O TRABALHO COMO PONTO EM COMUM ENTRE OS VÁRIOS POVOS DO BRASIL

Fosse de cunho desbravador (bandeiras), fosse de caráter subsistencial (em todos os cantos do país, mas mormente no agreste, de forma mais penosa, no solo duro e de água infiltrada metros e metros abaixo do alcance de qualquer mão, à tecnologia de então), ou quem sabe culturalizador (jesuítas) – os malvados diriam "desculturalizador" –, o Brasil não teria sido possível como nação (e foi a mais rica do mundo até que a Revolução Industrial mudasse as regras do jogo, dizia Darcy) sem o trabalho. Sequer teria vingado, aliás, como projeto colonial.

Poder-se-ia proceder a um estudo econômico. Foram vários os ciclos a que a parte frágil do sistema metrópole-colônia estava submetida. O que interessa na presente dissertação é demonstrar como o ato do trabalho foi mais do que importante (necessário) em cada região do Brasil. Na Amazônia, e em diferentes tempos, detectam-se os seringueiros, trabalhadores "livres, se bem que presos", e todos que participaram de projetos grandiosos (já pulando para o século XX) como a Transamazônica (especialmente num país tão mal-distribuidor da renda a construção civil ajuda mais a manter famílias alimentadas que a ampliar a debilitada infra-estrutura). No Nordeste, desde aqueles que vagavam atrás de água; até os coronéis; passando pelo cangaço, ao qual aderia não quem fosse "mau caráter, bandido de nascença ou sangue-ruim", como se divulga, mas aqueles com maior aptidão para ações de invasão de propriedades, roubos e assassinatos: tão corajosos quanto famintos e vítimas de um sistema escravista precário (e qual não é). No Cerrado e localidades do Sudeste que não o eixo Rio-São Paulo, desponta a mineração. Gente escrava também nas minas trabalhava. A diferença é que esta chegava à alforria de modo facilitado (comprava a liberdade com o ouro obtido). Nos Pampas (muito embora outras tantas cabeças de gado gerassem montanhas de capital, igualmente, na Bahia, em Pernambuco e arredores), a pecuária extensiva.

Há a categoria dos "operários universais", exercendo atividades, seja para quem, sejam quais, basicamente alguns homens livres (artesãos, constantemente a serviço dos padres, em suas portentosas instalações), os índios e os negros. Os aborígenes podiam tanto desempenhar o trabalho somente para sua comunidade (jamais para si e sim para a tribo: anarquismo primitivo), permitindo sua continuidade através dos séculos, como ser capitaneados pelos brancos. Disso resulta ora o trabalho compulsório declarado ora a "prestação de serviços" mediante o cunhadismo. Com respeito aos nativos da África, nada de inovador poderá ser explorado. É de conhecimento geral que eram estes o motor da máquina capitalista dos grandes engenhos. Extremamente caros e vítimas de sofrimento ilimitado (tanto que não se sabe se era uma fortuna viverem somente um punhado de anos uma vez desembarcados no Brasil). Vale lembrar que um pequeno naco desta riqueza toda ia para a barriga dos trabalhadores que a produziam (aqui incluídos negros, índios, artesãos e toda sorte de outros). O “grosso” era remetido aos donos dos meios de produção ou à Coroa. É a expropriação do valor do somatório de esforços individuais (e quantos indivíduos!) em prol de poucos, privilegiados.

Se há um grupo de trabalhadores mais feliz que os supracitados, certamente são as levas de imigrantes forçados a vir pela recessão européia em fins do século XIX e início do XX. Mantenedores de sua cultura original (nunca intocada, todavia sempre respeitada) e excelentes empreendedores, italianos, germanos, japoneses e eslavos (além dos portugueses) obtiveram, genericamente, sucesso na fixação brasílica.

