NAS ENTRELINHAS
Há pouco tempo, escrevi que nossos três poderes se aproveitando da redemocratização criaram um mundo à parte do restante da sociedade. Este mundo só obedece a lei do corporativismo.
É um mundo maravilhoso quase o “paraíso”, esse do topo da pirâmide. Para quem entra ali, o processo de uma lavagem cerebral hipnótica é obrigatório. Existe até o batismo de fogo. Uma primeira cusparada na direção da base da pirâmide, sobre a cabeça da sociedade. Feito isto, estará aprovado com louvor.
Algumas declarações aqui e acolá dos habitantes deste mundo, ajudam reforçar minha tese. Muitas vezes, eles são traídos pelas palavras nesse estado de hipnose. Falam frases de efeito, que infelizmente só se aplicam ao mundo deles.
Discursando num seminário de diretos humanos, a ministra presidente do STF Cármen Lúcia, lamentou o “refluxo das conquistas” dos últimos trinta anos no mundo. Minha atenção aguçou-se quando ela esqueceu do mundo, para tocar na ferida brasileira. Cármen Lúcia disse: “Mas no Brasil, as instituições estão funcionando”.
E quem seria capaz de tirar a ministra do seu transe hipnótico. É claro que no mundo “perfeito” habitado por Cármen Lúcia as instituições sempre estarão funcionando. Seria o problema no nariz empinado, ou é a falta de coragem impedindo um olhar abaixo do umbigo?
Podemos continuar no exemplo Cármen Lúcia. Quando começaram aparecer os primeiros decapitados no presídio de Roraima, a ministra correu para lá. Ótimo! E a ministra teria enviado pelo menos uma mensagem de pêsames para a família da menina Maria Eduarda, morta por bala perdida dentro de uma escola no Rio de Janeiro?
Caberia ainda lembrar a ministra Cármen Lúcia, de que na Venezuela “as instituições também estão funcionando”. Luís Roberto Barroso, outro ministro do STF presidido por Cármen Lúcia afirmou ser: “Impossível não sentir vergonha pelo que está ocorrendo no país”. Ninguém sente vergonha quando as instituições são fortes, e funcionam.
Num país onde se desconhece tratamentos iguais, dizer que elas funcionam, só com muito hipnotismo. A sociedade hoje é refém das suas próprias instituições. Que promovem de bacanais a roubos. Criam ou alteram leis para se assegurar da “impunidade perpétua”.
À medida que as cusparadas vindas do topo da pirâmide transformam-se em tempestades, nossa democracia vai adoecendo. Talvez a afirmação correta seria de que já nasceu doente. E nenhum hipnotismo tem a capacidade de curá-la. Frases de efeitos e bonitas não servem como remédio. São vazias nas entrelinhas.