Mercado de significados para a vida é tema do novo livro de Pondé (Ilustrada-Folha)

O marketing existencial não é novidade para alunos e leitores de Luiz Felipe Pondé. Há pelo menos dois anos o filósofo, professor e colunista da Folha aborda esse conceito em textos e cursos.

Agora volta a ele de forma mais aprofundada em seu mais recente livro, "Marketing Existencial - A Produção de Bens de Significado no Mundo Contemporâneo", lançado pela Três Estrelas, selo editorial do Grupo Folha.

Pondé adverte nas primeiras páginas que o livro não é um guia prático de publicidade. Trata, explica ele, de uma disciplina nova, situada entre a psicologia e a filosofia da existência, cujo campo de estudo são as tentativas de vender significados para a vida.

Parece complicado -e de fato é-, mas Pondé usa uma linguagem pop e provocativa, que seus leitores na Folha conhecem bem, para tornar a discussão mais palatável.

No caldeirão de referências do livro, parte-se da nobre linhagem da filosofia da existência (Kierkegaard, Unamuno, Sartre, Camus) para entender as peculiaridades do consumo no século 21, na "sociedade do cartão de crédito".

"Esses filósofos fundaram a ideia do homem contemporâneo como um existente jogado no mundo sem que uma essência anterior o defina. O homem é, então, obrigado a buscar seu sentido na vida. Isso gera um vazio que o marketing tenta preencher vendendo significados", explica.

Nessa linha, o verdadeiro valor de um produto é invisível e imaterial. Viagem, carro, comida, roupa, religião -tudo é meio de vender sensações ou sentimentos que aplaquem a angústia do consumidor.

Nada parece escapar a esse modelo; Pondé, numa das passagens mais mordazes do livro, afirma que o marketing será a ciência social aplicada mais importante do século 21.

"As ciências sociais têm pregado mais do que tentado entender a vida. São muito pobres para além de sua vocação de tentar mudar o mundo a partir de teorias de gabinete. Acho que o marketing, em pouco tempo, será o empregador de todas as ciências humanas."

O predomínio desse marketing, contudo, não diz muito sobre sua eficácia. Já no século 19, relembra o livro, o filósofo dinamarquês Søren Kierkegaard (1813-1855) dizia que quase todo mecanismo de escape acaba por fracassar.

"Os objetos do marketing existencial fracassarão. Eles têm que fracassar para gerar demanda. À medida que dão errado, você precisa buscar outros. É o mesmo princípio dos aparelhos eletrônicos. Se não quebrassem, não haveria o mercado", diz Pondé.

O livro evita juízos de valor sobre esse fenômeno, mas termina com um impasse amargo. Kierkegaard afirmava que só há uma saída para o eterno conflito humano: aceitar a vida como ela é, recusar o autoengano e encarar o risco da constante angústia.

Mas será possível atingir esse estágio de existência verdadeira por meio do marketing, inautêntico por natureza?

"Não há muito o que fazer num mundo totalmente mercantilizado, em que tudo é produto", avalia Pondé. "A única forma de o marketing existencial evitar essa sensação de falsidade é começar a vender o mal-estar, a coragem absoluta de entender que a vida não tem sentido."

MARCO RODRIGO ALMEIDA

EDITOR-ADJUNTO DE "OPINIÃO"