“Mendes (1996) assegura que apenas nas graves epidemias de febre amarela que assolaram Pernambuco e Bahia nos anos de 1685 e 1690, é que tais inter-relações [a preocupação do patrão com a segurança dos subordinados] despontaram como problema a ser sanado, dado que a mão-de-obra dos engenhos-de-açúcar fôra atingida pela mortandade – motivo de graves prejuízos para a economia da época” Fragmento do estudo Segurança no Trabalho em Cursos de Nível Técnico da Educação Profissional. Perfeito para sintetizar a completa bruteza com que eram tratados os detentores da força de trabalho. Seus exploradores não perdiam a chance de usar de um pragmatismo e de um objetivismo incalculáveis em busca do lucro máximo.

E ainda, do mesmo autor: “No Brasil, a presença do escravismo, além de suas seqüelas de ordem econômica, política e social, levou à consolidação das idéias greco-romanas do trabalho, visto e entendido como sofrimento e punição [?]. E, ademais, ressuscitou o velho dualismo que separa trabalho manual de trabalho intelectual, o ato de fazer do ato de pensar, considerando o pensamento intuitivo e contemplativo superior e antagônico ao discursivo, prático e material”. Ressalta-se com clareza o estado de coisas da principal colônia portuguesa à época: a alienação do trabalhador chegou bem antes que a Revolução Industrial (segmentação das funções manual-intelectual).

O fato é que todos (independentemente de divisões societárias) “tiveram (e têm) de suar” para construir o próprio sustento nesta terra, nesta mata virgem. É inimaginável, para o cidadão comum atrelado ao meio urbano, o cenário de alguns servos da vontade do Rei chegando para a colonização e aqui nada tendo encontrado. Um lugar aonde a Idade do Metal ainda não chegara; talvez só a da Pedra Polida. Aos índios bastava conhecer o fogo, bons curativos e a confecção de flechas mortais. O colono muito trouxe em caravelas e naus para efetuar a modernização. Adereços e adereços. Obra-prima ou “obra-pronta”, tanto faz, que ajudasse a erguer as primeiras casas, as primeiras vilas...

Como não fossem capazes de, mesmo com sua inteligência e tecnologia de que tanto se orgulhavam, erguer sozinhos uma economia que satisfizesse os interesses de Portugal, recrutaram índios e negros, nem estes nem aqueles de algum modo recompensados. Sequer no Brasil contemporâneo há uma justiça social clarividente: uma paradoxal xenofobia (um conceito dado como morto em terras tupiniquins) impede a perfeita intra-integração de povo tão heterogêneo de modo que cor da pele continua a ser forte pré-requisito em seleções empregatícias.

Glossário:

sertanejo – do sertão, rude, silvícola.

caipira – homem do mato, rústico (quase um sinônimo para sertanejo – no entanto o caipira é situado mais ao sul, geograficamente).

caboclo – cruzamento do índio com o negro. A cultura de extração das drogas da mata, nos seringais, é algo predominantemente caboclo.

mameluco – cruzamento de branco com índio; brasilíndio ou neo-brasileiro. Interessante observar que o conceito de “neo-brasileiro” é anterior ao de brasileiro, de fato, pois este viria a surgir somente no século XVIII. O prefixo “neo-” é para designar o “novo habitante das Américas”, mas isso exclusivamente em relação à matriz tupi. Em seguida, conforme os mestiçados iam “se acostumando” com o status da Ninguendade (ou antes, vão-no diluindo), cunhou-se o termo brasileiro, ou a idéia de “brasilidade” como são entendíveis ainda hoje, designações pátrias de uma novíssima etnia tropical (embora de matrizes milenares!) que não se julgava nem portuguesa, nem africana, sequer aborígene. Nós.

mulato – cruzamento de branco com negro.

Referência bibliográfica

RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro – A formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

BRASIL, Luiz Augusto Damaceno. Segurança no Trabalho em Cursos de Nível Técnico da Educação Profissional. Brasília: UCB, 2002.