SOLIDÃO E SOLITUDE

Ao longo da minha vida venho experimentando sensações e experiências indescritíveis sobre sentimentos e tudo o que está no mais profundo de minhas entranhas. Não conseguia definir muitos contratempos e energias que emergiam dentro de mim.

Cresci em uma família grande, com pais e irmãos. Sempre tive muitos amigos e ao mesmo tempo sempre a sensação de estar sozinha no mundo, como se faltasse algo dentro de mim para que fosse preenchido.

Quando eu me deparei com os livros e o mundo que o cerca, descobri que muitas sensações vividas por mim eram comuns aos poetas e escritores que eu mais admirava. E, mais adiante, quando além de ler, eu sabia que poderia me expressar por meio das palavras e compor, um mundo se abriu diante de mim. A escrita me trouxe uma nova sensação, uma vivência relevante que modificou todas as demais escolhas da minha vida.

Por ser sempre tímida, (acreditem-me, sou extremamente tímida, que às vezes passo sem olhar para as pessoas para não ter que puxar assunto ou não saber o que falar), eu encontrava dificuldades para me apresentar ou falar de mim, entretanto, ao escrever textos, poesias, eu poderia de fato ser eu mesma, me expressar e a minha visão se ampliou.

Um dia, uma professora me disse que eu tinha “o olhar triste” e queria me ajudar. Falou de mim para uma colega dela e recebeu o seguinte conselho: “Os poetas têm o olhar triste”. Então, ainda adolescente, já fui intitulada poeta e triste. No entanto, eu não era nem de longe uma pessoa infeliz, não tinha motivos para tal. E, por conseguinte, solidão e solitude sempre foram presentes em minha vida; mas eu não sabia a diferença entre elas.

Por ter uma família grande, minha casa sempre esteve cheia, com muitas pessoas, muito barulho, falatório, festas, cantorias. Eu adoro tudo isso, mas em muitos momentos em que eu estava e estou sozinha, eu consigo ter uma conexão diferente comigo mesma e eu realmente não entendia nada dessas sensações.

Eu sempre pensava: “eu reclamo tanto da solidão” e eu gosto tanto desses momentos sozinha. “Qual será o problema”? Para Paul Tillich, a solidão expressa a dor de se estar sozinho e a solitude, a glória de estar sozinho”. Sensacional descoberta! Mas, me deparei com muitas indagações ao longo de minha existência. Pois em nossa cultura, o fato de você estar sozinho, trás a ilusória sensação de que você não é feliz e a impressão de “coitado” na expressão das pessoas a sua volta.

Não me acredita? Vamos lá! Posso contar alguns fatos concretos.

Quando eu decidi que não devo esperar que a minha felicidade dependesse de um relacionamento afetivo, da presença de pessoas ou que simplesmente eu sou responsável por minhas escolhas, me deparei com muitos impasses sociais.

O simples fato de ir ao cinema sem a companhia de outra pessoa gera olhares tortos ou perguntas do tipo: “O que você vai fazer no cinema, sozinha”? Oi? Como assim? Vou assistir ao filme.

Quando decido ir almoçar sozinha, ir à uma sorveteria, ou a uma cafeteria sem a companhia de mais ninguém. Sempre ouço de alguma mente maldosa que deve ser muito ruim “ser sozinha”. Quem disse que sou sozinha?

Muitos devem estar se perguntando agora: “Tá, mas você não tem um namorado, um marido, filhos”. E eu respondo: “Ainda não” ou “Talvez não terei”. Mas, e daí? Quem disse que a vida precisa seguir um roteiro? Quem disse que ter namorado, marido ou filhos, sejam a garantia eterna do “felizes para sempre”? A vida não é um Conto de Fadas, que, aliás, todos deveriam ler o livro “A Psicanálise dos Contos de Fadas”, pois nem tudo é o que parece ser muitas vezes. Há sempre algo bom ou ruim seja lá qual for a história ou a decisão de vida de cada um.

Blaise Pascal menciona que “todos os problemas da humanidade resultam da incapacidade do homem de sentar-se calmamente em uma sala, sozinho”. Claro que conheci essa frase recentemente, ao fazer pesquisas para este artigo. Mas, confesso que concordo. Indescritivelmente temos que ser a nossa melhor companhia.

