção de duas naturezas tão diferentes revela um verdadeiro abismo...”
Esta foi a leitura de um texto que o Lord Darlington fez em seu escritório, ao mesmo tempo que observava o trabalho das irmãs judias, alemãs, refugiadas do horror nazista, que ele acabara de dar emprego em sua mansão. A postura enigmática e reflexiva que ele assumia, mostrava ao expectador que ele fazia um processamento cognitivo onde o ato de ter dado emprego aquelas duas pessoas ia de encontro aos argumentos que estavam sendo apresentados no texto. O cenário muda para uma conversa a sós com o mordomo, Sr. Stevens.
- Stevens, temos duas refugiadas empregadas aqui, não?
- Temos, senhor, duas criadas: Elsa e Irma.
- Infelizmente, precisa despedi-las.
- Manda-las embora, senhor?
- É uma pena, mas não temos escolha. Deve analisar o contexto geral. Tenho de pensar no bem-estar de meus hóspedes.
- Meu senhor, se me permite dizer, elas trabalham muito bem, são inteligentes, educadas e muito asseadas.
- Eu sinto muito, mas pensei muito bem. Há questões maiores em jogo. Infelizmente, já está decidido. Elas são judias!
- Sim, meu senhor. Muito obrigado!
Observamos nesse momento um choque de consciências: enquanto o Lord Darlington havia formado convicção de que deveria assumir a narrativa nazista e despedir as duas irmãs judias e alemãs, provocando assim o retorno delas à sua pátria e a consequente ida a algum campo de concentração, o Sr. Stevens considerava que aquilo não estava correto, as moças eram boas funcionárias, não havia motivos para despedi-las. Tentou ainda argumentar, mas a resistência firme do seu patrão e a convicção que ele deveria servi-lo da melhor forma possível para deixa-lo satisfeito, que ele era uma pessoa de maior conhecimento e sabedoria, portador de grande estatura moral, fez ele acatar o pedido sem demonstrar mais nenhum tipo de contestação. O mesmo não aconteceu com a Srta. Kenton quando soube da notícia pelo Sr. Stevens:
- Incrível como pode falar como se discutisse os pedidos para a despensa. Não acredito! Elsa e Irma devem ser despedidas por serem judias?
- A sua senhoria tomou sua decisão. Não há o que discutirmos.
- Se elas não tiverem trabalho, serão mandadas para a Alemanha!
- Não há nada que possamos fazer.
- Estou dizendo, não está certo despedir minhas meninas amanhã. Um pecado! Um pecado muito grave.
- Há muitas coisas que nós dois não entendemos no mundo de hoje. Mas a Sua Senhoria entende. E ele analisou as maiores questões em jogo com relação, digamos, a natureza dos judeus.
- Sr. Stevens, estou avisando, se elas forem, eu saio desta casa.
- Ah, Srta. Kenton... por favor
O tempo passa... o Sr, Stevens e a Srta. Kenton então entrevistando novas candidatas, quando o senhor Stevens volta ao assunto da dispensa das duas alemãs.
- Não disse que ia embora por causa das meninas alemãs?
- Eu não vou embora. Não tenho para onde ir, não tenho família. Sou uma covarde
- Não, não...
- Sim, sou uma covarde. Tenho medo de ir embora, essa é a verdade. No mundo só vejo solidão, e isso me assusta. Meus grandes princípios não passam disso. Sinto vergonha de mim mesma.
- Srta. Kenton, você é muito importante para esta casa. É extremamente importante para esta casa.
- Eu sou?
- Sim, sim... agora vejamos, se tem certeza sobre essa jovem, melhor chama-la.
O assunto volta sobre a entrevista da candidata.
Continuando a reflexão do que pode interferir na nossa consciência, na coerência de ver, ouvir ou sentir os fatos ao nosso redor, e concluir pelo que existe de verdade ou mentira, o quanto um fato pode ser usado para construir uma falsa narrativa, o quanto a verdade pode ser omitida ou falsificada, o quanto eu devo me esforçar para procurar sempre os dois lados da questão que está em disputa.
Os diálogos mostram, num nível mais superior, o seguimento por parte de uma pessoa de bem, o Lord Darlington, de uma narrativa feita pelos nazistas, e das pessoas que sofrem ou podem sofrer os efeitos dessa narrativa.
Num nível mais inferior do processamento cognitivo, vemos também duas pessoas do Bem, com boas intenções, o Sr. Stevens e a Srta. Kenton. Ambos demonstram resistência às decisões do patrão, sendo o Sr. Stevens mais tolerante e permissivo. A Srta. Kenton apesar de demonstrar maior nível de resistência, de estar deveras escandalizada com tal procedimento, não tem coragem de não pactuar com a narrativa, com o “pecado”, como ela mesma diagnosticou, e se sente envergonhada por isso.
