Massacre do Carandiru
O famoso complexo prisional do Carandiru começou a funcionar na década de 1920 e foi desativado em 2002. No dia 02 de outubro de 1992, portanto há 25 anos, uma briga entre detentos levou policiais a entratem no Pavilhão 9 e matarem 111 presos. Segundo relatos dos internos, o número oficial não condiz com a realidade, afirmando terem sido mortos um número aproximado de 250 pessoas. O pavilhão 9 era composto em sua grande maioria por réus primários, sendo que dos 111 mortos, 89 se encaixavam nesta condição e aguardavam julgamento. Vale destacar que todo cidadão tem direito a defesa e ao julgamento, que é um direito constitucional. Todo criminoso deve pagar pelo crime que cometeu, isso é ponto pacífico, porém, nada justifica morte em massa em uma casa de detenção. Os dados oficiais confirmam que das 111 mortes, nenhuma foi de policial militar, o que comprova que não houve ataques a estes policiais. Parte da sociedade brasileira ovaciona a atitude que dizimou aqueles presos, defendendo a justiça do olho por olho, dente por dente, que ocorre nos moldes da vingança.
Há uma frase de Nelson Mandela que ilustra bem esse cenário: “Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não deve ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos.” Uma atitude justa em relação àqueles presos seria todos passarem por um julgamento e terem sua sentença segundo o crime cometido. Seria justo também passarem por ações eficazes de ressocialização. Massacre não configura justiça. Aplaudir atitudes que levam a morte daquele grande número de pessoas como ocorreu no Carandiru, só comprova o quanto a vida é banalizada em nosso país. Esse problema da violação dos direitos dos presidiários no Brasil se relaciona a um problema maior: à fragilidade do nosso Estado de Direito, que permite que a prática da violência ocorra com frequência e “naturalidade”.
Para além da banalização da vida do preso, vidas de outros segmentos sociais também são banalizadas, sobretudo aqueles que se encontram mais vulneráveis: as crianças, as mulheres, os negros, os que vivem em favelas. Há vidas mais importantes e vidas menos importantes. Um exemplo claro pode ser relacionado à polêmica causada pela performance do artista Wagner Schwartz no MAM, quando interpretava nu, a obra "O Bicho" de Lygia Clark. A performance tinha como objetivo fazer refletir sobre o que fazemos com um corpo vulnerável, no caso, interpretado pelo corpo nu de Schwartz. O público tinha possibilidade de tocar o artista e dar-lhe uma posição, dada a sua vulnerabilidade. Uma criança acompanhada de sua mãe tocou o pé do artista, o que causou grande espanto a uma parte da sociedade que horrorizada acusada a exposição de incitar à pedofilia. O Movimento Brasil Livre, MBL e membros do legislativo como Jair Bolsonaro, Marco Feliciano e Fernando Holiday foram os principais responsáveis pelos ataques ao Museu e a atitude da mãe que levou a filha à exposição. Esse evento no MAM foi devidamente sinalizado com placas explicando seu conteúdo. Os visitantes sabiam exatamente o que se passava deixando claro que a erotização era percebida apenas por setores que não compreenderam o real objetivo da obra.
Na mesma semana que ocorreu a polêmica do MAM, um menino de 11 anos foi retirado da cela de um estuprador em um presídio no Estado do Piauí. A criança foi levada pelos pais que eram amigos do criminoso. O mais curioso disto é que a situação do garoto no presídio não comoveu nem moveu nenhuma manifestação do MBL ou dos membros do legislativo como já citado. Levando a crer que na opinião destas pessoas, existem crianças que devem ser protegidas e outras, sobretudo, as pobres não. Estas não mobilizam nenhum senso de justiça. Crianças são abusadas diariamente por pessoas da família, são violentadas e mortas, vivem nas ruas e cotidianamente tem seus direitos violados. Crianças assistem cenas erotizadas, reproduzem músicas com teor sexual e passam despercebidas. Crianças morrem violentadas todo o tempo. O que precisamos nos atentar é que não é um corpo nu que instiga o crime e sim, uma mente vestida pela barbárie. Barbárie esta que atinge a sociedade a todo instante, sem a minima mobilização necessária.
(Comentário produzido para a Rádio 9 de Julho em 04.10.17)