PORQUE NÃO DEVEMOS LAMENTAR A MORTE DE FIDEL CASTRO.
Desde os primórdios da história da humanidade, a começar pelo Egito, de onde se reconhece a origem da própria cultura, expressada por Platão, em referência ao deus Thot "o inventor dos números, do cálculo, da geometria e da astronomia, sem falar do jogo de tabuleiro e dos dados e, enfim, das letras do alfabeto"(MANACORDA/2010) considerando-o, portanto, o criador de toda a atividade intelectual de todos os povos. Passando pela Grécia, com a filosofia, a política, o conceito de paidéia e o desenvolvimento de outros tantos conceitos e indo até Roma com o desenvolvimento dos "direitos das gentes" vemos que a humanidade sempre procurou trilhar o caminho do desenvolvimento intelectual. Desde então, o homem está como meio e fim do próprio processo de desenvolvimento histórico-cultural da humanidade.
Foi tão somente pela essência humana, contida na própria humanidade, que foi possível chegarmos até os dias atuais, pois na essência humana é que se encontra a energia necessária para que o homem transforme a natureza através do trabalho. É essencialmente através do trabalho que toda sociedade se desenvolve. O homem é o único animal que trabalha, e por isso, é capaz de moldar a natureza conforme suas necessidades gerando com isso o desenvolvimento da própria humanidade enquanto espécie e coletividade.
A consciência de essência humana faz com que "o valor da pessoa humana enquanto "valor-fonte" da ordem de vida em sociedade encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem" (LAFER/1998).
No preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos Humanos, também chamada de Declaração Universal dos Direitos dos Homens, vemos que a "dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo".
Daí podemos dizer que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do homem conduzem a atos de barbárie que revoltam a consciência da essência humana existente da humanidade.
Os homens precisam ser livres para falar e crer. Precisam estar libertos do terror e da miséria, pois é "essencial a proteção dos direitos dos homens através de um regime de direito, para que o homem não seja compelido, em supremo recurso, à revolta contra a tirania e a opressão" (LAFER/1998).
Assim, sempre se proclamou a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, bem como, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres.
Na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) vemos que "todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade". Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na DUDH, sem distinção de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de nacionalidade, etc...
Porém, a história da humanidade também nos revela que, ao longo do percurso, houve ruptura do sistema jurídico de proteção da pessoa humana, e esta ruptura surge quando há uma inversão da lógica razoável, o que permite a locupletação do homem pelo próprio homem (utilitarismo). Há uma inversão do binômio "valor-fonte" para "fonte-valor". Ou seja, nestas rupturas, tratadas por Hannah Arendt quando "reflete sobre o paradigma da Filosofia do Direito, é que surge o Estado totalitário ou o Estado ditatorial" (LAFER/1998). Para LAFER "o amorfismo jurídico que caracteriza o Estado totalitário torna sem utilidade prática a definição do Direito pela forma; o antiutilitarismo do movimento, que assinala o totalitarismo no poder, torna sem sentido a categoria do interesse, na qual se apoia grande parte das análises e das propostas sobre o encaminhamento do descompasso entre a norma e a conduta das pessoas". O modelo do Estado totalitário é disforme ante o modelo democrático, de onde o poder emana do povo, pois "o totalitarismo é uma proposta de organização da sociedade que escapa do bom-senso de qualquer critério razoável de justiça, pois se baseia no pressuposto de que seres humanos são, e devem ser, encarados como supérfluos" (LAFER/1998). Esta convicção adotada pelo Estado totalitário, de que o homem é visto como supérfluo e descartável "representa uma contestação frontal à ideia do valor da pessoa humana enquanto "valor-fonte" de todos os valores políticos, sociais e econômicos e, destarte, o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica (...)" (LAFER/1998).
Para Rawls, "o conteúdo dos princípios de justiça é ilustrado a partir da descrição da estrutura básica de uma democracia constitucional. Os princípios de justiça consistem numa aproximação razoável e, numa extensão dos nossos juízos ponderado". E continua: "cada pessoa possui uma inviolabilidade que nem mesmo o bem-estar da sociedade como um todo pode ignorar" (RAWLS/1997). Assim, Rawls se posiciona contrário ao utilitarismo no sentido de se justificar, para o bem de uma maioria, que direitos individuais sejam violados.
Como o leitor já pôde notar, o Estado totalitário se sobrepõe ao estado de direito à medida que retira da pessoa humana direitos que lhe são inerentes pela própria consciência de essência humana expressada em grau maior pela Declaração Universal dos Direitos Humanos. Assim, uma vez injustificável a existência de Estados totalitários, eis que injustificável, também, a existência de ditadores tal qual o foi Fidel Castro. Portanto, não há motivo algum para lamentar a sua morte.
Referências bibliográficas:
MANACORDA, Mario Alighiero. In História da Educação. da antiguidade aos nossos dias. Tradução de Gaetano Lo Monaco - 13ª ed. - São Paulo: Cortez, 2010.
LAFER, Celso. In A Reconstrução dos Direitos Humanos: um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. São Paulo: Companhia da Letras, 1998.
RAWLS, John. In Uma Teoria de Justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
Declaração Universal dos Direitos Humanos, disponível em: http://www.ohchr.org