Vendo carroça
“Vendo carroça usada, necessitando de pequenos reparos, equipada com pneus meia vida, freio de mão em funcionamento, varal reforçado com ferragem de construção. Acompanha arreio artesanal muito resistente, fabricado em couro cru contendo coalheira, selote, tapa, rédea, correntes e ainda bridão, rascadeira e chicote. O conjunto vai com uma égua tordilha de oito anos, boa de sela e de carrinho, desverminada e vacinada, tratada com quirera de milho e capim verde, com potrinho de seis meses ao pé. Aceito troca por bicicleta cargueira em bom estado de conservação ou carrinho de recicláveis e parcelo o saldo restante. Também procuro uma colocação em qualquer área de trabalho, sem restrição de horário. Vendo por motivo de força maior da autoridade. Urgente”.
Este anúncio pode se tornar verdadeiro na forma e no conteúdo, a se confirmar a intenção de alguns prestimosos vereadores maringaenses. Aparentemente preocupados com o bem estar dos animais de trabalho, mas pouco sensíveis às consequências imediatas do polêmico projeto de lei, a iniciativa visa proibir definitivamente o trânsito de veículos de tração animal e o transporte de carga ou pessoa movido por propulsão animal, na área urbana do município. Na época da colonização, esse foi um dos únicos meios de transporte de pessoas e mercadorias, amplamente utilizados pelos pioneiros, contribuindo decididamente para o desenvolvimento de todas as regiões do País. Até hoje o animal se presta perfeitamente para o trabalho, desde que devidamente alimentado e atendido em suas necessidades. Além disso, a função social está presente na atividade exercida por aqueles que fazem do recolhimento de produtos recicláveis, sua única fonte de renda, tirando de circulação materiais que poderiam contaminar ainda mais o meio ambiente, se descartados inadequadamente.
Aqui se abre um necessário parêntese, por se vislumbrar no bojo do referido projeto legislativo, algum nível de inconsistência jurídica e possível confronto à legislação vigente. O direito à liberdade de locomoção está garantido na Constituição Federal (Art. 5º, parágrafo XV), portanto, em se respeitando as regras de circulação de trânsito, a todo cidadão, em qualquer tempo, lhe será assegurado o direito de ir e vir. Aos legisladores municipais (e a quaisquer outros) não é facultado a prerrogativa do poder de definição sobre o meio escolhido para tal deslocamento. Além disso, na essência dos propósitos apresentados, subiste uma tênue percepção de discriminação (ainda que na forma de mensagem subliminar) contra aqueles que, por absoluta necessidade, exercem esse tipo de atividade, mesmo porque não se avalia a dignidade de uma pessoa por sua condição socioeconômica. Penalizar os menos privilegiados, submetidos a todas as dificuldades impostas pelo sistema para prover o sustento da família, não parece ser uma iniciativa inteligente nesse momento.
É evidente que os maus tratos aos animais não podem ser tolerados. Todavia, não se deve responsabilizar indiscriminadamente todos os carroceiros por supostas condutas reprováveis com seus animais, pois além de ser uma generalização equivocada (e uma justificativa leviana, no contexto geral do projeto), não se tem parâmetros seguros para quantificar esse comportamento. Seria como proibir a atuação dos “guardadores” de veículos nas vias públicas, como se todos tivessem a intenção explícita de cometer delitos, o que não representa a expressão da verdade. O poder público deve ser competente o suficiente para solucionar esse tipo de demanda, com a adoção de medidas específicas que visem resguardar o bem-estar animal, sem a necessidade de aprovação de leis dessa natureza. O cidadão têm o sagrado direito de buscar livremente seu pão de cada dia