MINHA EDUCAÇÃO CRISTÃ
MINHA EDUCAÇÃO CRISTÃ
Fui criado por minha avó, que tinha mais preocupação com a sobrevivência do que com a religião. Mas ela tinha sob sua responsabilidade uma criança que logo seria um adulto e um potencial arrimo para sua vida. Então, ela não podia deixar essa criança ao seu bel prazer, induzida pelos prazeres do corpo ou tentativas do “cão”, como ela costumava dizer quando eu fazia algo errado.
Essa questão do “politicamente correto” com relação a educação das crianças, que não deviam ser exploradas no trabalho, espancadas ou perder tempo com brincadeiras, não existia para mim. As brincadeiras eram mais uma exceção do que regra, e mais ainda, não podia sair para me envolver com os “meninos perdidos” da rua. Teria que brincar sozinho em casa, usando minha imaginação, adubada pelas revistas em quadrinhos que eu colecionava com sofreguidão. Até com os meus irmãos que moravam com minha mãe, era difícil a aproximação. Eu teria que conduzir um carrinho de confeitos para vender balas e cigarros nas portas dos cinemas e na frente da boate da minha avó, sistematicamente, principalmente nos feriados e fins de semana. Também ajuntava algum dinheirinho levando um galão de água nos ombros, abastecido de uma cisterna pública para os potes das casas. Isso fortaleceu o meu corpo, enquanto as brincadeiras que eu fazia sozinho fortaleceu o meu espirito. Nas brincadeiras eu me associava aos artistas, aos mocinhos que enfrentavam os bandidos e colocava essa fantasia nas tampas de garrafas que se defrontavam umas contra as outras nos eterno duelo do bem contra o mal. Sofria bastante quando, apesar de toda a minha torcida, as equipes do mal ganhavam alguma batalha contra o bem.
A religião era apenas um detalhe, uma estratégia da minha avó para me manter afastado dos vícios, e sobre os quais ela garantia nossa sobrevivência, ao mesmo tempo que eu me aproximava de pessoas mais conceituadas na sociedade. Mas a minha timidez excessiva atrapalhava os seus planos, até as garotas pela qual eu ficava enamorado, não tinha coragem de chegar perto, nem de trocar algum olhar afetivo. A minha avó chegava a recorrer à forças espirituais, quando se sentia ameaçada por algum concorrente na área do divertimento sexual e etílico. Fui testemunha de algumas de suas manifestações, de encarnações de espíritos, que curavam, orientavam e prejudicavam os outros em troca de algo. Vi alguns sortilégios que eram usados contra ela e outros que ela usava contra seus concorrentes. E via os seus efeitos, podia ser coincidência, mas parecia que os espíritos cumpriam suas promessas, não importava o conteúdo ético delas.
Nesse período, a religião, o cristianismo era simplesmente um motivo para sair de casa e ter uma tarefa diferente. Nem a ajuda que eu dava nas missas, nem o trabalho que eu tinha quanto escoteiro em auxiliar na condução das procissões, deixou nada impregnado em minha mente. O que ficou mais impregnado, era o fato das brigas com facas no meio da rua, onde a morte rondava os oponentes; era chegar da escola e ver agonizando na calçado uma pessoa esfaqueada, com uma vela que haviam lhe posto nas mãos; era os dias de chuva, onde eu colocava o meu calção e ia tomar banho nas biqueiras e adorava quando tinha alguma menina para eu ficar roçando displicentemente o meu corpo molhado nelas, que aparentemente gostavam também da situação. A questão do onanismo também surgiu naturalmente, com a curiosidade com o meu corpo e o prazer que aquela movimentação proporcionava. Nunca a religião chegou a ser obstáculo para isso. A minha consciência estava mais associada as fantasias que eu produzia nos momentos lúdicos que eu encontrava, também uma atividade solitária.
As rezas que aprendi simplesmente faziam parte de um ritual, que não chegava a ser ameaçador nem protetor para mim. O meu mundo real era a imaginação romântica que eu fazia dos relacionamentos e do futuro que um dia chegaria.
Não tive motivos para abandonar um Cristo que eu ainda não conhecia tão bem como hoje.