Por muitos e muitos anos, fui a encontros marcados e “arranjados”, sejam por familiares ou por amigos. Isso porque as pessoas sempre me encararam como uma “metade” e nunca uma “inteira”. A sensação que eu sempre tive foi de que estava escrito o tempo todo em minha expressão facial “Solteira, sozinha e infeliz”. E, de certa forma, o fato de aceitar esses encontros e essas conversas intermináveis com pessoas nenhum pouco a ver comigo, era a sensação que eu passava.

E então, um dia, após terapias e um olhar mais aprofundado, para mim mesma, eis que me deparo com uma incrível descoberta, que estava lá, pertinho, mas que eu nunca me dei conta: “Qualquer que seja a sensibilidade individual, o bem-estar sofre quando a nossa necessidade particular de conexão não é cumprida” (Patrick e Cacioppo). Em síntese: Eu estava feliz, eu tinha e tenho uma família sempre por perto, tenho amigos, colegas de trabalho, emprego e encontros afetivos quando eu realmente queria dar uma oportunidade a mim mesma ou a alguém. No fundo, nunca me senti incompleta, vazia e muito menos sozinha. Então, qual o motivo de deixar as pessoas pensarem que eu estava destruída, acabada, só pelo fato de que socialmente eu estava “solteira”? Então, só o status “casamento” é o que promove felicidade ao ser humano?

Desculpa, mas não é o que dizem as estatísticas. Há muitos relacionamentos abusivos e por conta da nossa “perfeita” sociedade, eles se mantêm por anos ou “até que a morte os separe”. E não falo somente de estatísticas. Eu conheço muitas pessoas por todos os lugares, que vivem na mesma casa e só dividem as contas. Alguns, não se separam por motivos religiosos, bens materiais, comodismo, enfim. Então, essas pessoas estão infelizes, estão solitárias vivendo a dois. Isso é cruel! Entretanto, é mais real do que imaginamos.

Há também aqueles “amigos” que não tem coragem de dizer-lhes que não são de fato verdadeiros porque há o medo do abandono, da terrível solidão e este medo nos assombra. Medo do encontro para dentro de si mesmo, para dentro de suas entranhas, para seu labirinto e como diria Augusto Cury: “para dentro de suas mazelas”. Como é difícil olhar para dentro de nós!

Ao olhar para dentro de nosso interior, podemos compreender que não somos tão bonzinhos e santos como gostaríamos de ser. Que muitas vezes estamos sorrindo, mas com vontade de chorar e que outras vezes queremos abandonar o barco e fugir. Somos complexos demais e ao mesmo tempo tão “singelos” quando tentamos “dar uma solução” para a vida de outrem.

Certo dia, ao conversar com uma amiga que adora festas de família e que se pudesse daria festas todos os finais de semana; eu disse a ela: “Nossa! Eu amo minha família, mas eu amo também o silêncio do meu quarto”. Ela ficou me olhando com uma cara de pena, como se eu fosse a pessoa mais egoísta do mundo. Mas, naquele dia, eu descobri a diferença de fato entre solidão e solitude. E, para ser sincera, minha vida começou a mudar e junto com ela, minhas atitudes e até mesmo os encontros com familiares e amigos. Pois, já há um tempo, não me perguntam mais se estou bem, mas se eu já me casei, se tenho filhos. Quando a resposta é negativa, sempre ouço: “Deus vai preparar”, “Tenha calma, o que é seu está guardado”. Poderia citar muitas outras, entre expressões de coitada, vítima e a sensação é a de que “ninguém a escolheu, coitada”! Opa! Oi? Como assim?

Sei que não devemos satisfações de nossas escolhas sociais a ninguém e que cada pessoa é um ser único. Mas, certamente, em algum momento, já olhamos para uma pessoa solteira, com mais de vinte e cinco anos, com olhar de caridade, se ela está sozinha e sem filhos. A grande maioria de nós, em algum momento da vida, já fez isso.