No Brasil, também podemos observar esses dois níveis de alinhamento cognitivo à narrativa petista, a uma narrativa que vai de encontro aos nossos princípios, como foi a narrativa nazista. As pessoas que, comparadas ao Lord Darlington, podem participar da estrutura do poder dentro de uma narrativa socialista, trabalhista, comunista, mesmo que vejam o dinheiro público sendo desviado de forma criminosa para a implementação do projeto por trás da narrativa; segundo, as pessoas de poder cognitivo inferior, que estão abaixo do nível gerencial decisório da narrativa, mas que são beneficiadas pelos gerentes decisórios. Tem aquelas que acreditam sem restrições nas decisões tomadas pelos seus patrões, e mesmo essas decisões indo de encontro aos seus princípios, eles entendem que devem redirecionar o seu juízo de valor para acatar as decisões tomadas. Outras pessoas são mais firmes na forma de entender os erros da narrativa imposta, mas se sentem medrosas e acovardadas, de não terem condições de seguirem seus princípios e abandonarem a narrativa falaciosa. Poucas são as pessoas, não foram citadas na obra, que não aceitam a falsidade ética de tal narrativa, mesmo perdendo os benefícios que elas podem ou que já estão lhe trazendo.
Eis a explicação para a situação paradoxal que existe no Brasil, onde um criminoso, julgado e condenado em todas as instâncias, mantido e preso com os direitos políticos cassados, mesmo assim aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República.
A narrativa nazista foi derrotada após muito esforço, dinheiro e sangue derramados. Observamos que a narrativa petista em processo de degeneração, mesmo assim mostra o mesmo caminho: muito esforço, dinheiro e sangue para isso ser alcançado.
Esta é a última parte deste estudo da obra do autor Kazuo Ishiguro, “Vestígios do dia”, adaptado para o cinema, para compreendermos um pouco mais sobre o mecanismo de ação de uma contaminação social chamada corrupção.
- “Não fazemos injustiça aos judeus ao dizer que a revelação de Cristo é algo incompreensível e odioso para eles. Embora aparentemente tenha nascido judeu, ele personifica a negação da natureza sagrada deles, algo que os judeus têm mais consciência do que nós. Ao demonstrar a grande diferença entre nós, europeus, e os judeus, não pretendemos de modo algum que o preconceito religioso com sua perigosa influência resolva a questão, porque a percepção de duas naturezas tão diferentes revela um verdadeiro abismo...”
Esta foi a leitura de um texto que o Lord Darlington fez em seu escritório, ao mesmo tempo que observava o trabalho das irmãs judias, alemãs, refugiadas do horror nazista, que ele acabara de dar emprego em sua mansão. A postura enigmática e reflexiva que ele assumia, mostrava ao expectador que ele fazia um processamento cognitivo onde o ato de ter dado emprego aquelas duas pessoas ia de encontro aos argumentos que estavam sendo apresentados no texto. O cenário muda para uma conversa a sós com o mordomo, Sr. Stevens.
- Stevens, temos duas refugiadas empregadas aqui, não?
- Temos, senhor, duas criadas: Elsa e Irma.
- Infelizmente, precisa despedi-las.
- Manda-las embora, senhor?
- É uma pena, mas não temos escolha. Deve analisar o contexto geral. Tenho de pensar no bem-estar de meus hóspedes.
- Meu senhor, se me permite dizer, elas trabalham muito bem, são inteligentes, educadas e muito asseadas.
- Eu sinto muito, mas pensei muito bem. Há questões maiores em jogo. Infelizmente, já está decidido. Elas são judias!
- Sim, meu senhor. Muito obrigado!
Observamos nesse momento um choque de consciências: enquanto o Lord Darlington havia formado convicção de que deveria assumir a narrativa nazista e despedir as duas irmãs judias e alemãs, provocando assim o retorno delas à sua pátria e a consequente ida a algum campo de concentração, o Sr. Stevens considerava que aquilo não estava correto, as moças eram boas funcionárias, não havia motivos para despedi-las. Tentou ainda argumentar, mas a resistência firme do seu patrão e a convicção que ele deveria servi-lo da melhor forma possível para deixa-lo satisfeito, que ele era uma pessoa de maior conhecimento e sabedoria, portador de grande estatura moral, fez ele acatar o pedido sem demonstrar mais nenhum tipo de contestação. O mesmo não aconteceu com a Srta. Kenton quando soube da notícia pelo Sr. Stevens:
- Incrível como pode falar como se discutisse os pedidos para a despensa. Não acredito! Elsa e Irma devem ser despedidas por serem judias?
