Crise de identidade
“Não passei pela crise dos 40.
Na verdade, tenho crises diárias.”
(José Mayer)
No tempo dos chamados “voos compartilhados” entre aquelas que eram as maiores companhias aéreas do país, viajei para ministrar mais uma palestra. O trajeto de ida foi a bordo de um avião e tripulação da Varig. Ao término do voo, a comissária comunicou aos passageiros: “Obrigado por voar Varig-TAM. Varig: ontem, hoje e sempre”.
Meu retorno deu-se através de um avião e tripulação da TAM. Desta vez os agradecimentos tiveram o seguinte formato: “Obrigado por voar TAM-Varig. TAM: uma empresa que tem orgulho de ser brasileira”.
Naquelas poucas palavras estava a síntese da crise de identidade proporcionada por processos de fusão ou incorporação que deixam para considerar, por último, o aspecto humano. Não se tratava apenas da diferença entre os slogans e do conflito entre as cores azul e vermelha. Tratava-se de culturas distintas e modelos de negócio diferenciados. Tratava-se de anos de disputa pelo espaço físico nos saguões dos aeroportos e pelo espaço subjetivo na mente dos consumidores. Mais do que isso, tratava-se de um jogo sobre quem permaneceria em exercício e sobre quem iria engrossar as estatísticas de desemprego.
Era cristalina a tensão estampada no rosto daqueles profissionais. Não bastasse atuarem num negócio que tem a responsabilidade imanente da segurança e a pressão contínua envolvendo prazos e horários – as pessoas não compram assentos em aviões, compram economia de tempo –, viam-se, ainda, às voltas com a incerteza de seus próprios futuros.
Quando um jogador de futebol atinge determinada idade e abandona os gramados, ele pode se tornar um técnico, montar uma escolinha ou investir em outras atividades fazendo uso dos recursos financeiros acumulados ao longo de sua carreira. Quando um executivo deixa seu posto, por opção ou por dispensa, pode buscar uma recolocação no mercado, tornar-se um consultor ou empreender em um negócio próprio. Mas o que pode fazer um profissional cuja expertise é pilotar aviões, caso seja demitido? Quantos conseguirão se recolocar num mercado formado basicamente por apenas três agremiações, de uma das quais ele está saindo?
Evitarei dispor de meu espaço e de seu tempo para relatar números sobre a situação financeira destas duas corporações. Tampouco tenho propriedade para falar sobre a tal crise da aviação civil, embora julgue incompreensível o resultado negativo de uma equação cujas variáveis são passagens mais caras, serviços mais modestos e aumento da taxa de ocupação dos voos. Intriga-me o fato de as companhias aéreas optarem pela efemeridade dos assentos vagos em detrimento de sua ocupação promocional com custo mais acessível. Esclarece-me o fato de outro player, a Gol, optar por sequer distribuir jornais em virtude de seu balanço apontar um lucro líquido por passageiro transportado, no primeiro ano de operação, da ordem de R$ 0,80. Ou seja, a mera distribuição de um jornal seria suficiente para tornar a operação deficitária.
Interessa-me saber o que farão com os milhares de profissionais envolvidos, mais do que a cor da última linha do balanço. O Estado brasileiro se desenvolveu e esqueceu a nação, as empresas brasileiras cresceram e esqueceram as pessoas que nelas trabalham.
Crise e oportunidade
É velha a história de que toda crise traz consigo ruptura e oportunidade. A sabedoria chinesa (wei-chi) e grega (kairós) nos legou isso. O curioso é que estamos permanentemente em crise, nunca satisfeitos com o que temos. Feito crianças que lutam para serem presenteadas com um brinquedo novo e o abandonam após 15 minutos de divertimento, estamos sempre descontentes. Nossas crises pessoais são diárias. Nossas empresas estão em crises constantes. Nosso país atravessa uma crise ininterrupta. Por isso, resta-nos o tempo todo a necessidade de mudar e a urgência de fazê-lo enquanto ainda nos resta tempo. O tempo é longo, mas nossos dias são breves.
Assim, aos que atravessam crises, tenho muitos desejos. Desejo-lhes primeiro o discernimento, porque é preciso separar as crises reais das imaginárias e distinguir o “mudar” do “mudar para melhor”. Desejo-lhes a flexibilidade para aprender a curvar-se diante da inexorabilidade dos fatos mesmo quando confrontados com os argumentos mais sólidos. Desejo-lhes a ousadia, porque é preferível tentar e arriscar a inclinar-se frente ao receio e às adversidades. Desejo-lhes a criatividade, pois o mundo solicita que se faça diferente para que se possa evoluir. Mas, sobretudo, desejo-lhes a coragem, para dominar o medo, realizar escolhas, abdicar da estabilidade infeliz, combater a hesitação, negar o que não lhes convém e exigir o que lhes é próprio, por direito divino. Você faz o que te dá medo e ganha coragem depois. Não antes.
Mediante o uso destes atributos, empresas poderão cultivar o desafio de ingressar em novos mercados, casamentos de conveniência poderão permitir-se capitular, talentos artísticos enrustidos atrás de mesas de escritório poderão ser revelados.
Mediante o uso destes atributos, seus relacionamentos poderão ser mais verdadeiros; seu trabalho, mais digno; sua compaixão, mais autêntica; suas posses, mais honestas; e seu espírito, mais elevado.
* Tom Coelho é educador, palestrante em gestão de pessoas e negócios, escritor com artigos publicados em 17 países e autor de nove livros. E-mail: tomcoelho@tomcoelho.com.br. Visite: www.tomcoelho.com.br, www.setevidas.com.br e www.zeroacidente.com.br.