"QUE ESTÁ ESCRITO NA LEI?"

“Então Jesus lhe perguntou:

Que está escrito na Lei? Como interpretas?”

Lucas 10: 26.

Em novembro do ano passado, postei em redes sociais algumas considerações básicas sobre a cultura brasileira nada republicana de considerar feriado qualquer dia útil, desde que seja conveniente aos interesses de determinadas pessoas ou segmentos.

No ensejo de fundamentar as ponderações que fiz, empreendi uma breve e superficial pesquisa sobre o tema, cujas conclusões exponho nesta sucinta abordagem.

A rigor, no Brasil, apenas a União (leia-se Governo Federal) pode tratar do assunto; isso porque todo feriado implica em suspensão do trabalho formal e, de acordo com o Artigo 22, I, da Constituição Federal/1988, “Compete privativamente à União legislar sobre direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho (itálico e negrito acrescidos).

A Lei Federal 9093/05, diz, textualmente, o seguinte:

Art. 1º São feriados civis:

I – os declarados em lei federal;

II – a data magna do Estado fixada em lei estadual;

III- os dias do início e do término do ano do centenário de fundação do Município, fixados em lei municipal (incluído pela Lei 9335/96).

Art. 2º São feriados religiosos os dias de guarda, declarados em lei municipal, de acordo com a tradição local em número não superior a quatro, neste incluída a Sexta-feira da Paixão.

À luz da a lei supra, a competência de estados e municípios quanto à decretação de feriados limita-se a escolha das datas, simplesmente; uma vez que a quantidade, tanto de feriados civis quanto religiosos, já está estipulada pela lei maior (de âmbito federal).

A Lei 9093/05 classifica em três os tipos de feriados civis: os declarados em lei federal; a data magna do Estado e o último dia do ano de centenário do Município (considerando que o primeiro [de janeiro] já é feriado decretado por lei federal); e reserva ao Município três dias para a definição (através de lei, não de decreto) de feriados religiosos – considerando que a Sexta-feira Santa, por essa mesma lei, já está previamente inclusa no pacote de competências municipais sobre o assunto.

Sendo assim, o resumo seria: além dos feriados assegurados por lei federal, compete a cada estado a decretação (através de lei) de apenas um (e não mais que um) feriado civil (a data magna do Estado) – isso é tudo que o Estado tem direito em termos de decretação de feriado. Já o município pode decretar (também através de lei), além de um feriado civil (para os municípios com cem, duzentos, trezentos...anos), três religiosos – “de acordo com a tradição local”

Importante: partindo da premissa legal, até completar seu primeiro centenário, o município só tem competência pra legislar sobre feriado se este for religioso [Mas isso é objeto pra outra discussão].

A mesma lei diz que “são feriados os declarados em lei federal”.  E quais são, afinal, os feriados declarados em lei federal? A famosa terça-feira de carnaval, por exemplo, é feriado?! E o 20 de Novembro?! E a Sexta-feira Santa é feriado nacional, estadual ou municipal?

São duas as leis que tratam desse assunto.

A mais recente (6802/1980) determina:

Art. 1º É declarado feriado nacional o dia 12 de outubro, para culto público e oficial a Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil [itálico acrescido].

Note-se que esta é uma lei religiosa que, mesmo num país laico, decreta um dia para o culto público e oficial. Observe-se também que, embora a figura homenageada (Nossa Senhora Aparecida) seja reverenciada por apenas uma matriz religiosa (a Católica Romana), a obrigatoriedade, senão do culto mas da cessação do labor formal, impõem-se a todos os brasileiros – e, por extensão, aos estrangeiros que por aqui estejam ou habitem –, em todo o território nacional, uma vez que, como diz a máxima do Direito, “perante a lei, todos são iguais: em direitos e obrigações”, a menos que a própria lei discrimine eventuais particularidades, o que não se aplica ao caso. A lei ainda consagra Nossa Senhora como Padroeira do Brasil, quando deveria nominá-la Padroeira dos Católicos do Brasil – assim como Jesus não é o Salvador do Brasil, mas dos cristãos brasileiros.

Em nota técnica sobre o assunto, o assessor legislativo José Antonio Osório da Silva (2013) adverte: “Não há razão nem espaço, num ambiente republicano e laico, para que atos do Poder Público tenham como ‘motivação’ algum evento ligado a credo de natureza religiosa” [Mas isso é outra história].

Prossigamos com nossa análise. A outra lei federal (mais antiga), nº 662, de abril de 1949, determina:

Art. 1º São feriados nacionais os dias 1º de janeiro, 21 de abril, 1º de maio, 7 de setembro, 2 de novembro, 15 de novembro e 25 de dezembro (itálico acrescido).

Assim, temos, ao todo: 07 (sete) feriados nacionais, 01 (um) feriado estadual e, no máximo, 05 feriados municipais, sendo 04 (quatro) religiosos e, a cada 100 anos, 01 (um) civil. Ou seja, a União e os municípios legislam sobre feriados civis e religiosos, e os estados, apenas sobre (um) feriado civil.

Duas considerações interessantes: 1) quem, na verdade, legisla é a União [ratificando], quando define as quantidades de feriados, deixando para os demais entes as definições de datas e, no caso dos municípios, a razão ou justificativa; 2) em termos de feriados religiosos, o legislador colocou o Município como a esfera mais privilegiada das três, legando-lhe competência para definir 04 (quatro), enquanto a União define 03 (três), e os estados, nenhum feriado dessa natureza. 

