A intolerância mata,
mas o legado eterniza


Mata o corpo físico, mas não a alma, não a luta, não a história, não o legado. A vida do pastor batista e ativista político Martin Luther King, assassinado aos 39 anos em 4 de abril de 1968, é a prova cabal disso.

O preconceito racial nos Estados Unidos sempre foi ostensivo: cada um no seu quadrado, sem mistura. Só que o quadrado dos brancos era o melhor e tinha prioridade. Essa história é por demais conhecida, nem vou entrar em detalhes. O fato é que King exerceu grande liderança na mobilização civil contra a segregação racial naquele país e, devido a posição de destaque da superpotência ianque, acabou por influenciar essa luta em todo o Ocidente.

O preconceito leva à intolerância e esta é a ante-sala do ódio social, o ódio que sai do particular e se generaliza, atingindo indistintamente a todo um grupo social. É uma forma superlativa de ódio, que gera uma grande repercussão no cotidiano, geralmente descambando para a violência física socialmente difusa que se autojustifica pela ideologia reacionária em que está baseada. King, mesmo tendo recebido o Prêmio Nobel da Paz pelo seu ativismo social não violento, foi uma vítima simbólica dessa violência oriunda da ideologia do ódio e da intolerância.

A vereadora do Rio de Janeiro Marielle Franco, assassinada recentemente aos 38 anos, tem como ponto de intersecção com King exatamente o fato de ser uma pessoa negra que atuava contra o preconceito racial. Também levantava, assim como Martin, outras bandeiras, mas o que quero destacar nesse texto é esse ponto de intersecção. O real motivo da execução de Marielle ainda é um caso a ser desvendado pela investigação policial, todavia, como o do pastor estadunidense, ele, com toda certeza, está ligado a sua militância política.
King já era uma personalidade internacional quando foi assassinado, enquanto a parlamentar municipal carioca era uma figura local que, ao ser morta, ganhou projeção em todo o planeta. As balas que silenciaram King e Franco ampliaram suas vozes e expandiram o alcance das posições que defendiam. Um exemplo? As cotas raciais utilizadas no Brasil são inspiradas em políticas afirmativas semelhantes implantadas nos Estados Unidos na década de 1960, fruto das lutas por igualdade racial do período.

Nessa semana que marca em todo o mundo os 50 anos do assassinato de Martin Luther King, é importante refletirmos sobre a atualidade de seu legado, usando-o como luz sobre situações análogas, em diversos locais do globo, como é o caso de Marielle, visto que, assim como ele mesmo disse, “a injustiça num lugar qualquer é uma ameaça à justiça em todo o lugar”. E podemos entender essa frase tanto no espaço quanto no tempo.


Texto publicado no jornal Portal de Notícias em 05 de abril de 2018: http://www.portaldenoticias.com.br/ler-coluna/552/a-intolerancia-mata-mas-o-legado-eterniza.html