AFINAL, QUEM É “O POVO”?
Vira e mexe ouvimos ,no diálogo cotidiano, frases que assim são formuladas:”Ah, o povo merece!”, “ah, o povo quis assim”, “ah, a culpa é do povo!, “ah, foi o povo que colocou eles lá!”, ah, o povo não tem memória!”, “ah, esse povo não se mexe!”...e por aí vai.
E tem quem derive o vocábulo para “povinho” e “povão” e daí confesso que me atrapalho demais...
Como a língua é um organismo vivo, sempre há palavras e expressões que, ao decorrer do tempo, perdem seu valor denotativo quando usadas coloquialmente, alguns termos até tomam vida viciosa, outros caem no esquecimento; e ainda há um fenômeno interessante: nomes de marcas que se tornam referências, verdadeiros sinônimos de seus referidos produtos.
Por aqui, uma conhecida ÁGUA SANITÁRIA é um exemplo do que ocorre com a essência linguística das "marcas".
Então , entre nós, o vocábulo “povo” se tornou um sujeito oculto, uno e singualr no seu coletivo indivisível, indefinido e crucificado, não sei se substantivo ou adjetivo, todavia quiçá até verbo, dada as tantas atribuições semânticas ao tal “povo” de hoje em dia.
Só de ouvir chego a ter pena desse “povo” que não sei bem o que ou quem é, por isso a pergunta lá do meu título.
Vou exemplificar meu tema com um fato triste e curioso que presenciei há tempos atrás.
Havia ali um equipamento público que estava sendo reformado ao custo anunciado de quase um milhão de reais, coisa pequena.
Mas, mesmo para quem não é da construção civil, a olhos vistos, nos assustávamos com a qualidade tão ruim, tanto dos materiais de construção quanto do acabamento da obra.
Antes de pronta a coisa já esfarelava...
Certo dia, um senhorzinho “do povo” que era o guardião da comunidade do mesmo “povo”, assim perguntou ao agente responsável pela obra:
”Mas o senhor vai entregar a unidade assim, nessa situação? Com esse teto sem pintura? Com esse aspecto sujo e mal acabado? Com tinta marcada escorrendo pelas portas?”.
A resposta foi chocante:
”Ah, mas isso aqui é pro povo e pro povo tá bom demais!”
Não passaram doze meses e tudo estava bem pior de quando antes da reforma: para o povo, ali jazia mais uma ruína novinha!
Bem, naquele dia entendi que, assim como eu, ninguém por aí entende muito bem o que é “POVO”, e chique mesmo é sempre se colocar à parte desse sujeito oculto de verbo irregular, quase cacofonia, sempre flexionado na terceira pessoa do singular.
Então, prontamente me perguntei: “mas ele não é do povo?” Eu não sou do povo? Quem me lê não é do “povo”?
Ara, mas todos somos "o povo"!
Aliás somos o povo:" do povo, pelo povo e para o povo", ou não é mais?
E somos sempre na primeira pessoa do plural!
Mas ...a dúvida: somos do povinho ou do povão?
Embora confesse: acho o superlativo sempre mais pomposo.
E aqui poderíamos crescer todos juntos, ao menos na língua.
Moral da História:
Ali, em uma frase resposta, estava o nosso “ tudo e o todo” bem explicado.
Uma aula sábia de sociologia a céu aberto...
QUEM É POVO, AFINAL?
Aprendi.
Ouso arriscar que somos todos nós juntos, uma grande marca dum PRODUTO de sujeito oculto, invisível portanto, vulgarmente denominado de POVÃO, talvez para ilusoriamente nos "empoderar" mas que infelizmente DERIVA, na sua raiz etimológica, uma outra marca indefinida de nós mesmos, aquele "POVINHO" de função onerosa, indefinida e inepta, sempre articulado para nos manter invisíveis e satisfeitos em meio às nossas novas ruínas reformadas.
Pensei, por um momento, na utilidade da água sanitária.
Mas, deixa pra lá...
Afinal:
"Pro povo tá bom demais!"