Ela vem aí! Curve-se! Ajoelhe-se! Submeta-se!

Eis a cena: madrugada. Pessoas amontoadas na calçada. Cobertores. Bancos. Barracas. Comida sendo distribuída, dividida às vezes no mesmo prato. Uma cena desoladora causada pelo excesso.

Não, amigos, não se trata da cracolândia (ou cracolândias, no plural). Estou falando da Black Friday. E numa data, nas próximas semanas, acompanharemos imagens semelhantes à descrita acima. E outras, que descreverei também abaixo.

Pode haver umas poucas pessoas que estarão a passar por tal agrura por viverem algum momento de dificuldade financeira. Tentarão, por isso, aproveitar os preços, supostamente mais baratos, para comprar, por exemplo, uma lavadora ou tanquinho, para substituir o que tinham em casa, quebrado há meses, e aliviar o trabalho de lavar as roupas da família na mão. A maioria para mim, no entanto, estará sentada, deitada ou dormindo na fila por pura obsessão, dependência, mesmo, transformados nestes flagelados do consumo.

As cenas de abertura das portas das lojas também vão ser, de novo, perturbadoras. Será como abrir uma porteira de acesso aos cochos depois de três dias sem alimentar os bois. Uma manada desesperada, atropelando-se, disputando, às vezes na base da mais pesada das grosserias, o melhor pedaço. Os mostruários da loja vão compor o cenário dum verdadeiro campo de guerra.

Chamam isso de liberdade. E as pessoas se veem assim livres para se tornarem escravos desta vontade destrutiva de gastar, para alegria dos proprietários e funcionários dos estabelecimentos, de braços abertos, envolvendo-as em um abraço que imobiliza. Um abraço, muitas vezes, sem volta.

E, observando nos últimos anos estas cenas caóticas, me vem uma pergunta à cabeça: será que todas estas pessoas estão com suas contas em dia? Ninguém no vermelho? Não creio. Uma vez dependentes, a inconsequência será um dos efeitos colaterais seguintes inevitáveis. Identificou-se? Nunca é tarde para reparar o estrago. Reflita. Pergunte-se como andam suas contas, as dívidas, os empréstimos, o limite do cartão, e responda a si mesmo(a) sinceramente se todos estes gastos foram indispensáveis.

Se você aprender a valorizar da vida as coisas que realmente importam, como os sentimentos de altruísmo, solidariedade e os tesouros escondidos em uns poucos cantos que ninguém dá a mínima, guardados num museu, biblioteca, num teatro ou parque, será um dos raros privilegiados que não estarão reféns destas presepadas de ficar se estrepando ano após ano nestas festas de abate de cordeirinhos batizadas de Black Fridays.