LEMBRANÇAS DOLORIDAS DE MINHA INFÂNCIA
Prólogo
“O que não é seu é de outra pessoa” – A bendita frase foi dita a mim, por minha mãe, no ano de 1953, depois de me dar uma forte palmada. Naquele venturoso ano eu estava com 4 (quatro) anos de idade. Isso aconteceu há 65 (sessenta e cinco) anos, mas, é como se houvesse ocorrido hoje.
Fui castigado ao relutar para não devolver um brinquedo que não me pertencia. Na ocasião minha mamãe deu-me uma forte palmada na bunda. Tão forte foi a pancada que ainda hoje sinto arder não no corpo físico, mas, no espírito e no ego em demasia.
ACONTECEU HOJE COMO OCORREM TODOS OS DIAS
04h25min – 02 de maio de 2018. Fazia frio mas não estava chovendo. Meu cachorro Hulk latia baixo para não acordar os vizinhos, mas, seu latido era suficientemente alto para me alertar de que já era hora de nosso passeio matutino. Desliguei os sensores de movimentos, escovei os meus dentes, fiz minha prece agradecendo por estar me sentindo ótimo e disposto para encarar mais um dia de estudos, pesquisas e trabalhos profícuos.
Um latido mais forte de meu velho menino Hulk lembrava-me duas coisas: 1. Ele estava ansioso e apertado para fazer suas necessidades; 2. Precisava, como sempre faço, conduzir um saquinho plástico para recolher os dejetos do Hulk. Essa principal lembrança veio a calhar porque o dia de hoje é considerado o DIA DA ÉTICA. Deveria eu escrever algo sobre essa palavra tão banalizada e ao mesmo tempo pouco ou nada compreendida?
SOBRE O DIA DA ÉTICA
Ética, geralmente, é um valor social que identifica, qualifica e guia princípios universais e crenças e ações humanas. A palavra "ética" vem do grego “ethos” e significa aquilo que pertence ao "bom costume", "costume superior", ou "portador de caráter".
Então posso citar a minha correta ação de portar sempre um saquinho de plástico (poderia ser de outro material) para recolher os dejetos de meu cachorro como um ato ético? Pelo “bom costume” sim. Ora, quem tem princípios e valores para decidir, avaliar e julgar está submetido ao campo da ética.
Portanto, quando alguém tem o bom senso para avaliar, julgar e decidir o que é certo ou errado esse alguém está de acordo com os bons usos e costumes. Entendo que não é correto dizer: “Henrique não tem ética”. Isso não é certo porque não existe “falta de ética” em alguma ação errada cometida por quem quer que seja.
Explico melhor escrevendo: Quando alguém deixa de fazer algo correto segundo os padrões de um determinado grupo social esse alguém agiu de forma contrária a ética do grupo social em que convive. Isto porque ele poderia avaliar, julgar e decidir a melhor ação. Melhor explicaria isso a palavra livre-arbítrio.
O LIVRE-ARBÍTRIO
Livre-arbítrio é o poder que cada indivíduo tem de escolher suas ações. O real significado de livre-arbítrio tem sentidos religiosos, psicológicos, morais e científicos. Para algumas pessoas o livre-arbítrio significa ter liberdade, e muitas vezes confundem com desrespeito e falta de educação.
Eu poderia escolher sair com meu cachorro e não recolher os dejetos dele. Nesse caso eu seria um mal-educado e estaria cometendo um erro segundo os padrões de meu grupo social. Não faço assim: Fui educado na base da pancadaria, mas, aprendi a duras penas os bons princípios e valores para avaliar, julgar e decidir. Certamente faltou isso para a maioria dos caricatos politiqueiros hoje investigados, processados, julgados, condenados e presos.
A maior dificuldade do livre-arbítrio ocorre quando o indivíduo enfrenta o dilema opcional entre a liberdade e a autonomia. É nesse exato momento que surge a dúvida ou conflito para julgar, avaliar e decidir.
Portanto, entendo que até na educação dos nossos filhos devemos controlar o binômio autonomia e liberdade. Lembro-me de quando criança (4 anos) eu estava com minha mãe na residência de uma família muito abastada. Refiro-me à família Aquino de Morais estabelecida no Rio Grande do Norte.
