JESUS CRISTO, O PAI DAS HERESIAS E DA CONTRAMORALIDADE

Claudinho Chandelli

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Se, hoje, Jesus aparecesse no Brasil na companhia daqueles mesmos amigos (cobradores de impostos, adúlteros, estrangeiros, leprosos, cegos, coxos e toda sorte de pecadores) que os Evangelhos informam que ele andava pela Judeia e adjacências, certamente um dos lugares onde ele seria barrado era em várias das igrejas que dizem anunciar sua mensagem de amor e seguir o seu exemplo de empatia e tolerância.

Aliás, pouca coisa deixou tão irados os opositores de Jesus quanto o fato dele afirmar – ora diretamente ora através de parábolas – que, de acordo com o seu plano para a humanidade, aqueles pecadores que o acompanhavam tinham tanto direito e possibilidades de salvação quanto os que os condenavam; e mais: por diversas vezes, afirmou que aqueles precederiam, quando não substituíssem, estes no seu reino. Ao fazer tais afirmações, Jesus estava não apenas provocando a ira dos líderes religiosos da época, mas assinando a própria sentença de morte.

Já em 2010, o tema dominante das eleições presidenciais no segundo turno não foi Segurança Pública, Educação, Saúde ou Economia, por exemplo, mas o aborto, discutido muito mais como um dogma religioso do que como um problema social de saúde pública.

2018 chegou. Caminhamos – não sei com quanta firmeza – para uma nova eleição presidencial e, embora muito se fale em corrupção, [in]Segurança Pública e crise econômica, o discurso dominante que subsidia os demais e fundamenta a polarização politico-ideológica é o da moralização da sociedade. E – pra mim, o mais temerário – o principal parâmetro de diferenciação entre o que deve ser considerado moral ou imoralmente tolerável pela sociedade não é a Constituição nem as demais leis do país, mas os dogmas da religião professada pela maioria: o cristianismo. O que estiver aquém ou além desses preceitos deve ser expurgado, de acordo com entendimento dos que se autointitulam defensores da moral e dos bons costumes conforme suas interpretações dos dogmas religiosos.

A alegação principal dos pretensos arautos da moralidade é a defesa da Família que, como célula-mater da sociedade, corre perigo de iminente extinção ante os ataques sistemáticos e impiedosos impingidos por uma horda de profanos frívolos, inimigos da ordem e da decência... tudo orquestrado e patrocinado por seres mental e moralmente patológicos e seus simpatizantes, todos, pessoas nefastas, blasfemas, sem respeito pela Pátria, pela Família e, principalmente, por Deus; verdadeiros hereges – uma excrescência da humanidade.

Quem lidera essa cruzada contra os neohereges? Lógico, alguns dos mais influentes líderes professamente cristãos e a absoluta maioria da chamada bancada evangélica, composta por deputados federais e senadores declaradamente cristãos.

Brados de ordem como: “O Brasil é de Jesus!” “Em defesa da Pátria e da Família!” “Nós somos maioria; eles têm que nos respeitar!” “Estamos em guerra!” “Se você ama sua Família, reaja!” dão o tom da “santa convocação” para as novas cruzadas.

E nesse pacote de boas ações em defesa da Família, da Pátria e da moralidade divina vale, entre outras ações: exigir o retorno da ditadura militar, defender a execução de criminosos sem condenação prévia, desqualificar e criminalizar qualquer voz oponente, defender e incentivar o assassinato daqueles considerados desajustados segundo as interpretações dadas aos padrões definidos pelos oráculos sagrados, tais como presidiários pobres e ativistas de direitos humanos, ainda que sejam estes últimos autoridades eleitas e tenham a seriedade de seu trabalho reconhecida tanto pelo Estado nacional quanto por instituições internacionais... nada disso importa. O mérito é se tais pessoas se encaixam ou não nos padrões morais definidos pelos representantes de Deus na Terra.

E na mira dessa limpeza moral estão os doentes (esquerdopatas) da ala política de esquerda e todos que não são (não importa o motivo) heterossexuais ou defendem que eles têm os mesmos direitos que qualquer outro cidadão.

Sendo assim, reivindicações como: ter o nome social em cadastros públicos ou ser chamado por ele na escola, efetuar mudança de sexo através do Sistema Único de Saúde, adotar crianças, casar-se civilmente ou namorar em locais públicos – coisas que os héteros fazem livremente desde que o mundo é mundo – devem ser consideradas verdadeiros crimes de insulto e afronta a ordem pública, bem como grave ameaça a estabilidade da família, à formação das futuras gerações, à moral e aos bons costumes.

Ao meu tempo, porém, entendo que, num país do tamanho do nosso, o que nunca vai faltar é espaço para caber – sem a necessidade de extermínios mútuos – pessoas de todos os gêneros [e as de nenhum gênero também], cores, credos, etnias, classes e ideologias (desde que não atentem contra o Estado de Direito).

E como fica a moral e os bons costumes?!

Bem; quanto a isso, e passo a bola pro Filho do Carpinteiro lá de Nazaré. Afinal, foi ele que saiu com a ideia de “(...) deixai-os [trigo e joio] crescer juntos até a colheita (...)”.

Portanto, mediante este e outros posicionamentos do Jovem da Galileia, sinto-me compelido a concluir que se o ato de permitir que pessoas com comportamentos reprováveis segundo os dogmas do cristianismo acessem os mesmos direitos sociais e ocupem pacificamente partes dos mesmos espaços que usufruem aquelas cujo comportamento se harmonizam com tais dogmas deva ser considerado crime, heresia e atentado à moralidade e aos bons costumes, ele, Jesus Cristo é, portanto, o pai da heresia e de toda contramoralidade; afinal, repito, foi dele – não dos “esquerdopatas” – a ideia (ou sentença) de permitir que “trigo e joio” dividam o espaço da seara – sem nenhuma interferência externa – até a colheita, que, por sinal, será ordenada, no tempo hábil, por ele, a ser realizada por “ceifeiros” devidamente qualificados e designados também pelo próprio.

Mas é apenas um despretensioso palpite, nada mais!