OS INESQUECÍVEIS ANÚNCIOS DE JORNAIS DO SÉCULO XIX: VENDE-SE GENTE

*Sineimar Reis

A presença dos povos africanos no Brasil data dos momentos iniciais da história do país. Os primeiros africanos chegaram entre 1550 e 1551 (séculos XVI e o XVII), durante o governo de Tomé de Sousa e se concentraram principalmente na região nordeste no território. Os escravos eram trazidos principalmente ao Nordeste para a atividade açucareira, sobretudo para fazendas na Bahia e em Pernambuco. Em menos número eram enviados ao Pará, Maranhão, Rio de Janeiro e São Paulo. No final do século XVII, a descoberta do ouro na província de Minas Gerais eleva o volume do tráfico, que passa a levar os cativos para a região das minas. No século XVIII, o ouro sucede o açúcar na demanda de escravos, o café substitui o ouro e o açúcar no século XIX. Assim que chegavam ao Brasil os escravos eram vendidos para grandes proprietários de terras. Tinham de trabalhar, principalmente, nas plantações de cana-de-açúcar e no processo de produção do açúcar.

Considerada uma das grandes contribuições para a queda do Império do Brasil no ano seguinte e abolida em 1888 a escravidão foi o fato mais obscuro da história do Brasil onde índios e, principalmente, negros eram tratados como animais e sem qualquer direito civil. Pessoas compravam, emprestavam e até alugavam escravos, em uma atividade que movimentava a economia brasileira no século XIX. Mas como eram feitos os negócios com escravos na cidade de São Paulo? Como se sabia quem vendia quem comprava ou quem alugava? Como se reportava a fuga de escravos, que cansados de sofrimento tentavam desaparecer da frente de seus proprietários? Através de anúncios de jornal. Veja esta seleção de vários anúncios relacionados a escravos do jornal Correio Paulistano que foram veiculados entre os anos de 1857 e 1879. Considerados normais e corriqueiros naqueles tempos, os anúncios hoje causam repulsa e indignação, confira:

Havia muitos proprietários que possuíam número excessivo de escravos. Estes publicavam anúncios de aluguel nos jornais, para que interessados pudessem alugá-los por um determinado período. Também era comum que pessoas interessadas em alugar publicassem anúncios pedindo escravos.

Quem estava interessado em comprar um escravo também deixava seu anúncio no jornal.

Mais comuns eram os anúncios de alerta de fugas de escravos. Na segunda metade do século XIX, as fugas de escravos tornaram-se mais freqüentes e os anúncios eram a maneira mais eficaz para tentar recuperar um fugitivo.

Por fim, não um anúncio mas, um raro relato de viajante, publicado no mesmo Correio Paulistano, em 16 de setembro de 1857, onde o anônimo relata um absurdo caso de violência contra uma escrava na cidade de Bragança Paulista. Trata-se de um ultrajante caso de agressão contra uma pessoa que, uma vez na condição de escravo, não podia fazer nada para se defender, pois se o fizesse poderia até morrer.

Estes anúncios não podem ser esquecidos, pelo contrário. São provas documentais de um passado triste da história do Brasil, cicatrizes em nossa trajetória que ainda irão demorar muitos anos para serem curadas.

- Uma negra meio boçal, da nação cabinda, pela quantidade de 430 pesos. Tem rudimentos de costurar e passar.

- Sanguessugas recém-chegadas da Europa, da melhor qualidade, por quatro, cinco e seis vinténs uma.

- Um carro, por quinhentos patacões, ou troca-se por negra.

- Uma negra de idade de treze a catorze anos, sem vícios, de nação bangala.

- Um mulatinho de idade de onze anos, com rudimentos de alfaiate.

- Essência de salsaparrilha, a dois pesos o frasquinho.

- Uma primeiriça com poucos dias de parida. Não tem cria, mas tem abundante leite bom.

- Um leão, manso feito um cão, que come de tudo, e também uma cômoda e uma caixa de embuia.

- Uma criada sem vícios nem doenças, de nação conga, de idade de uns dezoito anos, e além disso um piano e outros móveis a preços cômodos.

(Dos jornais uruguaios de 1840, vinte e sete anos depois da abolição da escravatura)

Fonte: GALEANO, Eduardo. O livro dos abraços. Porto Alegre: L&PM, 2015. p. 77.

*Sineimar Reis é Graduado com distinção acadêmica em História na Faculdade ASA no município de Brumadinho Minas Gerais (2012) e Graduado em Artes Visuais pela Faculdade de Nanuque (FANAN) Nanuque, Minas Gerais (2015).

Sineimar Reis
Enviado por Sineimar Reis em 11/01/2017
Reeditado em 11/01/2017
Código do texto: T5879173
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