Crime e Castigo

Não tem jeito, sou um defensor das causas perdidas. Por isso defendo o socialismo. A causa perdida que trato neste texto, no entanto, não tem a ver com socialismo, e sim com a dos jovens Caio Silva e Fábio Raposo, de 24 anos, acusados de matarem o cinegrafista da TV Bandeirante Santiago Andrade, de 49 anos.

Acompanhei o caso e pude traçar um rápido perfil de Caio e Fábio: jovens desajustados e idealistas com pretensão de serem heróis populares. Goste-se ou não, eles lutavam pelos nossos direitos (inclusive os de Santiago), mas pelos meios errados. Agora, eles têm sangue nas mãos.

Eu respeito a dor da família do Santiago. É compreensível que eles queiram ver os dois acusados na cadeia - também desejaria o mesmo se fosse um ente querido meu. Acontece que, às vezes, o desejo de Justiça se confunde com o de vingança. Como se só pudesse alcançar a paz de espírito sabendo que aqueles que lhe causaram dor estão sofrendo. Aí já se trata de revanchismo.

A Band, com o apoio de outras emissoras, também está com sede de "justiça" e pede a cabeça dos "assassinos frios”. Esquece-se que nos quadros da empresa podia se vê, até pouco tempo, o Edmundo, que foi responsável pela morte de três pessoas num acidente de trânsito durante o qual estava "aparentemente" alcoolizado. Não quero crucificá-lo de novo, apenas dizer que as pessoas cometem erros e merecem uma segunda chance.

De início, o Ministério Público queria que Caio e Fábio fossem julgados por homicídio doloso triplamente qualificado. O que é um absurdo. Não me parece que eles tenham agido com a intenção de matar alguém. Não os conheço, mas me recuso a crer nessa ideia. Apesar de que se soltar um rojão em plena Central do Brasil não me parece "adequado" em termos de segurança.

Depois, teve a interpretação do STJ de homicídio qualificado com dolo eventual. Bem, posso até aceitá-la, na medida em que entenderem que os policiais também assumiram o risco de matar ao lançarem gás lacrimogênio contra pessoas durante protestos; procedimento este que acabou por vitimar a gari Cleonice Vieira (54 anos).

Por falar em vítima fatal nessas grandes manifestações no Brasil, a grande imprensa ignora estas: Fernando da Silva (34), complicações pulmonares após inalação de gás; Douglas Henrique (21) e Luiz Felipe (22), mortos ao caírem de uma ponte quando fugiam dos confrontos; Marcos Delafrate (18), Paulo Patrick (14), Igor da Silva (16), Valdinete Rodrigues (40), Maria Aparecida (60) e Priscila de Almeida (32), todos atropelados por motoristas que investiram contra o bloqueio dos manifestantes; Renato Kranlow (44), atingido por uma pedra; Tasnan Accioly (65), atropelado por um ônibus quando fugia das bombas; Lucas Alcântara (12), atingindo por um disparo de arma de fogo.

No caso do Santiago, a Prefeitura e o Governo do Estado do Rio capitalizaram a tragédia para aumentar a repressão e dar cabo aos protestos. Por fim, batizaram até espaços públicos com o nome do cinegrafista morto. Não que eu ache isso errado, só condeno a hipocrisia dos governantes. Não me lembro do mesmo ter sido feito com o pedreiro Amarildo, este, sim, morto deliberadamente pela Polícia Militar - não sem antes torturá-lo.

Mas é compreensível, a burguesia precisa criar os seus mártires. Foi assim na “revolução de 32”, quando as elites paulistas criaram o M.M.D.C em homenagem aos quatro estudantes mortos pela repressão do Vargas durante um protesto.

O aumento das tarifas, sem contrapartida de melhores serviços e sem diálogo com a sociedade, foi que desencadeou todos aqueles protestos em junho de 2013 e, depois, no início de 2014. A Polícia Militar, a fim de “acalmar os ânimos", aplicou o uso progressivo da força, que em termos vulgares quer dizer: tiro, porrada e bomba. Deu-se início, então, a uma revolta tal como nunca vira antes.

Sendo assim, o prefeito Eduardo Paes, bem como o ex- ditador Sérgio Cabral, tem tanta culpa pela morte desse rapaz quanto aqueles garotos. Não acenderam o rojão; mas o barril de pólvora que provocou todos esses conflitos.

As pessoas que assistiram, no conforto dos seus lares, a esses protestos não podem compreender o que se passou naqueles dias. O contexto daquela época era de enfrentamento. Transgredir a lei era palavra de ordem. De um lado a violência do Estado, do outro dos manifestantes (não só dos black blocs). Eu presenciei tudo isso, e por um triz não fui vítima de um rojão também - para a infelicidade de muitos, escapei ileso.

Esses garotos, com perfis tão distintos (Caio morava na Baixada e prestava serviços num hospital; Fábio era de classe média e tatuador), queriam fazer o bem, porém, acabaram por fazer o mal. Não puseram fim apenas à vida de Santiago, mas às próprias.

Deveriam se desculpar sinceramente perante a família de Santiago, ao passo que esta, se for cristã, deveria perdoá-los. É claro. Perdoar não é esquecer. Eles devem ser julgados, mas sem linchamento. Afinal, por mais pesada que seja a condenação- o que eu não desejo -, não vai trazer o Santiago de volta.

Estevão Júnior
Enviado por Estevão Júnior em 30/09/2016
Reeditado em 03/10/2016
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