Tragédias cotidianas
Segundo especialistas, “mais de 13% dos homicídios no mundo acontecem em solo brasileiro”. Trata-se de epidemia responsável pela morte de mais de 61 mil pessoas em 2015, conforme dados do Ministério da Saúde, e igual número em 2016, de acordo agora com cifras do Anuário Brasileiro de Segurança Publica.
Os estudiosos consideram ainda que “as vítimas preferenciais de homicídio... são garotos negros de baixa escolaridade e moradores de periferias urbanas”, integrantes de um quadro de reduzida visibilidade social decorrente de um país de desigualdades gritantes como o nosso.
Os que morrem, portanto, são os invisíveis, o que explica, sem justificar, a baixíssima taxa de elucidação de assassinatos, praticamente nula no caso de chacinas. Ou seja, ninguém vai dar mesmo conta de quem já é invisível.
Só que esses invisíveis colaboram, de certo modo, com a ativação da economia, com sua força de trabalho, ainda que informal, e o pouco que ganham. E ainda são obrigados a eleger seus governantes. Os que deveriam ter por objetivo o desenvolvimento de ações destinadas à promoção da maior inclusão social possível, um dos fatores preponderantes na redução da violência, todos hão de convir.
“Enquanto a maioria dos homicídios não resultar na punição de ninguém”, não poderemos esperar índices mínimos de redução da violência ou da criminalidade. Enquanto as comunidades de baixa renda, as favelas e periferias continuarem à mercê delas mesmas ou dos traficantes e da milícia, isto é, enquanto essas áreas não forem minimamente adotadas pelo Poder Público com seus serviços, será ínfima a possibilidade de inserção social, outro fator a nos distanciar da redução da violência.
A epidemia de homicídios que ocorre entre nós é definida por muitos como uma verdadeira “tragédia cotidiana”. A sua apreciável redução “pode transformar o país como fez o fim da hiperinflação dos anos 1990”. Mas a sua acentuada disseminação, aliada aos escabrosos casos de corrupção governamental – outra tragédia cotidiana – pode infelizmente transformar o país em mais uma republiqueta de bananas das que são ainda encontradas nas Américas Central e do Sul.
Será preciso, portanto, que todos trabalhemos – a sociedade, os estudiosos e pesquisadores, o Judiciário, com a possível reformulação de nossos Códigos Processuais Criminais – no sentido de prevenir as chagas impostas no corpo de cada cidadão brasileiro, sobretudo os que detêm o poder e o dever de coordenar e favorecer esse trabalho de todos, tendo sido para isso eleitos.
Rio, 181217