A GREVE DA POLÍCIA MILITAR DO ESPÍRITO SANTO SOB A ÓTICA DA CHAMADA INVISIBILIDADE SOCIAL

* Por Herick Limoni

Por alguns dias relutei em escrever algo sobre a recente greve da Polícia Militar do Espírito Santo. Essa relutância se deu especialmente pelo fato de que eu não queria escrever algo “clichê”, ou seja, algo que já vinha sendo dito por outras pessoas e que já ouvimos em situações semelhantes. Dentre os assuntos por mim considerados “clichê” e que já haviam sido divulgados amplamente, encontram-se a ilegalidade do movimento, sua inconstitucionalidade e a falta de sensibilidade dos grevistas em relação ao sofrimento da população advindo com o movimento, dentre outros. Não irei me posicionar a respeito dessas questões.

A invisibilidade social é um conceito relativamente novo, que consiste na não percepção, pelos demais, de algum indivíduo ou grupos de indivíduos. Ela pode estar relacionada a questões políticas, raciais, geográficas, ou associada a algumas profissões, dentre outras. Nesse texto iremos tratar da invisibilidade profissional.

Algumas profissões, talvez por serem consideradas por muitos inferiores, padecem do mal da invisibilidade social. Antigamente, algumas profissões tinham certo status social, como o médico, o advogado e o professor. Toda família almejava ter um desses profissionais. O professor, devido a grande desvalorização da profissão, não possui mais o respeito e a admiração de outrora, o que é uma pena. Dentre as profissões socialmente invisíveis na atualidade podemos citar os garis, os responsáveis pela limpeza de ruas e parques e os policiais. Tais profissionais são invisíveis aos olhos da sociedade porque sua falta somente é sentida quando eles param de fazer o que lhes é determinado. Somente após dias sem coleta é que se sente falta do gari. Somente após as ruas estarem completamente sujas é que se sente falta do varredor de rua. Somente após dias sem policiamento é que se sente falta do policial. Poucas pessoas têm o hábito de cumprimentar o gari que recolhe o lixo de sua casa, ou o profissional que varre a sua rua, tampouco o policial que patrulha seu bairro ou o local de seu comércio. É disso que se trata a invisibilidade social.

Para Muniz (2001) e Soares (2004) a Polícia Militar é, em razão de sua ostensividade e capilaridade, a face mais visível e palpável do Estado e das organizações públicas. Pode parecer um contrassenso argumentar que o policial é um invisível social já que a instituição na qual trabalha é considerada a “face mais visível” do Estado. Mas não é. Muitas pessoas, nesses casos, enxergam somente a instituição, o profissional, esquecendo-se do ser humano que está por trás daquele uniforme.

No caso da greve da Polícia Militar do Espírito Santo essa situação ficou clarividente. Nos primeiros dias ninguém deu muita importância ao movimento. Nem o governo e nem a população. Mas bastou os índices criminais explodirem, principalmente os roubos, furtos através de saques e homicídios para ambos, governo e população, notarem a falta que aqueles profissionais estavam fazendo. E somente nesse momento é que passaram a ouvir o que aqueles policiais queriam dizer com o movimento.

Há uma frase bastante utilizada em que se diz que “as pessoas só dão valor àquilo que perdem”. E foi bem isso que aconteceu! E é nesse instante, em que as pessoas passam a sentir a falta de algo ou alguém que a invisibilidade social desaparece. Os esquecidos passam a ser lembrados. Os socialmente anônimos passam a ser notados. Os ignorados passam a ser cumprimentados. Mas, infelizmente, por pouco tempo. Basta retornar ao status quo anterior, basta que as coisas retomem o curso normal, que o lixo volte a ser recolhido, que a rua volte a ser varrida, que a polícia retorne às ruas para que se tornem de novo invisíveis.

E assim, o círculo vicioso retoma sua jornada, até que esses profissionais decidam por nova paralisação. Não deveria ser assim, haja vista que todas as profissões são importantes. Do lixeiro ao médico, do varredor de ruas ao advogado, do policial ao professor.

Espero que após a leitura desse texto você passe a ver com outros olhos tais profissionais, e que, pelo menos para você que o leu, eles deixem de ser invisíveis.

PS - A respeito da onda de saques durante a greve da polícia no Espírito Santo ver meu último texto publicado no Recanto das Letras, dia 22/01/17, intitulado “O brasileiro e seu espírito transgressor: a gênese da corrupção”, no qual argumento que a falha de caráter está nas pequenas transgressões, como os saques ocorridos em razão da falta de policiamento, em que pessoas “comuns” não tiveram o menor pudor em saquear lojas.

REFERÊNCIAS:

MUNIZ, Jaqueline. A crise de identidade das polícias militares brasileiras: paradoxos da formação educacional. Center for Hemispheric Defense Studies. May 22-25. Washington DC, 2001, 22 p.

SOARES, Luiz Eduardo. Sísifo e as políticas de segurança no Brasil. Porto Alegre: Gráfica Santa Rita, 2004.

* Bacharel e Mestre em Administração de Empresas

Email: hericklimoni@yahoo.com.br