O que me inspirou a pensar diferente? O que me inspirou a mudar? Entender que nem de longe eu sou uma pessoa triste? Fiz uma profunda e demorada reflexão sobre minha vida, minha relação com meus familiares (meus pais, que certamente muito aprendi e aprenderam comigo), minha relação com meus amigos (como tenho pessoas que gostam de mim), minha vida social (que nem de longe é triste e parada), minhas viagens (sim, já viajei sozinha e isso é libertador), minhas “paqueras” (sim, já paquerei e paquero, sou humana, lembra?) meus estudos (como adoro estudar e faço isso com grande prazer, mesmo que sejam difíceis, muitas vezes), meus empregos (trabalhei em vários lugares e em muitos eu decidi o momento de sair), a poesia (sem ela, muitas descobertas acerca de mim mesma, eu não teria feito), a fé (que por muito tempo eu encarei como “religião” e hoje eu entendo que está muito além) e claro, Deus (sem dúvida minha maior motivação para levantar todos os dias e seguir adiante). E, sim, muitas reflexões, terapias, momentos de profunda interiorização, sempre contando com apoio das pessoas mais próximas.

Então, infalivelmente eu me redescobri ou me conheci de verdade ou ainda estou me conhecendo de verdade, porque a busca para dentro de si não é algo plano e sereno, mas uma busca incansável de dor, abismos e sim, muita solidão (ela é necessária, muito necessária). Mas, a solidão não é ser solitário. A solidão é um encontro, é uma presença de si para si.

A minha decisão de escrever este artigo partiu há poucos dias. Recentemente, meus pais e minha irmãzinha foram para o Nordeste (eu moro com eles), meu irmão foi para a casa da minha irmã passar uns dias também e eu fiquei na casa, sozinha literalmente. Eu já passei por estes momentos outras vezes. Mas, dessa vez foi diferente para mim e também para algumas pessoas que eu conheço. Explico! Vamos lá!

Ouvi algumas piadinhas de que eu não iria sobreviver porque não iria cozinhar até a frase “aproveite”, seus pais estão longe! Oi? E daí?

Desde muito cedo, entendi que caráter e honestidade estão para além do que os olhos das pessoas possam alcançar e o fato dos meus pais estarem longe não mudam quem eu sou. Não quero parecer “piegas” ou usar frases “clichês” para mencionar ou cuspir santidade. Nada disso.

Mas, quem eu sou não muda com a viagem dos meus pais. Muito pelo contrário. Estar sozinha numa casa gera muita responsabilidade e claro, algo de que eu aprecio e que raramente consigo: “estar sozinha”.

Durante estes dias, eu tive a oportunidade de cozinhar para mim mesma, fazer compras sozinha, receber amigos e cozinhar para eles. Dormir até mais tarde ou virar a noite vendo séries (Oh, que brega! Mas, essa sou eu!). Pensam o quê?! Que eu traria alguém (afetivo) para dormir comigo, no meu quarto ou no quarto dos meus pais? Eu jamais faria isso! Não mesmo. Este é o primeiro principio de honestidade e não tem nada a ver com “santidade” e sim com simplesmente “bom senso”.

Se eu fui passear? Mas é claro! Sozinha ou acompanhada por pessoas. A síntese é que “meus pais não me oprimem”. Durante muitos anos, foram rígidos, mas já me ensinaram muito do que preciso para viver. Eu sou adulta e, portanto, dona das minhas decisões sejam elas boas ou não. Sou eu quem decido minha vida e minhas escolhas há muito tempo e o fato de morar com eles, não muda isso. Em algum momento na vida, todos nós damos nosso “grito de liberdade” e isso não muda o amor que nossos pais, amigos ou quem quer que seja, sentem por nós. Existe algo chamado respeito, mesmo que não possamos aceitar a atitude do outro.

Isso não é um texto típico de alguém frustrado ou que não acredita no amor a dois ou no casamento de comercial de margarina. Claro que acredito e aceito um dia viver um, se isso for a minha realidade. Adoro os casais “fofos e bregas”, leio romances, choro ao ver cenas românticas de filmes e novelas. Mas, o que de fato, quero dizer é que, não posso e não podemos entregar nas mãos do outro a nossa motivação de felicidade. Somos seres completos e qualquer que vier, será para agregar, sejam relacionamentos afetivos, familiares ou amigos. As pessoas não têm a obrigação e a responsabilidade de nos fazer felizes.

E o mais incrível de tudo é: Desfrutar da própria companhia é em suma, a melhor descoberta que eu tive na vida. E, mais ainda, entendi que sou normal, completa, humana e sem dúvida, uma pessoa feliz. E isso é tudo.

PATRICIA PESSOA
Enviado por PATRICIA PESSOA em 13/01/2018
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