Sobre o Sistema Prisional Brasileiro
Dois eventos bárbaros deram fim a vida de mais de 80 pessoas nos complexos penitenciários do Estado do Amazonas e de Roraima no começo do ano de 2017.
Foi difícil ouvir de parte da população e também do governo, expressões como "bandido bom é bandido morto", "o que aconteceu foi um acidente pavoroso," "não se alterem pois não havia nenhum santo entre os mortos". Outra expressão não menos chocante partiu do então secretario nacional da juventude, Bruno Moreira Santos, ou apenas Bruno Júlio, quando soltou a seguinte frase: "Sou filho de polícia, não é? Acho que tinha era que matar mais. Tinha que fazer uma chacina por semana", afirmou ele a um jornal. O próprio Bruno, segundo matérias publicadas é acusado de abuso sexual e violência doméstica. Quais motivos levam as pessoas a emitirem tais opiniões? Estariam embasadas em quê? Qual concepção de sociedade, de política e de educação está embutida em expressões como essas? Inegável que o alicerce que sustenta esse pensamento se pauta no víes bárbaro, de punição.
Importante trazermos aqui alguns dados sobre o que é ser "bandido". Caco Barcellos em uma palestra que ministrou na Fundação Criança em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista, mencionou alguns dados sobre quem comete homicídio no Brasil. O jornalista dividiu os responsáveis por assassinatos em três categorias: policiais, cidadão comum e reincidentes de crimes. Em sua pesquisa, os dados mostravam que a maioria dos homicídios são praticados pela polícia e pelo cidadão comum e que somente 5% por pessoas que já tinham cometido crime em outras ocasiões. O que isso quer dizer? Que em se tratando de cidadão comum, pessoas matam levadas por emoções que não conseguem conter no momento. De certa forma, se não tiverem uma boa inteligência emocional, qualquer pessoa é um homicida em potencial.
O pensamento punitivo da sociedade brasileira, quando afirma que bandido bom é bandido morto, não considera questões históricas e políticas importantes: primeiro deixam de pontuar que 60% dos presos são pessoas negras ou pardas de baixa escolaridade, segundo, esquecem que 65,8% dos presídios operam com a capacidade acima do normal. O que significa vivermos em um país em que a maioria da população encarcerada é negra ou parda? Significa que essa população, não foi assistida pelas políticas públicas como deveria. Não teve acesso a uma educação de qualidade, a políticas de esporte, lazer, cultura e trabalho.
Outro fator interessante é que a sociedade faz uma separação entre rico e pobre, inclusive na autoria de crimes. Muitos poderosos são isentos de serem chamados de criminosos, enquanto pobres, devem morrer para aliviar o sistema. Bandido bom é bandido morto, mas a regra não se aplica ao jovens oriundos de família rica que vendem drogas na faculdade; bandido bom é bandido morto mas a regra não cabe aos donos de carvoaria que escraviza adultos e crianças, bandido bom é bandido morto mas ao empresário que sonega imposto é imputado perdão, bandido bom é bandido morto mas ao jovem filho de rico que atropela e mata não é exigido nada além de prestar serviço à comunidade. Um país que considera que somente pobre e favelado deva morrer por seus crimes é um país injusto, pautado em pensamentos bárbaros.
Outro ponto importante a tratar é a saída que o atual governo aponta para o problema do sistema prisional: construir mais prisões. Tal solução apenas evidencia o despreparo do executivo federal mediante problema de tamanha proporção. Mais que construir presídios é preciso planejar em políticas de prevenção a violência, que resulta em diminuição de crimes a médio e longo prazo. Além da construção de celas é necessário articular em como será a gestão de tais presídios. Temos provas que unir tal desafio a título de parceria público privada não resolve, apenas aumenta o problema. A questão não se resolve a partir de construção de cadeias, pois, há, no país, prisões novinhas, prontas e vazias por falta de dinheiro para colocá-las em funcionamento.
Há pouco tempo, a presidente do Supremo Tribunal Federal, Carmem Lucia, mencionou que um preso custa treze vezes mais que um aluno. Ou seja, se o governo não investe em educação, terá que gastar em prisão. O problema do gasto não é o gasto em si, pois esse valor exorbitante em nada reverte para a ressocialização do preso, não reverte em política de educação e trabalho, quase sempre está aprisionado em licitações de alto custo que servem apenas para inflar ainda mais o bolso das empresas.
Em linhas gerais, sabemos que o problema não é novo, por outro lado há saídas, e elas devem vir sob ângulos diferentes do que temos observado. É preciso investir na educação, na cultura, na saúde, o que nos desalenta, a partir da observância de leis como a PEC 55 que congela gastos em setores de extrema importância. O desafio não é pequeno. Terminamos com uma frase de Nelson Mandela que ilustra muito bem a problemática de nosso sistema prisional: "Costuma-se dizer que ninguém conhece verdadeiramente uma nação até que tenha estado dentro de suas prisões. Uma nação não pode ser julgada pelo modo como trata seus cidadãos mais elevados, mas sim, pelo modo como trata seus cidadãos mais baixos".