Temer ou temer
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Temer ou temer
Até o desenrolar de fatos recentes da nossa história, numa vergonhosa sucessão de acontecimentos esdrúxulos que só ocorrem em colônias tupiniquins, a palavra temer era oxítona muito bem resolvida. Cresci ouvindo que não deveria temer o lobo mau, o boi da cara preta, o bicho-papão... Entretanto, depois que temer virou Temer, tudo se metamorfoseou. Percebi a força negativa que existe nessa paroxítona arcaica, vampiresca – de aspecto bizarro e arquétipo burlesco dos engravatados que usam black tie e brilhantina.
O temor ao Temer é quase unanimidade, ainda bem! Afinal de contas, segundo Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. A menos que a função primeira do capital transforme o lobo mau em conchavinhos vermelhos; o boi da cara preta, em malas e cuecas abarrotadas e ‘pretas’ de reais; e o bicho-papão, em papa-cédulas que engolem peixinhos verdes que aos cardumes valem milhões!
A mutatio fonética e semântica, em ambos os casos, provoca medo, instabilidade emocional e insegurança. Nunca sabemos a que horas nem com que configuração seremos atingidos – o medo ronda nossas casas.
Abalaram o mundo tripartite de Montesquieu. Os poderes, imiscuídos e líquidos, desmoronam e se desmoralizam em escândalos surreais. Nos contos de fadas, pelo menos, e nas lendas medievas que transcenderam gerações, eram mentirinhas inócuas que limitavam traquinagens de criancinhas ingênuas, na hora de dormir. Eram historietas contadas pelos pais, avós... Sem maldade.
O temor ao Temer é literatura fantástica também! Cria inimagináveis horrores para homens e mulheres que deverão labutar até quase a morte, ao raiar de insondáveis 140 primaveras! Se morreremos trôpegos, com quase três meios de século, os sexagenários seriam adolescentes serelepes e fagueiros, ávidos e aptos a toda sorte de intempéries laborativas.
Viver não é preciso... Temer, sim!
Quanta saudade eu tenho do tempo em que meu avô nos contava narrativas que nos ensinavam a temer os monstros que existiam apenas em nossas imaginações, mas que não machucavam ninguém.
Temer o desconhecido, respeitando as limitações da vida e do tempo, torna o homem comedido e prudente, fazendo-o avaliar riscos; Temer, não – É o próprio fantasma que nos sonda e nos apavora, sempre.
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