EXEMPLO DE MULHER RAIMUNDA QUEBRADEIRA DE COCO

Quero destacar umas das mulheres que não aceitaram a condição de opressão imposta por nossa sociedade capitalista, machista e sexista. Mulher que sozinha e em milhares, de maneira simples e revolucionaria, de forma sutil mudaram seu destino e de toda uma comunidade. Raimunda Gomes da Silva, mais conhecida como Raimunda quebradeira (ou Raimunda dos cocos). Essa grande mulher que escreveu sua historia, mesmo diante de inúmeros desafios.

Dona Raimunda, 77 anos, é uma mulher de estatura baixa e corpulenta, de traços fortes. Com um linguajar simples, mas ideias sábias, e uma filosofia de vida aprendida pela experiência de quem viram muitas injustiças acontecerem e que espera mais atitude de toda a sociedade. Mescla temas cotidianos e toca em feridas sociais em seus discursos, esteja em comunidades agrícolas ou palácios de Governo, sem perder o tom diplomático. Nunca frequentou a escola formal, mas é uma líder nata, de visão política apurada. Além de poetisa e cantora.

Nasceu em Novo Jardim (MA), filha de agricultores pobres, em uma família de 10 irmãos. Casou-se aos 18 anos, relação foi cheia de complicações, mas, ainda duraram 14 anos. Posteriormente, trabalhando como lavradora, teve que criar sozinha os 7 filhos considerando um filho adotivo, que teve os pais assassinado em disputa de terras em 1990.

Chegou ao Bico do Papagaio, a procura de trabalho na região desassistida. Onde moravam acerca de 50 famílias. Em 1980 para levar trabalho comunitário à região e proteger os moradores das ameaças de grileiros, Raimunda começou a mobilizar a criação de sindicatos rurais.

É responsável pela mobilização e organização de mulheres da região do Bico do Papagaio na busca pelos seus direitos. Lutou pelo acesso à saúde e o empoeiramento das mulheres rurais, por melhores moradias e escola para as crianças da região. Ela também lutou pela criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e pela reforma agrária. Seu trabalho ao longo dos anos rendeu-lhe notoriedade, propiciando a esta quebradeira de coco, contar sua experiência em vários países.

No inicio de sua jornada recebeu o auxílio do Padre Josimo Tavares. Um sacerdote ativista, ligado à Teologia da Libertação, que lhe oferece a mais importante ajuda que poderia receber: ensina a ela o poder que tem o povo organizado. Mas esses ensinamentos trouxeram inúmeros desafios, por muitas vezes foram ameaçados dentro da própria igreja.

Seu companheiro de luta paga um preço alto por liderar a luta dos trabalhadores. Custou-lhe a vida. O padre Josimo foi assassinado em maio de 1986, quando subia as escadas que levavam à secretaria da Comissão Pastoral da Terra, em Imperatriz (MA). O padre fora morto por pistoleiros a mando de fazendeiros da região.

Esta barbárie foi como uma espécie de combustível para Dona Raimunda, disso resulta que sua missão se tornou ainda maior. Foi percorrendo todo o Brasil, denunciando o crime contra o padre de Josimo e os conflitos agrários da região e pedindo apoio na luta pelos direitos dos trabalhadores rurais a terra. Desde então todos seus dias são focados nas causas sociais.

A luta de Raimunda trouxe a ela muitos títulos e reconhecimento. Recebeu o título de doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Tocantins, embora nunca foi convidada nem para uma palestra nesta instituição. Ainda assim, seu histórico também a levou a outras homenagens - uma delas prestada pelo Senado Federal - e integrou a lista de mil mulheres, de todo o mundo, concorrentes ao prêmio Nobel da Paz de 2005.

Foi uma das fundadoras do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), criado em 1991 e atuante nos estados do Pará, Tocantins, Piauí e Maranhão. Mas a principal vitória que esperou conquistar foi à aprovação da Lei do Babaçu Livre, foi aprovada em 2008 (Lei 231/2007) e proíbe a derrubada de palmeiras de babaçu, e permite que as quebradeiras possam extrair o fruto das palmeiras mesmo em propriedades privadas. O pedido de criação da lei foi feito pela própria à Assembleia Legislativa do Tocantins.

Com dinheiro da própria aposentadoria juntamente com amigos, criou no Assentamento sete barracas onde reside atualmente no município de São Miguel do Tocantins, um memorial. Neste é onde são expostos todos os prêmios entre outras informações pessoais da quebradeira, como poesias e musicas, com intuito de manter a memoria de Dona Raimunda preservada.

Neste contexto, Dona Raimunda é o reflexo de muitas mulheres brasileiras: Maria da Penha, Quitéria, Dandara, Francisca, Marta entre outras muitas que estão no anonimato, na lida diária para sustentar suas famílias, demostra também o quanto é tardio o acesso à informação e emancipação das mulheres, principalmente as que estão em localidades de difícil acesso. Isso sem contar que a luta triplica por serem mulheres, pobres sem estudos formais, ou por ser fora do padrão imposto à sociedade.

Raimunda Gomes da Silva, que poderia ser apenas mais uma sertaneja a carregar a sina da miséria, mas preferiu ouvir o chamado da luta e partiu rumo a uma nova história para ela e para sua comunidade.

Nas inúmeras de suas falas registrada em documentários e entrevistas disponível na internet, sempre procurava de alguma forma de incentivar as pessoas a lutarem por seus direitos, “gente tem que ser forte, ser teimoso, paciente e ter coragem, pois a riqueza maior que temos é a vida”. Quando recebia algum título servia para impulsionar sua luta.

A despeito dos muitos títulos e prêmios que ganhou, quase nada mudou muito na sua vida, e as condições das quebradeiras continuam enfrentando grandes dificuldades de acessos aos serviços públicos e sem melhorias significativas para sua comunidade. Mesmo com a provação da lei, as palmeiras ainda continuam sendo derrubadas para formação de pasto para criação de gado.

Ainda que sua imagem tenha valor histórico para o estado, é muito explorada, sem retorno algum para Dona Raimunda, nem tampouco para as demais quebradeiras de coco. Hoje, a situação de Dona Raimunda está ainda mais difícil devido a idade e problemas de saúde, está em seu segundo casamento, com o também aposentado Antônio Cipriano, e seu sétimo filho adotivo, Moisés. Está aposentada, devido à doença de catarata perdeu a visão de seus olhos, quase já não tem muito contato com as demais quebradeiras.

O escritor Tavares foi feliz em descrever dona Raimunda em sua obra, como síntese, espelho das caboclas descalças do interiorzão. É Gomes, é Silva, é qualquer sobrenome que caiba nos documentos de plástico frouxo do povo. Nas rugas que lhe acrescentam uns 20 anos ela carrega uma vida ordinária, à qual, à custa de muita batalha, acrescentou um "extra". Quebrando coco babaçu e protocolos.

Acrescento dizendo que ela é como a Maria de nosso cerrado tocantinense, é a voz de muitas vozes juntas clamando por saúde, paz e justiça social.

Por: Jessica Rosanne Rodrigues Gomes

JESSICA ROSANNE
Enviado por JESSICA ROSANNE em 03/11/2017
Reeditado em 03/11/2017
Código do texto: T6161255
Classificação de conteúdo: seguro