A Crise
Final de ano e temos no Brasil mais uma crise institucional que a cada dia ganha maiores proporções. Os poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário) e suas respectivas autoridades, agora desavergonhadas, se mordem em frente às câmeras de TV, microfones de rádio e, chegando ao cúmulo do absurdo, em redes sociais. É a crise como espetáculo, como ódio, suplício e guerra de nervos. Uma crise política que alimenta a já conhecida crise econômica e a mais que secular crise social. Paralelamente, a tais acontecimentos vemos uma sociedade cindida, cínica e inerte, dado a divisão de opiniões e interesses que marcaram a retirada da única mulher presidenta do país. Nesse lugar, pretendo apontar três características de nossas condições objetivas de vida que, se não estão, pelo menos deveriam estar, tirando o bom sono nosso de cada dia.
A primeira característica aponta que nossa crise é configurada na base do ódio, na busca do inimigo e da criminalização do diferente. É justamente por isso, que vemos atordoados as intrigas, as fofocas, as denúncias, as ameaças, as delações e as violências. Destruir a oposição, o outro, o diferente tronou-se a norma. Não cabe seguir as leis, ter cuidado com elas e respeitar os direitos e até os deveres do outro. No limite somos todos bodes expiatórias e próximos a uma espécie de julgamento e posterior morte social.
Outra característica da crise brasileira hodierna é o empenho ostensivo de atores e atrizes, proprietários de agendas de poder, em não solucionarem os problemas. Uma espécie de “quanto pior, melhor” ganhou a consciência coletiva. Nesse caminho, nada e ninguém é poupado. Um jogo perverso de informações e contrainformações alimenta o monstro midiático que entra na casa de todos nós e espirra fogo pelas redes sociais plantando mais discórdia, além do medo, da incerteza e da insegurança. A conjuntura é preocupante, dado que as soluções são existentes, mas é fácil e necessário desacredita-las, pois, como se sabe, “em rio que tem piranha, jacaré nada de costas”.
Uma outra característica de nossa crise é a total inversão, desrespeito e pouco caso em relação a valores que, geralmente, aprendemos desde criança. As condições sociais nas quis estamos vivendo forjou relações nas quais as autoridades não são mais respeitadas. Do presidente da república ao governador; do juiz ao motorista do ônibus; do professor ao policial; do pai de família ao homem mais velho que espera o ônibus, a onda é horizontal. Todos somos iguais, e é verdade, somos iguais perante a lei. Um princípio que sem limites não limita ninguém. Logo, é bom rever a hermenêutica do princípio que, na verdade apregoa que, “somos iguais, mas iguais em nossa diferença”, e reside justamente neste campo a quebra de valores básicos à civilização. Longe da hierarquia tácita e manifesta da autoridade racionalmente ou emocionalmente aceita, não resta muito, porque também esta autoridade abre mão de suas prerrogativas discricionárias e, nas relações do “largar para lá”, não se mobiliza para colocar as coisas nos seus devidos lugares. Assim, um ciclo vicioso se produz e se reproduz, alimentando relações de incredulidade no outro e colocando em xeque os processos civilizacionais. O rompimento de tais processos, nos leva a anomia social, às ideologias conservadoras e fascistas e ao culto da barbárie como norma e, provavelmente, - e tudo indica que caminhamos para lá - para relações de violência naturalizadas, em que vale a lei do mais forte, dos que são economicamente mais favoráveis ou que possuem o poder naquele momento. À guisa de aviso: toda atenção e cuidado nos dias de hoje ainda é pouco.