Ponderações
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Ponderações
O problema da violência urbana brasileira estaria diretamente vinculado à quantidade de policiais nas ruas ou o erro é estrutural, de base, formação ou deformação do cidadão, ainda na infância, na mais tenra idade, e na adolescência?
Não faz muito tempo, tínhamos famílias numerosas, com muitos filhos e agregados, mas bastava um olhar do pai ou da mãe para que o rebento entendesse o recado. Hoje, os pais estão parcialmente "proibidos", foram tolhidos, mitigados do poder de educar, de corrigir, de orientar – o pater poder está entre o inócuo e o risível. Os excessos – muitos ligados apenas a modismos oportunistas de grupos – são puníveis. Sem entenderem o pano de fundo subliminar de muitas bandeiras e gritos de guerra, filhos estão sendo orientados para que se rebelem diante de qualquer atitude enérgica dos garantidores, desvinculando a ação de qualquer efeito benéfico posterior. Atitudes criminosas devem ser coibidas, efetivamente que sim, mas as reações não podem ser lineares e descontextualizadas, criando instabilidades, dúvidas e omissões, por medo de agir, nos pais. Muitos pais estão assustados, acreditando não saberem mais educar. Tudo foi empacotado e prensado, num engodo de maldades que, em nome da liberdade e da dignidade, por meio de argumentos obtusos, implica a transferência precoce e irresponsável do ato de educar.
Criamos uma geração cheia de regalias e de mimos que não sabe nem entende o valor providencial da frustração e do "Não!". Inventamos uma geração que não entende que é a partir de um dever exercido que emerge a possibilidade de persecução de um direito. O dever é anterior ao direito. E a justiça também. Quando tudo é permitido e há demasiada permissividade, perde-se a noção de limites, de alteridade. Se tudo posso e, diante de qualquer manifestação contrária aos meus anseios momentâneos e egoístas, basta revestir-me de vitimismo e evocar todo um arcabouço social e jurídico que me bolhifica, por que e para que respeitar limites sociais? Por que e para que respeitar pais, autoridades? Por que e para que cultuar bons valores, quando os “maus” me bastam e me dão suporte social e jurídico?
A sociedade está liquefeita e se rarefez do essencial: do bom senso, da tolerância, da decência, da verdade e dos aspectos naturais que tilintam em nossas consciências. Embora percebamos a insensatez de muitas ações individuais e coletivas, silenciamos em razão de plêiades que professam e gritam desvalores. Não somos deuses, mas seres – racionais, limitados, falhos, pecadores. Urge que nova voz clame no deserto. A corrupção que ora nos sufoca não é estanque nem surgiu do caos. Ela se manifesta na desconstrução antropológica de homens que se sucedem no tempo e no espaço, modificando, inclusive e perigosamente, o entendimento jurídico, adredemente contaminado. A impunidade, que não nos condena a própria consciência, instala-se, também, quando nossa revolta não está no sistema existente, mas na impossibilidade de a ele pertencer, perpetuando os desvarios da ação delituosa. Infelizmente, este ainda é o pensamento de muitos e ouvir declarações nesse sentido nos preocupa. Entretanto, apesar de todas as dificuldades, o grito dos bons está emergindo e ganhando força. Ainda há esperança.
Não há culpados pontuais nem fatores isolados que mereçam a crucificação. O sistema está configurado para funcionar assim, mas não precisa ser eternamente dessa forma. Não culpemos a Polícia nem a política nem a justiça, simplesmente, mas a nossa íntima incapacidade de vigiar e de agir coletivamente contra o mal que nos apavora.
Publicado no Jornal a Praça, em 12/05/2018.
Iguatu-CE
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