Devolvendo a oferenda
Miguel Lucena
Ante a crise do sistema prisional que todos conheciam e nada fizeram ao longo dos anos, apesar dos alertas emitidos pelos profissionais da área, a solução do desencarceramento é repetida como um mantra por especialistas que surgiram de tudo quanto foi buraco.
Desencarcerar é soltar quem está preso, sob o argumento de que muita gente está trancafiada sem necessidade.
Repete-se que muitos dos presos praticaram crimes de necessidade, por inexigibilidade de outra conduta.
Esse argumento não procede, porque hoje em dia, ao contrário do que se passou no romance Os Miseráveis, de Victor Hugo, ninguém fica preso por furtar comida. Nem mesmo o furto de outras coisas resulta em condenação, visto que os juízes arquivam todos os processos dessa modalidade de crime, salvo quando o ladrão é contumaz.
O furto famélico – aquele em que o autor subtrai comida para saciar a fome – é justificado penalmente e por isso o delegado de Polícia não lavra auto de prisão em flagrante quando a situação lhe é apresentada.
Pode-se argumentar que as prisões estão abarrotadas de pequenos e médios traficantes, em decorrência da política de guerra às drogas. Nesse caso, a solução seria legalizar a venda de drogas, porque manter o tráfico como crime e liberar pequenos e médios vendedores é enganar a sociedade, visto que, nesse caso, teremos um grande varejão com lucro 100% garantido para os criminosos.
Em verdade, o Estado não quer arcar com a despesa de construir presídios decentes para que as penas sejam executadas conforme a lei.
O Estado quer arrecadar e desviar para os mesmos grupos de sempre, que vivem pendurados nas tetas da viúva.
Em geral, há uma desresponsabilização generalizada para que a carga seja suportada pela sociedade: as escolas ensinam pouco e passam um volume absurdo de deveres de casa, para que os pais instruam os filhos; os loucos já foram liberados há tempos e vivem nas casas ou nas ruas; agora, só falta o Estado liberar os criminosos para roubarem, estuprarem e matarem a parte trabalhadora e ordeira.