Naquela casa, pertencente a D. Luzia e Seu Pedro Aquino (Próspero comerciante na cidade de Mossoró, RN), minha mamãe, às vezes, trabalhava como diarista. Não tendo com quem me deixar levava a mim e outro irmão a tiracolo (como se fossemos coisas) e eu gostava em demasia. As crianças da mansão tinham brinquedos como num parque de diversões. Havia velocípedes, bolas de vários tamanhos, patinetes elétricos, bolinhas de vidro, jogos de botões, carrinhos e carrões.
O QUE NÃO ERA MEU ERA DE OUTRA PESSOA
Na brinquedoteca do casarão tudo era novo, bonito, colorido, iluminado e musicado. Nessa casa que, mais parecia um castelo encantado, o lanche, a alimentação de um modo geral, era gostoso, abundante e variado.
O ruim era voltar para meu casebre quando mamãe terminava o trabalho. Não tanto pela alimentação, mas sobremaneira pelo abandono dos brinquedos chamativos. Num desses dias de trabalho pesado de minha mãe eu tive a maior lição de minha vida. Aprendi que: O que não era meu era de outra pessoa.
O carrinho de Marquidones andava sozinho. Era colorido. Tinha buzina. O motor e as luzes dos faróis funcionavam como um carro de verdade. Ora, em minha casa, eu brincava com um ferro velho de passar roupas, daqueles que eram enchidos com brasas para aquecer e passar nas roupas engelhadas. No momento de sair para voltar para casa eu tive a infeliz ideia e quis levar ostensivamente o carrinho comigo. O eu criança, de apenas 4 anos, decidira se apossar do que não lhe pertencia.
O choro convulso era plangente. Ao relutar para não devolver o brinquedo alheio minha mamãe deu-me uma forte palmada na bunda. Tão forte foi a pancada que ainda hoje sinto arder não no corpo físico, mas no espírito e no ego em demasia.
Eu não compreendia o porquê de não poder levar um brinquedo tão lindo, tão de acordo com meus anseios de criança. Foi nessa ocasião que minha mamãe, mesmo sendo analfabeta, disse a frase mais bonita e sonora que jamais ouvi em toda a minha vida: “O QUE NÃO É SEU É DE OUTRA PESSOA!”.
CONCLUSÃO
Sei que muitos dos meus notáveis leitores e demais semelhantes certamente não compreenderão este texto. Alguns até vão pensar e/ou verbalizar: “Wilson está apelando pela emotividade...”. Não. Não é este o caso. Não faria isso mesmo se existisse apenas um único leitor do que satisfeito e muito feliz escrevo.
Mas, se hoje sei quando dizer “SIM” ou “NÃO”, se consigo avaliar, julgar e decidir a melhor ação a ser praticada para conviver pacificamente com minha família e com os meus semelhantes é porque senti a forte palmada e ouvi a frase “O QUE NÃO É SEU É DE OUTRA PESSOA!”. Isso aconteceu quando eu era criança, isto é, na ocasião mais oportuna para educar.
Os corruptos denunciados, investigados, processados, julgados e condenados vivem em constante dilema ético exatamente pelo fato de terem autonomia e liberdade para “casar e batizar” como dizia minha falecida mamãe Júlia. A palmada que recebi quando criança eles (Os bandidos travestidos de políticos), certamente não receberam. Ninguém lhes falou que a coisa pública não lhes pertence.
A ética é o conjunto dos princípios e valores. Essa ética PODE E DEVE ser transmitida por educação familiar. Quando isso não acontece as leis fortes, se aplicadas, por meio do devido processo legal e amplo direito ao contraditório, mostrarão aos relapsos a melhor conduta moral. Essa crise moral que hoje vivenciamos pode ser muito bem explicada, mas não justificada, pelas palavras do nobilíssimo Ruy Barbosa de Oliveira:
“De tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantar-se o poder nas mãos dos maus, o homem chega a rir-se da honra, desanimar-se de justiça e ter vergonha de ser honesto.”. Ruy Barbosa foi um polímata brasileiro, tendo se destacado principalmente como jurista, advogado, político, diplomata, escritor, filólogo, jornalista, tradutor e orador.