OS FILHOS DE MIRABETE

"Onde o Estado é tudo,

o cidadão é nada".

(Tobias Barreto, jurista e poeta brasileiro)

Quem assistiu ao filme "A troca", com Angelina Jolie e direção de Clinton Eastwood, e prestou atenção na história e narrativa, dará razão à citação de Tobias Barreto.

Se tem uma coisa que gosto no norte-americano comum, é que ele ama a verdade, despreza a mentira e procura aprender com erros.

O filme conta a história real, (e inacabada), de uma mulher solteira que vive no melhor dos mundos, crente nas instituições, no Estado e nas leis, até que tem o filho de nove anos sequestrado.

A história se passa no início do século passado e ganhou manchetes de jornais e a atenção do público.

O Estado, (cuja face se revela nos policiais, procuradores e juízes, etc.), devolve-lhe um menino semelhante, da mesma idade do que ela perdeu.

Divulga nos jornais que solucionou o sequestro e devolveu a criança. Cumpriu o seu dever de Estado.

Como Jolie não reconhece no menino o filho perdido, o Estado (através dos seus membros), diz que ela está "louca" e "quer subverter a ordem legal".

Não bastam os testemunho dos conhecidos, professores, vizinhos, amigos, etc.

Doravante, restará à ela lutar com dois problemas: encontrar o filho verdadeiro, desaparecido; e lutar contra o Estado para provar que está mentalmente sadia.

É como acusa um personagem a certa altura do filme à Jolie: "Se você mãe, não reconhece no menino o seu filho é porque está louca. PARA VOCÊ ESTAR CERTA, O ESTADO PRECISA ESTAR ERRADO !"

A história é tão absurda que se não fosse verdadeira ninguém acreditaria.

Exatamente como diz Tobias Barreto:

"quando o Estado é tudo, o cidadão é nada !".

Há uns vinte a quinze anos passados os concursos públicos no Brasil, para juízes, promotores, delegados, etc., na maioria dos Estados, adotava as doutrinas e os livros de direito criminal, (material e processual), de Julio Fabrinni Mirabete, procurador e professor de direito paulista.

O candidato que não soubesse Mirabete na ponta da língua não passava nos concursos.

Isso era fato conhecido pelos "concurseiros".

Tenho os livros de Mirabete aqui em minha biblioteca, volumes grossos, ricos de textos e jurisprudência, que li por dever de ofício.

Nunca gostei !

Ele dá à doutrina criminal a visão Estatal, fascista;

na cega obediência ao que está escrito, mesmo que a realidade não se encaixe.

O cidadão, (que é a realidade), em Mirabete não é importante;

nele, importante é o texto legal, ou seja, "o que é inventado".

E "os interesses da coletividade", (outra abstração).

Caberá a Deus definir o que seria "interesses da coletividade".

Com certeza, os miseráveis, os sem tetos, os sem alimentos, não estão incluídos, porque contra estes, Mirabete é inclemente.

Na época, mais de uma vez debati com amigos, operadores de direito, que o Estado ao exigir o candidato a escolher Mirabete para ser aprovado, entrava por um caminho perigoso.

Não estou a criticar o autor, que certamente é muito mais inteligente e realizado do que eu.

Mas formei-me em direito, (curso noturno), lendo Nelson Hungria, Magalhães Noronha, Celso Delmanto, etc.

Neles cumpriam-se o mandamento constitucional: "o cidadão é tudo".

Eram pessoas e escritores que exerceram a advocacia, conheciam a realidade da vida, que desenrola-se nas ruas, nos quintais, nas oficinas...

Nos tribunais, nas repartições públicas, a vida é outra.

A aridez das análises de Mirabete, profissional exclusivamente estatal, transmite aos seus alunos análises desassociados da realidade social brasileira.

Converte as leis, palavras e ensinamentos jurídicos em alguma coisa semelhante a um pássaro empalhado:

rígido, desbotado, triste e sem vida.

Tribunais e repartições são necessários, no entanto, transformaram-se em "palácios de espelhos":

onde homens do poder ficam confinados num ambiente asséptico,

lendo uma verdade narrada em peças processuais,

criticando ou elogiando o trabalho e postura um do outro,

falando aos "espelhos" e aos "reflexos",

enquanto a vida se acumula lá fora.

