TUDO VIRA BOSTA
De vez em quando tenho o costume de dar uma remexida nos meus arquivos musicais. Ontem dei de cara com duas pérolas da MPB que, mesmo dentro de uma filosofia escatológica, são muito apropriadas para meditarmos sobre os dias que atravessamos.
Uma delas, composta pelo nosso “maluco beleza”, Raul Seixas, levou o título de “Metamorfose Ambulante” e, a outra, de Rita Lee, “Tudo Vira Bosta”.
Mas afinal, o que desejava dizer, o Raulzinho, com “metamorfose ambulante”? Dando asas à imaginação, pois nunca tive qualquer contato pessoal com o artista, acabei por formular a seguinte interpretação:
Segundo o “Michaelis”, a definição é a seguinte: “me.ta.mor.fo.se
sf (gr metamórphosis):
1- Mudança de forma física ou moral.
2- Qualquer das transformações dos seres sujeitos ao metamorfismo.
3- Transformação de substâncias, operadas por causas naturais.
4- Mudança, transformação.
5- Zool - Mudança de forma e estrutura, pela qual passam certos animais, como os insetos, do estado larvar para a fase adulta.
6- Bot - Modificação das folhas em peças florais ou de umas peças florais em outras”.
Em síntese tratamos de “transformação” ou, simplesmente, “mudança de forma”. No caso, falamos da mudança de forma de seres vivos, ou melhor ainda, de seres humanos.
Na composição musical do profeta Maluco Beleza, o Raul Seixas, “Metamorfose Ambulante”, o artista se referia à constante transformação por que passamos considerando tanto o aspecto material quanto o espiritual.
Nossa abordagem não enveredará pela área sutil considerando não ser nosso objetivo tratar de assuntos que envolvam crenças ou confissões religiosas. Isso é assunto para a fé e fé não se discute. Igualmente, não cuidaremos de nos envolver com o desenvolvimento mental ou cultural, embora também esteja passando por um processo permanente de modificação, quer seja para adiante ou para trás, principalmente nesses tempos de emburrecimento coletivo, onde já é politicamente correto falar-se em “analfabetismo funcional”.
Sobra, então, o tópico “forma”, que é um assunto concreto, físico, palpável e científico. Assim voltamos a consultar o “Michaelis” de onde retiramos algumas definições: “for.ma:
1- Figura ou aspecto exterior dos corpos materiais.
2- Modo sob o qual uma coisa existe ou se manifesta.
3- Constituição, modo particular de ser”.
Uma coisa qualquer, para ter forma, é preciso ser constituída de matéria e, segundo os postulados da Física, “matéria é tudo o que se constitui de substância” e, arrematando, “substância é o de que se compõe a matéria”.
Com a argumentação acima, passemos para a metamorfose, do Raulzito, propriamente dita.
De que substância ou substâncias é constituído o corpo humano? De vários dos elementos registrados na “Tabela Periódica” ou “Tabela dos Elementos”. Tudo o que existe na natureza provém dos seus Quatro Elementos que conhecemos como Terra, Água, Fogo e Ar que por vias diversas chegam até nosso organismo nutrindo-o.
De um pensador ouvimos dizer que “somos aquilo que comemos”. Logo, é por aqui que devemos começar nossas considerações. Afinal, o que comemos? A resposta é mais do que fácil, pois está diante de nós, todos os dias e várias vezes em cada um deles. Nossa alimentação é baseada em carnes e vegetais e são eles os responsáveis por todas as etapas de crescimento e desenvolvimento do nosso organismo.
Mas, os animais que nos servem de alimento também passam pelos mesmos critérios que os nossos, apenas com algumas variáveis. Uns são essencialmente carnívoros e vivem da caça aos que lhes passarem pelos olhos, nos momentos de fome. Não refreiam seus instintos. Atacam, matam e comem. Outros são onívoros, comem carne dos outros animais e, também, ingerem vegetais que lhes sejam apetecíveis. Outros, ainda, buscam somente alimentação vegetariana e com ela cuidam de executar seus papeis diante da Natureza.