- A sua senhoria tomou sua decisão. Não há o que discutirmos.
- Se elas não tiverem trabalho, serão mandadas para a Alemanha!
- Não há nada que possamos fazer.
- Estou dizendo, não está certo despedir minhas meninas amanhã. Um pecado! Um pecado muito grave.
- Há muitas coisas que nós dois não entendemos no mundo de hoje. Mas a Sua Senhoria entende. E ele analisou as maiores questões em jogo com relação, digamos, a natureza dos judeus.
- Sr. Stevens, estou avisando, se elas forem, eu saio desta casa.
- Ah, Srta. Kenton... por favor
O tempo passa... o Sr, Stevens e a Srta. Kenton então entrevistando novas candidatas, quando o senhor Stevens volta ao assunto da dispensa das duas alemãs.
- Não disse que ia embora por causa das meninas alemãs?
- Eu não vou embora. Não tenho para onde ir, não tenho família. Sou uma covarde
- Não, não...
- Sim, sou uma covarde. Tenho medo de ir embora, essa é a verdade. No mundo só vejo solidão, e isso me assusta. Meus grandes princípios não passam disso. Sinto vergonha de mim mesma.
- Srta. Kenton, você é muito importante para esta casa. É extremamente importante para esta casa.
- Eu sou?
- Sim, sim... agora vejamos, se tem certeza sobre essa jovem, melhor chama-la.
O assunto volta sobre a entrevista da candidata.
Continuando a reflexão do que pode interferir na nossa consciência, na coerência de ver, ouvir ou sentir os fatos ao nosso redor, e concluir pelo que existe de verdade ou mentira, o quanto um fato pode ser usado para construir uma falsa narrativa, o quanto a verdade pode ser omitida ou falsificada, o quanto eu devo me esforçar para procurar sempre os dois lados da questão que está em disputa.
Os diálogos mostram, num nível mais superior, o seguimento por parte de uma pessoa de bem, o Lord Darlington, de uma narrativa feita pelos nazistas, e das pessoas que sofrem ou podem sofrer os efeitos dessa narrativa.
Num nível mais inferior do processamento cognitivo, vemos também duas pessoas do Bem, com boas intenções, o Sr. Stevens e a Srta. Kenton. Ambos demonstram resistência às decisões do patrão, sendo o Sr. Stevens mais tolerante e permissivo. A Srta. Kenton apesar de demonstrar maior nível de resistência, de estar deveras escandalizada com tal procedimento, não tem coragem de não pactuar com a narrativa, com o “pecado”, como ela mesma diagnosticou, e se sente envergonhada por isso.
No Brasil, também podemos observar esses dois níveis de alinhamento cognitivo à narrativa petista, a uma narrativa que vai de encontro aos nossos princípios, como foi a narrativa nazista. As pessoas que, comparadas ao Lord Darlington, podem participar da estrutura do poder dentro de uma narrativa socialista, trabalhista, comunista, mesmo que vejam o dinheiro público sendo desviado de forma criminosa para a implementação do projeto por trás da narrativa; segundo, as pessoas de poder cognitivo inferior, que estão abaixo do nível gerencial decisório da narrativa, mas que são beneficiadas pelos gerentes decisórios. Tem aquelas que acreditam sem restrições nas decisões tomadas pelos seus patrões, e mesmo essas decisões indo de encontro aos seus princípios, eles entendem que devem redirecionar o seu juízo de valor para acatar as decisões tomadas. Outras pessoas são mais firmes na forma de entender os erros da narrativa imposta, mas se sentem medrosas e acovardadas, de não terem condições de seguirem seus princípios e abandonarem a narrativa falaciosa. Poucas são as pessoas, não foram citadas na obra, que não aceitam a falsidade ética de tal narrativa, mesmo perdendo os benefícios que elas podem ou que já estão lhe trazendo.
Eis a explicação para a situação paradoxal que existe no Brasil, onde um criminoso, julgado e condenado em todas as instâncias, mantido e preso com os direitos políticos cassados, mesmo assim aparece em primeiro lugar nas pesquisas de intenção de voto para a presidência da República.
A narrativa nazista foi derrotada após muito esforço, dinheiro e sangue derramados. Observamos que a narrativa petista em processo de degeneração, mesmo assim mostra o mesmo caminho: muito esforço, dinheiro e sangue para isso ser alcançado.