...E POR FALAR EM PRECONCEITO
Para se aferir o nível de preconceito de uma sociedade especificamente no conceito racial, procuro utilizar como parâmetro as interações sociais do cotidiano, que sinalizam o grau deste sentimento que permeia profundamente a grande maioria da população. E a título de premissa proponho a seguinte reflexão: Somos ou não somos pessoas preconceituosas?. Se a resposta for negativa sugiro outra indagação: Se sua filha se apaixonar por um negro pobre ou quem sabe rico e decidirem morarem juntos, com qual das duas situações você ficaria menos incomodado? Aí complicou, não é mesmo!?. A primeira hipótese seria algo inadmissível, com certeza pela quase totalidade das pessoas desta suposta questão, pois se já não bastasse ser pobre, há acima de tudo o inconveniente da cor, que provavelmente veria atenuar a situação descrita por conta da compensação da posse dos bens materiais. É comum ouvir frases do tipo: ___”Este negrão aí, é abonado”!; ___”Ele é negro, mas tem uma grana...”!. E quando então um cargo de relevância, de destaque principalmente no meio político, na administração pública, é ocupado por um negro!?, torna-se alvo de atenção, fica-se na expectativa como que aguardando qualquer deslize contribuindo para que estes e outros estereótipos criados ao longo do tempo ressurjam justificando a incompetência, a inabilidade, a inferioridade da raça criada pelo senso comum.
Lembram-se do prefeito Celso Pitta, eleito como sucessor de Paulo Maluf, influenciado nas urnas por seu prestígio, carisma e forte argumentação e poder de convencimento...? Sua malfadada gestão na prefeitura de S.Paulo fez ressurgir os velhos “jargões”, piadas, insinuações irônicas de conotações discriminatórias associando sua incompetência para o cargo como detalhe próprio da cor da pele, marca registrada de sua origem, relevando os aspectos do caráter, da conduta ético-moral da pessoa, principalmente de uma autoridade pública, como pontos a serem destacados e observados nestas ocasiões.
Se fosse um “branco” as reações seriam idênticas?. Bem, mas aí alguém pode argumentar: ___”O motivo é que são poucos os “negros” que tem a oportunidade de chegarem lá...”!. Alguém, algum dia ouviu dizer que o “branco” quando não “faz” na entrada “faz” na saída?. Neste aspecto o “branco” conta com a indiferença das pessoas, pois a simultaneidade com que se repetem os desmandos tudo passa meio que despercebido, numa generalização perigosa e alarmante.
Enquanto educarmos os nossos filhos, futuras gerações, baseados na história oficial, ficaremos devendo a elas o conhecimento da importância que teve a contribuição do povo africano na formação da sociedade brasileira; enquanto não recontarmos a trajetória deste povo, expurgado forçosamente de seu território, que sob o olhar europeu foi denominado de inferior, selvagem, bárbaro, escravizando-o, comercializando-o como mercadoria, possuidor de uma cultura rica em elementos que foram sendo incorporados pelas populações que para cá vieram, juntamente como o índio que também sentiu na pele esta dominação e ameaça descaracterizante, precisaremos ficar criando “cotas” em universidades, que como medidas paliativas, compensatórias que simplesmente fomentam, enfatizam ainda mais a submissão e subserviência históricas; enquanto não desconstruirmos, através da educação, as inverdades históricas da convivência pacífica, harmoniosa, romântica de nossa gênese social, sem criar novos antagonismos ou revanchismos, mas buscando eliminar do inconsciente coletivo toda forma de desigualdade social, estaremos determinando as futuras gerações a viverem como os próprios pais.
Alem do preconceito de cor, expressamos outro tão cruel e inconcebível quanto este: o de classe social, que demonstra sua dissimulação quando o “negro” não é preterido por suas “qualidades” econômicas e financeiras, enaltecendo o materialismo, a competição em detrimento de valores morais.
E do alto do orgulho de nossa raça, teorizamos que não somos assim tão preconceituosos, contudo nos contradizemos sistematicamente em inúmeras circunstâncias inconscientes da incoerência desta postura que é a negação para com os elementos étnico-raciais das três matrizes formadores da nossa nação: o índio, o negro e o europeu.
Cristovam Buarque, notável educador, professor, ministro, senador, foi constantemente criticado por defender a necessidade de investimentos maciços na educação quando tentava concorrer à algum cargo público. Diziam que seu discurso estava se tornando enfadonho, monótono, repetitivo. Procurava o ilustre político, de conduta ilibada, diga-se de passagem, buscar incutir na mentalidade social além da utilidade da movimentação popular de caráter participativo na luta por um ensino-educativo de qualidade, também alertar para uma conscientização a nível governamental para com esta questão amplamente discutida no campo teórico, que se resolveria se fosse finalmente implementada como meta prioritária das políticas de governo. Todavia existem “obras” invisíveis aos olhos do eleitorado que não contribuem com dividendos políticos para aqueles que se locupletam com o sistema vigente usando-o para a sua ascensão pessoal e o povo como massa de manobra.
Se toda uma cultura foi-nos herdada historicamente elaborando a composição de nossos costumes, tradições, crenças, princípios e outros elementos da formação de nosso caráter brasileiro, junto à esta riqueza agregou-se todo tipo de preconceitos e suas manifestações, velado, dissimulado ou não, “sujando” de certa maneira esta fonte diversificada de símbolos, imagens, tão substanciosa; e isto disseminado de forma distorcida pelo senso comum por toda a sociedade, fazem das futuras gerações as novas vítimas por este contágio lamentavelmente negativo.
Como se aprende por repetição, nada melhor que o exemplo que educa...e muito!! e isto vai ao encontro da responsabilidade paterna atuante e presente, como elemento primordial que representa a família na formação de um indivíduo em todo seu ciclo vital sem desarranjos e sobressaltos, entendendo a cidadania como um conjunto de direitos e deveres, mas que para a plenitude de seu exercício deve contemplar o respeito à liberdade alheia, a convivência equilibrada com as diferenças étnico-sociais-religiosas sem qualquer expressão de intolerância, intransigência, racismo, discriminação e preconceitos.
O autor Helio Santos, habilidoso na arte de delinear a trajetória histórica do povo africano, utiliza de argumentos consistentes baseados em pesquisas, estatísticas, gráficos, tabelas, para expor de forma alarmante as evidências da institucionalização do racismo em nossa sociedade, das desigualdades de oportunidades sofridas pela população negra (pretos e pardos que assim se denominam), das dificuldades encontradas no campo da educação, trabalho, saúde, lazer, tudo de forma velada, dissimulada, num preconceito disfarçado, generalizante, não combatido pelas autoridades competentes através de programas educacionais que contemplasse a “abolição” definitiva deste “câncer social” que desumaniza as relações entre as pessoas, denegrindo a imagem de um povo que à revelia desempenhou um papel importantíssimo como uma das matrizes da formação do povo brasileiro.