Respondendo as provocações há alguns parágrafos, as respostas são, respectivamente: não, não e depende. Ou seja, terça-feira de carnaval e 20 de novembro não são feriados, e a sexta-feira santa depende da sanção do gestor municipal: se houver lei, é feriado municipal; não havendo lei, não é feriado, já que a lei federal não determina o dia como feriado nacional, apenas obriga os municípios a incluí-lo entre os 04 (quatro) feriados religiosos sobre os quais lhe compete legislar caso entenda ser necessário.

Pelo rigor da lei, teríamos, ao longo de um ano, 12 (e a cada 100 anos, 13) feriados oficiais: 07 (sete) nacionais, 01 um estadual e 04 municipais.

E como fica a estória de que no Brasil há excesso de feriados?!

Depende do que se considera feriados. Informações extraoficiais dão conta de que outros países da América Latina e até do primeiro mundo têm bem mais feriados do que nós. Porto Rico: 20; Chile: 16; Japão: 19 – considerando apenas os feriados nacionais desses países.

E os famosos pontos facultativos?!

O legislador não esqueceu dessa parte.

Os chamados “pontos facultativos” (sic) que os Estados, Distrito Federal ou os Municípios decretarem não suspenderão as horas normais de ensino nem prejudicarão os atos de vida (Lei Federal 662, de 06 de abril de 1949, Art. 3º).

A despeito do silêncio da lei neste ponto a respeito dos decretos presidenciais sobre o tema, no que respeita a decretação de ponto facultativo pelo Distrito Federal, Estados e Municípios, não resta nenhuma dúvida: estes (decretos) não têm nenhum poder para suspender aulas, como comumente lhes são atribuídos.

Por outro lado, a escola não precisa necessariamente de um decreto do gestor maior para alterar, uma ou outra vez, sua rotina pedagógica nesse quesito.

Primeiramente, há uma legislação federal (Lei 9394/96-LDB) que fixa o mínimo de (200) dias letivos que a escola deve ofertar e, segundo, não faz sentido algum a escola dispor de instrumentos que asseguram sua autonomia, como o Projeto Pedagógico, Regimento Interno e Conselho Escolar (pra citar alguns) e, mesmo assim, depender de um decreto que a ela não se aplica para, só então, fazer ajustes em seu calendário letivo. Em outras palavras, nesse particular, a Comunidade Escolar, quando devidamente organizada e comprometida com seu dever, encontra-se mais legalmente investida de competência pra "decretar” dias de trabalho facultativo em relação às atividades escolares do que o governador ou o prefeito, uma vez que os decretos editados por estes, por força de lei federal, não são extensivos às atividades de ensino.

Pra mim, está claro que é mais coerente, mais sensato, mais transparente e melhor se amolda aos pressupostos da tão decantada gestão democrática que tal facultatividade esteja assegurada no Regimento da Escola, ad referendum da Assembleia Geral da Comunidade Escolar, e não em decretos da instituição mantenedora que, a despeito de qualquer status, não tem competência legal pra tanto.

Há, aqui, ainda outro agravante. Diferentemente da deliberação da Assembleia da Comunidade Escolar, o decreto governamental para este fim é quase inexequível, já que o próprio termo “facultado” significa que os servidores que, sem necessidade de justificativa, quiserem trabalhar no tal dia, terão que ter o seu direito respeitado – a decretação de ponto facultativo não deve ser assimilada como cessação compulsória de trabalho para todos; é apenas uma opção para os que julgarem conveniente aderir. É desnecessário afirmar que numa escola tal determinação é impossível de ser adequadamente cumprida quando, por exemplo, quem ministra aulas decide trabalhar e quem prepara a merenda decide feriar – ou o contrário.

Abusando um pouco do tempo e da paciência do leitor, repito aqui duas inferências que fiz quando da postagem referida na introdução: 1) as famílias dos estudantes têm seu planejamento particular, o qual a Escola [nem ninguém] não tem o direito de atropelar com seus dias facultados “surpresa” – muitas vezes sabidos através de terceiros; 2) para uma instituição cujo objetivo principal é impregnar a mente (e o cotidiano prático) de crianças e jovens com cidadania, tal prática acaba por desenvolver a péssima assimilação de que lei é apenas uma sugestão – a gente cumpre quando nos é conveniente. Invalida-se, dessa forma, a máxima “dura lex sed lex” (a lei é dura, mas é a lei) - pra mim, a parte mais prejudicial de tudo isso. E ainda, com frequência, nos perguntamos, com ar de surpresa e indignação, por que somos uma sociedade tão relapsa (e tão dissimulada) quanto ao respeito à legislação.

Portanto, quando, motivado por notícias de decretos editados ou que se aventa editar (por governador, prefeito e até por secretários), alguém lhe perguntar se “amanhã vai ser feriado”, uma reação adequada pode ser: respire fundo e, com a devida urbanidade que a situação exige, responda: “Não sei! Que está escrito na lei?!”

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Serviram de base para a construção desse introito:

O Bom Samaritano (O Evangelho Segundo Lucas, 10: 26.

A Bíblia Sagrada. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1993).

Constituição da República Federativa do Brasil (Brasília: Senado Federal, 2016).

Competência de Estados e Municípios para Criação de Feriados Civis, 2013

(José Antonio Osório da Silva)

Disponível em: http://www2.camara.leg.br/a-camara/documentos-e-

pesquisa/estudos-e-notas-tecnicas/areas-da-conle/tema6/2013 5376.pdf

Acessado em: 01.01.2018.

Dúvidas Frequentes. Disponível em: https://sites.google.com/site/feriadosnobrasil/

Acessado em: 01.01.2018.

Dicionário Michaelis. São Paulo: Melhoramentos, 1998.