Se você, incauto leitor, duvida, basta assistir ao canal TV do Judiciário / STF.

Um dia, o peso da realidade derrubará esse "palácio"

e a luz da vida das ruas, dos quintais, das oficinas, cegará a todos eles, confinados naquele ambiente de "aparências", que acostumaram a se olharem à meia luz.

Já está a acontecer.

Mirabete já não é uma unanimidade; perdeu muito espaço para autores novos, (na minha opinião melhores), mas o mal já está feito.

Os concursados aprovados por saberem exclusivamente Mirabete, fizeram carreira e hoje estão em muitos comandos.

Discípulos, aplicam as leis da maneira que aprenderam.

E são incapazes de compreender porque toda aquela doutrina e sapiência do professor, é incapaz de consertar a realidade:

ao invés solucionar conflitos, eles estão a aumentar;

ao invés de recuperar criminosos, o crime prospera; etc.

Desalento é o que sinto, e

fico a invocar a profecia de Tobias Barreto:

"Quando Deus formou o mundo,

Pra castigo de infiéis:

Deu ao Egito gafanhotos,

Ao Brasil deu bacharéis."

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INFORMAÇÕES ADICIONAIS SOBRE O TEXTO ACIMA:

Tobias Barreto de Meneses (7 de junho de 1839 - 26 de junho de 1889) foi poeta, filósofo e jurista. Nasceu na Vila de Campos do Rio Real (rebatizada de "Tobias Barreto" em homenagem a ele em 1909), cidade do sul de Sergipe.

Ainda, para ilustrar o texto acima, transcrevo parte do seu ensinamento no discurso de paraninfo em 1870, na Faculdade de Direito de Recife:

'É preciso pensar por nossa conta.

Ninguém, mais do que eu, está sempre disposto a reformar,

a abandonar mesmo, como imprestáveis,

as opiniões mais queridas,

quando recai sobre elas qualquer suspeita de erro.

...

Quero ver razões que me convençam.”

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FILME CITADO:

“Changeling” , no Brasil “A Troca” é um filme americano de 2008, dirigido por Clint Eastwood, escrito por J. Michael Straczynski e estrelado por Angelina Jolie, sobre uma história ocorrida em Los Angeles.

A verdadeira história poderia nunca ter sido exibida para o mundo, já que sua documentação iria ser queimada pela Prefeitura de Los Angeles.

Só o fato de os documentos terem ficados em sigilo e seriam queimados, o leitor pode perceber o quão estranho foi o desenrolar desta narrativa da vida real.

Tudo começou em 10 de março de 1928, quando o menino de 9 anos Walter Collins desaparece da própria casa sem deixar pistas. Ele é filho da mãe solteira, forte e determinada Christine Collins, que deu queixa de seu sumiço à polícia de Los Angeles, onde moravam.

Pressionada pela mídia o Estado lhe dá outro filho; (anos mais tarde este garoto declarou que ajudou a mentir porque “queria um lar e uma mãe"

.

Por mais louco que possa parecer, a polícia de Los Angeles simplesmente colocou outro garoto no lugar do verdadeiro Collins, completamente diferente, e forçou a mãe a aceitá-lo.

Inclusive internando-a num Hospital Psiquiátrico por anos.

As atuações brilhantes de Jolie e John Malkovitch não foram suficientes para evitar algumas críticas ao filme, sob alegação de ser muito longo e lento.

Clint Eastwood, (melhor diretor da atualidade), defendeu-se dizendo que assim o fez de propósito, para que o espectador sentisse a mesma angústia, tardança e maldade Estatal que a mãe sofreu na vida real.

Christine Collins, a mãe do garoto desaparecido e trocado pelo Estado, faleceu em 08 de dezembro de 1964, sem nunca reencontrar o filho.

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SOBRE OS DEFEITOS DOS CONCURSOS PÚBLICOS LEIA:

DR. FERNANDO FONTAINHA, autor de “PROCESSOS SELETIVOS PARA CONTRATAÇÃO DE SERVIDORES PÚBLICOS – BRASIL O PAIS DOS CONCURSOS”; o autor é professor e pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ) e doutor em ciência política pela Université de Montpellier 1 (UM1), na França.

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Obrigado pela leitura.

Fiquem com Deus.

Sajob, maio de 2015 + 3