O ENTERRO
O ENTERRO
autor José Rodrigues Filho
Corria o ano de 1929. Lá para as bandas do município de Cajazeiras, na Paraíba, numa tarde escaldante e poeirenta de verão; entrava pelo lado leste da pequena Vila, uma comitiva de poucos homens (oito ao todo) de aspectos rudes e característicos de regiões sertanejas. Pelo modo indolente de caminhar; pelas roupas típicas, de matuto nordestino, ensopadas de suor e impregnadas de poeira; era fácil notar que, tratava-se de gente que morava a algumas léguas do povoamento, embora seus rostos não fossem reconhecidos como frequentadores das artérias daquele pequeno burgo. Dois deles carregavam aos ombros uma rede de dormir pendurada em um pau de, cerca de, três metros de comprimento; os demais, também de faces e olhares constrangidos, levavam os chapéus à mão e andavam num passo cadenciado e pesaroso, típico daqueles que levam para a última morada um ser que se foi desta para a outra vida. Tratava-se, pois, de um Enterro de gente pobre oriunda da roça, tão comum por esse Nordeste do Brasil. O esquife é a rede de dormir, a qual, muitas vezes, retorna com o séquito, pois servirá para alguém da família do morto.
Devido ao excessivo calor que, naquela hora, deixava a população sem alento para sair às ruas, poucos foram os que presenciaram o desfile daquele féretro campesino.
Seu Malaquias, boticário local, perguntou, indolentemente – Morreu de que? E a resposta seca e taxativa: picada de urutu! E sem mais delongas o Enterro seguiu em direção à Igreja, a qual ficava no fim da rua, na praça principal. Poucos metros à frente, desenrolou-se uma cena que, até hoje, ficou marcada na história daquela vilazinha da Paraíba. Ao passar diante da delegacia de polícia, os homens que carregavam a rede arriaram-na sobre a calçada da cadeia e, para espanto de quem estava observando, surgiram, em vez de defunto, oito rifles papo-amarelo os quais, nas mãos daqueles sertanejos, significaram a rendição total de toda guarnição policial da Vila.
Um dos oito homens ergueu sua arma para o alto e disparou três vezes, com intervalos de trinta segundos, em média. Cinco minutos depois, entrava cidade a dentro um grupo de cavaleiros tendo à frente, nada mais nada menos, do que o legendário Capitão Virgulino Ferreira, o Lampião: estrategista do cangaço que acabava de tomar mais uma cidade, das tantas que tomou, ao longo de sua vida guerrilheira, usando, desta feita, para atingir seu intento –Ele que tanto matou sem enterrar- um Enterro sem morto.
TEXTO PUBLICADO NO JORNAL KOMUNIKANDO REGIÃO DE FEIRA E SANTANA-BA. -ANO VIII- Nº 50, JUNHO DE 1987 EDIÇÃO ESPECIAL.