EM TEMPOS DE UFANISMO

Em tempos de ufanismo, não podemos culpar os brasileiros. Toda a nossa mídia foi contaminada pelas cores e fogos de artifícios do Maracanã. Nas manchetes, como por encanto, o Brasil real deixou de existir.

O Brasil real está distante deste que apresentou o “delírio prateado” de Gisele Bündchen para o mundo. Como se Gisele precisasse ser apresentada! Nem o rebolado da cantora Annita era necessário. Fiquei pasmo ao saber que um dos assuntos mais discutidos depois, foi os vestidos das duas.

Mais do que desfilar e rebolar no Maracanã, eu gostaria que Gisele e Annita dessem seu grito contra a violência a que as mulheres estão expostas. Ela vem crescendo num ritmo assustador. O mesmo serve para a mídia, que só noticia a violência quando se trata de mulheres famosas. Fazer essa distinção é também cometer uma violência.

Poucos estão sabendo que a lei Maria da Penha completou uma década neste mês. Uma minoria da mídia divulgou. Concordo! Não se tem nada a comemorar. Infelizmente a lei está longe de ganhar uma medalha de ouro, mas lembrar sempre é bom. Quase não é perceptível mas existe um manto machista no qual a mídia costuma se esconder.

Isto é um fato profundamente lamentável, mas não é o único. O que a mídia divulga deveria fazer a sociedade refletir. Principalmente porque deixamos a violência contra as mulheres se incorporar ao nosso cotidiano, como acontecimentos normais.

Ainda antes do ufanismo tomar conta do país, uma reportagem do jornal A Folha de São Paulo, mostrava que uma mulher é morta a cada duas horas no Brasil. Os assassinos são maridos, ex-maridos, companheiros, ex-companheiros, ou coisa parecida. Isto é uma tragédia humana transformada em estatísticas.

No domingo que passou, no ápice do ufanismo, o jornal O Estado de São Paulo também estampou uma reportagem de violência contra as mulheres. Qualquer homem que lesse, deveria sentir-se envergonhado. O que é impossível, já que a sociedade dissemina o machismo através de lavagens cerebrais que começam nas famílias.

Nas delegacias geralmente a palavra das mulheres agredidas é colocada em dúvida. Policiais, advogados, promotores e juízes têm a tendência de não acreditarem nelas. Negam-se a registar boletins de ocorrências, sob a alegação de que estão prejudicando o seu companheiro.

Uma medida protetiva, que já é um modo ineficaz de protegê-las, pode demorar até quatro meses para ser dada. A conclusão é triste. Enquanto as Olimpíadas causam tempos de ufanismo passageiro por espetáculos e medalhas, o ufanismo dos “machos” pela violência parece ser intocável e eterno.