Nessa escala alimentar, podemos reduzir tudo a um denominador comum se admitirmos a ideia de que tudo o que os animais carnívoros ingerem também procedem do Reino Vegetal. Agora fica fácil entendermos o dístico latino que lemos nos pórticos dos cemitérios: “REVERTERE AD LOCUM TUUM” (Retornarás ao teu lugar).
Os organismos vivos são, todos, constituídos de átomos que se combinam em células cujo ponto de partida está no solo planetário. Assim, são os elementos que se encontram lá, em sua composição natural, que se descombinarão ao serem absorvidos pelas raízes das plantas, indo, em seguida, sob nova combinação, cumprir os seus papéis transformando-se em células de raízes, caules, folhas, flores e frutos.
Ao servirem de alimento aos animais, as céulas desses vegetais novamente se descombinam para se transformar em outras que constituirão os tecidos e as estruturas orgânicas dessas outras formas de vida, o corpo físico. Então vemos que já a partir da química que se desenrola desde o início da geração são os elementos que compõem o solo que dão partida ao fantástico processo da metamorfose que nunca termina. Quando deixamos a vida terrena, nossos corpos acolhidos pelo solo planetário cuida de reaver suas partículas cedidas para que pudéssemos cumprir nossos périplos sobre a superfície e com configurações distintas. Assim, tal como todo o processo teve início em uma combinação química, a decomposição trata de preparar os átomos do corpo inerte em novo suprimento para dar início a novos ciclos de forma de vida na superfície do planeta.
Nós, humanos, além dessa particularidade da mudança da forma durante as fases da vida, também passamos por mudanças nos nossos modos de ver, sentir e pensar a vida, as pessoas e o mundo. Aqui também estamos envolvidos em novo aspecto da metamorfose. Sem dúvida, mais sutil, porém verdadeira.
Assim entendemos a criação musical de Raul Seixas chamando nossa atenção para que pudéssemos entender como nos aproximamos do Pó da Terra e, em última análise, de que, na verdade, mais do que corpos dotados de vida e movimento somos parte do pó que constitui o solo planetário. O “Eu físico” nada mais é que pó, parte do Planeta Terra. Na medida em que degradamos nosso planetaa também estamos degradando a nós mesmos...
Rita Lee, por sua vez, parece ter acompanhado Raul Seixas com “Tudo Vira Bosta”. Não irei discorrer sobre a música, já que a letra está a nossa disposição e nos permitirá seguir em divagações. Apenas lembro que, num dos versos, mesmo sendo dúbia, Rita Lee lembra “que tudo vira pó”.
TUDO VIRA BOSTA
(Rita Lee e Moacir Franco)
O ovo frito, o caviar e o cozido
A buchada e o cabrito
O cinzento e o colorido
A ditadura e o oprimido
O prometido e não cumprido
E o programa do partido
Tudo vira bosta...
O vinho branco, a cachaça, o chope escuro
O herói e o dedo-duro
O grafite lá no muro
Seu cartão e seu seguro
Quem cobrou ou pagou juro
Meu passado e meu futuro
Tudo vira bosta...
(Refrão)
Um dia depois
Não me vire as costas
Salvemos nós dois
Tudo vira bosta...
Filé 'minhão', 'champinhão', 'Don Perrinhão'
Salsichão, arroz, feijão
Mulçumano e cristão
A Mercedes e o Fuscão
A patroa do patrão
Meu salário e meu tesão
Tudo vira bosta...
O pão-de-ló, brevidade da vovó
O fondue, o mocotó
Pavaroti, Xororó
Minha Eguinha Pocotó
Ninguém vai escapar do pó
Sua boca e seu loló
Tudo vira bosta...
(Refrão 2x)
Um dia depois
Não me vire as costas
Salvemos nós dois
Tudo vira bosta...
A rabada, o tutu, o frango assado
O jiló e o quiabo
Prostituta e deputado
A virtude e o pecado
Esse governo e o passado
Vai você que eu 'tô cansado'
Tudo vira bosta...
(Refrão 2x)
Um dia depois
Não me vire as costas
Salvemos nós dois
Tudo vira bosta...
Tudo vira bosta...(5x)